domingo, 13 de dezembro de 2009

Lei de Recuperação de Empresas e Falências - Lei 11.101/2005

No editorial deste domingo (13/12/2009) o periódico O Estado de S. Paulo afirma categoricamente que a nova lei de recuperação de empresas e falências deu certo, demonstrando que os bons resultados alcançados nesse período mostra a evolução do sistema econômico, embora, ainda, a legislação precise ser readaptada, para que os mecanismos do novel instituto se tornem perfeitamente úteis às empresas.
Ora, ganhei o dia, a semana, o mês e o ano.
É que tive o prazer de fazer parte da Comissão de Juristas do Minsitério Público do Estado de São Paulo que debateram e forneceram informações para que a Comissão encarregada de elaborar a lei pudesse fazer um trabalho adequado.
A minha participação maior se prendeu às áreas penal e processual penal, sendo que tive o prazer de participar de dezenas de reuniões com os membros da Comissão e pessoalmente com o Deputado Oswaldo Biolchi, então Relator do Projeto de Lei n. 4.376/93, que deu origem à atual Lei 11.101/2005.
No entanto, é claro que a experiência como Promotor de Justiça de Falências da Capital de São Paulo, designado para grandes casos da época, muito ajudou a Comissão de Juristas a implementar outras modificações pontuais sobre o projeto como um todo.
A presente Lei é fruto da concepção de grandes pensadores do direito empresarial e falencial no país, podendo destacar Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, Nelson Abrão, Carlos Henrique Abrão, Jorge Lobo, Sergio Campinho, Rachel Sztain, Ricardo Tepedino, Renato Mange, Alfredo Luiz Kugelmas, Alberto Camiña Moreira, Julio Mandel, Luiz Fernando Paiva, enfim, uma gama de notáveis conhecedores do Direito Empresarial e, principalmente, Falencial, pedindo escusas pelas omissões.
A certeza de que a atual Lei 11.101/05 é boa já revelei recentemente na Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FECOMÉRCIO), quando lá estive para um debate sobre tal legislação; assim como participei de outro debate na FIESP-CIESP, este no início de vigência do novo modelo.
Também fui homenageado pelo grande falencista Julio Kahan Mandel na sua obra sobre a atual Lei, quando o mesmo afirmou que "alguns promotores tinham uma visão diferenciada do antigo instituto".
De fato, a situação que o Julio Mandel relata era por demais inusitada: uma construtora que produzia obras de arte para os governos federal, estadual e municipal, vencedora em concorrências públicas e obrigatoriamente cumpria seus compromissos contratuais, ao cabo da execução dos serviços, sofria com o não pagamento das obras realizadas porque deveriam ser 'auditadas' as contas... Buscando a solução para o seu momentâneo déficit - pois tinha patrimônio fixo suficiente para bancar as dívidas - encontrava-se a construtora na seguinte situação:  o Estado-lei não autorizava o pagamento dos seus débitos em proporções maiores que os míseros 2 anos, que o antigo Decreto-Lei 7.661/45 impunha. Mas as dívidas do Estado-administração ultrapassavam os 2 anos.
E quando a construtora pediu ao Estado-juiz a fixação de prazos maiores encontrou um empecilho legal. Coube ao Estado-Ministério Público temperar os rigores do ultrapassado Decreto-Lei 7.661, editado nos estertores da ditadura Vargas, eis que a Constituição Federal de 1988 já havia traçado novos contornos para a economia nacional, como se vê do art. 170, onde os princípios que regem a economia nacional são totalmente diferenciados daquele promulgado no longinquo 1945...
Lembro-me bem que na época já haviamos tido problema semelhante com uma grande empresa de varejo, onde o Dr. Eronides Rodrigues Santos - também lembrado pelo Julio Mandel em sua obra - já havia tentado resolver o embróglio jurídico.
O ano ainda era 2002.... Havia um Projeto de Lei que o PT repudiava de todas as maneiras, apenas porque foi planejado pelo então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, que era, e é, do PSDB.
Porém, a construtora endividada não poderia sofrer as consequências de uma briga política e fechar as portas de sua empresa produtiva e em condições de manter sua cadeia empresarial, gerando riquezas e mantendo os empregos, apenas porque um partido não gostaria de aprovar o projeto do outro, numa clara demonstração de pobreza de espírito cívico e visão opaca da realidade social.
Pois bem, sem lei que pudesse por em prática uma experiência pioneira, contrariando, por sinal, a existente (ultrapassada sob todos os aspectos), preferi proferir parecer no sentido de que dever-se-ia ultrapassar a draconiana e vetusta legislação, fincar raízes nos princípios constitucionais do art. 170 e deferir prazo maior para que a construtora pagasse seus débitos, do que os míseros 2 anos fixados pela ultrapassava legislação.
O juiz da época, com visão no futuro, Dr. José Tarciso Beraldo, hoje honrado Desembargador, acolheu integralmente o parecer e mandou a construtora apresentar um plano de recuperação de sua empresa. A outra solução seria a quebra da empresa, fechamento de uma unidade produtiva e cessação dos contratos de trabalho, rompimento de uma cadeia indissolúvel do mercado de trabalho. Mas a sensibilidade falou mais alto naquele momento. Houve recursos, que foram rejeitados, mantidos os nossos posicionamentos.
Toda essa experiência foi levada em conta no momento em que se discutiu o Projeto de Lei 4.376/93, principalmente porque o PT, ao assumir o poder, notou que o projeto não prejudicava os "trabalhadores" como inicialmente pensara, mas, ao contrário, mantinha a cadeia produtiva, o crédito público, a economia e a segurança das relações comerciais; enfim, era de interesse nacional que uma nova legislação fosse editada.
A nova legislação era uma questão de tempo.
Os problemas gerados pelos vários seguimentos da sociedade [comércio, indústria, sindicatos, instituições financeiras, etc.] cada um interessado em resguardar-se de possíveis insucessos sociais, como sói acontecer, geraram lobbies que muito atrapalharam a elaboração da lei, como um todo, pois era visível que as constantes mudanças dos textos do projeto tinham a nítida visão arcaica de um grupo, nunca interessado no todo. Lembro-me que numa semana cheguei a receber 10 textos da "nova lei"... de acordo com as oscilações dos mercados financeiros, da aviação, etc. e tal.
Porém, no final das idas e vindas, o texto acabou por ser aprovado e a chamada Lei de Recuperação de Empresas e Falências veio à luz, onde o problema inicial era, efetivamente, a implementação, sendo que muito dos exegetas de plantão ainda pensavam como no velho instituto, procurando ver o passado como se fosse melhor que o novo.
E o novo, exatamente por ser novo e arejado leva ao temor.
Mas o tempo é o senhor da razão, e no nosso caso, a lei atual mostrou que o tempo militava a nosso favor.
Como Promotor de Falências de São Paulo pude testemunhar que as mudanças foram para melhor.
A "pedra de toque" da atual lei está no art. 167, que permite ao empresário maior mobilidade nos seus negócios, podendo tratar diretamente com os seus credores sem o temor que pairava na legislação anterior [ que era considerado "ato de falência" ].
A extinta concordata, que de 'concordância' nada tinha, pois era impositiva, deu lugar à recuperação de empresa, esta dividida em três formas (judicial, extrajudicial e da micro e pequena empresa) cada uma com sua peculiaridade.
A forma de recuperar uma empresa passa por um número significativo de situações díspares, podendo o empresário, agora, escolher, dentro de um cardápio infindável de opções, qual será a sua melhor escolha, dentro de seu intrincado ramo de atividade.
A solução encontrada na atual legislação é totalmente díspare daquela do antigo Decreto-Lei 7.661/45, pois na nova legislação o empresário poderá dispor de bens ou de capital, ou de suas unidades de trabalho, diferentemente do antigo instituto, que previa exclusivamente o pagamento.
Aquilo que era considerado no passado como "ato de falência" hoje é respeitado como direito do empresário de recuperar sua empresa, guardadas as condições em que o mesmo deverá administrar corretamente sua empresa.
A Assembleia Geral de Credores trouxe para o centro dos debates exatamente a situação financeira do empresário e sua condição para continuar a gerir sua empresa, não sendo crível que os empresários incompetentes continuem desfrutando das benésses de sua má administração enquanto todos os envolvidos em suas negociações arquem com os custos dessa impróspera gestão.
A sua destituição da administração e o seu afastamento dos negócios também foi amplamente debatido nos anais da novel legislação, sendo certo que venceu a ideia de que o empresário é responsável pela evolução do instituto e, como tal, também é obrigado a se aprimorar e desenvolver suas atividades com respeito ao ambiente, ao consumidor, ao trabalhador, gerando riquezas, etc., sob pena de perder a empresa que construiu.
Há, agora, uma responsabilidade social e uma obrigação moral do empresário para com o trabalho, riqueza e produtividade. Aquelas ações livres dos empresários, que enriqueciam enquanto todos à sua volta empobreciam deixou de existir, eis que se mostrar que é ele o causador de danos aos princípios constitucionais da economia certamente terá o prazer de deixar a cena empresarial, assumindo em seu lugar outro grupo de pessoas capazes, capitaneados por um 'gestor judicial' indicado para tal mister.
Enfim, a nova legislação recuperacional é uma realidade, amplamente aceita pelos vários seguimentos da sociedade.
Na área penal, que tive o privilégio de desenvolver os textos básicos dos tipos penais, batizando-os também com o nomen juris, mostra a nítida diferença entre a legislação antiga e a atual, principalmente nos artigos 169 e 170 que tem a finalidade primeira de proteger o devedor, podendo, também, ser este alvo de persecução penal, dentro de determinadas e claras situações.
O poder intimidatório da nova legislação penal falencial é claro, sendo que vige a possibilidade real de um empresário inescrupuloso recuperar uma empresa e ser ao mesmo tempo preso.
Pode parecer um paradoxo intransponível, mas a atual legislação fez questão de seguir um caminho bem nítido no sentido de diferenciar a empresa - fonte produtiva de recursos - da figura do empresário - pessoa física, autor de delitos - como mostra bem os artigos 47 e 75 da nova legislação.
É claro que a atual legislação ainda depende de implementações, algumas de natureza legislativa, pois geram diversas situações factuais não previstas inicialmente.
A questão envolvendo tributos é uma situação que os Tribunais vem abrandando há tempo.
Enfim, diversas ideais surgem ao longo do caminho da novel legislação, mas podemos afirmar, sem medo de errar, que a atual legislação é fruto da concepção de um novo mecanismo empresarial, apontado pelos grandes profissionais da área como uma evolução incomparável dentro do campo empresarial.
E a aprovação popular logo ganhará aplausos.

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