domingo, 15 de novembro de 2015

Entenda o que é o TRUST

Entenda o que é o TRUST


Originado na Inglaterra, por volta do Século XI e ainda em plena vigência nos países anglo-saxões, no entanto, é muito pouco difundido nos países latinos e em outros continentes, passa a ser alvo de diversas investigações criminais, visando conhecer e o verdadeiro autor de eventual delito, geralmente envolvendo grandes somas de dinheiro de origem criminosa.
De fato, o trust possui uma organização gerencial (management organization) com roupagem jurídica díspare das pessoas que a compõem passa a ser tratada como um ente diverso daqueles que a criaram e a constituíram.
A história registra que na segunda metade do Século XIX e início dos anos 1900, notadamente nos Estados Unidos da América do Norte, com os grandes impérios monopolísticos de Vanderbilt, Rockfeller, Carnegie, J.P. Morgan, Ford, gerou a necessidade do governo estadudinense intervir nos mesmos, criando os crimes de trustes, principalmente a partir de Theodore Rossevelt, ferrenho combatente dos monopólios americanos, em face da enorme concentração de riqueza nas mãos de uns e da pobreza de milhões.
Definindo, haverá o trust quando uma pessoa (settlor[1] ou grantor) transfere seu patrimônio (trust fund), total ou parcialmente, para um terceiro – que poderá ser pessoa física ou jurídica (trustee) - com a incumbência de gerir e administrar o patrimônio e distribuir os lucros e dividendos de acordo com as determinações impostas pelo settlor.
De todos os modelos empresariais existentes ao derredor do mundo creio que o trust é aquele em que a possibilidade de real punição dos culpados, quando se objetiva atingir a pessoa jurídica é o que menos inspira certeza na sua efetiva realização.
Isto ocorre porque, baseando-se o trust numa confiança entre as partes, o instituidor do trust (settlor) não aparecerá nas transações encetadas pelo trustee, eis que, pela sua própria natureza, nada mais é do que o cumpridor de ordens emanadas do contratante (settlor), podendo o missionário das ordens do instituidor realizá-las em seu nome, sem que jamais apareça o verdadeiro autor de um crime e seu mentor intelectual.
Se o trustee resolver montar uma empresa em qualquer parte do mundo - independente do modelo societário que escolher - a eventual punição da pessoa jurídica alcançará exclusivamente o cumpridor das ordens do settlor sendo que a punição, destarte, será meramente formal, equidistante dos altos interesses sociais e dogmáticos que se teve em mente para a punição dos efetivos autores dos delitos.
Por negociar em seu próprio nome o trustee aparece diretamente nos negócios da empresa - que poderá ser criada exclusivamente para o fim de praticar crimes, verbi gratia - e eventual condenação criminal, inclusive pelo concurso de pessoas, atingirá somente sua pessoa, isentando-se por completo o instituidor do trust, mesmo porque, em regra, ele não teria cometido qualquer delito, podendo até alegar que o trustee agiu com excesso de mandato e, portanto, ser responsabilizado exclusivamente, civil e criminalmente.
Destarte, para a perfeita equalização da busca dos verdadeiros autores dos delitos, em caso de um trust, só resta perseguir detalhadamente os meandros da possível ocorrência do mesmo, eis que não existirá prova abundante de sua ocorrência, como sói acontecer com os tipos societários ordinários, mesmo porque a característica principal do trust é exatamente a de esconder ao máximo sua existência.
Dentre as empresas criminosas, no mais das vezes constituídas exclusivamente para a prática de crimes, a escolha pela movimentação de dinheiro é baseada no modelo do trust, sendo que os "proprietários" dessas empresas são apenas "homens de palha" ou "laranjas" encarregados de cumprir as ordens emanadas dos seus superiores e a eventual punição dos membros de um trust também se me afigura meramente formal, eis que sempre será preciso encontrar os verdadeiros autores dos delitos, mesmo porque a punição representará somente a perda de uma unidade de um esquema criminoso, que, como uma bactéria, imediatamente se reúne para a constituição de novo modelo empresarial criminoso.
Em decorrência dessa característica principal, fácil concluir que o descortinamento na pessoa jurídica revela-se imprescindível para a busca dos verdadeiros e reais autores dos delitos quando imputados à pessoa moral, sendo que a produção das provas da ocorrência do trust é deveras problemática, posto que tanto um (settlor) como outro (trustee) mantém, no mais das vezes, contrato firmado (trust agremment ou trust deed & memorandum of wishes) para a não delação da sua existência, constituindo um pacto secreto entre ambos, mediante remuneração, agindo o comissionário em seu próprio nome e sob sua rubrica exclusiva age sem que ninguém tenha conhecimento da existência do pacto anterior.
Dito isto, somente é possível descobrir exatamente as pessoas envolvidas no trust quando existir deslizes praticados por uma ou outra parte, como documentos trocados entre as partes, e-mails, mensagens, telefonemas, etc.
Não se pode examinar o trust com a mesma cautela que se examina outros delitos empresariais, eis que, neste tipo de contrato, especificamente, haverá de prevalecer a prova indiciária da existência do contrato, lembrando que a prova de qualquer contrato pode ser feita por meio de indícios suficientes, como se vê do art. 239 do Código de Processo Penal.
É com base nos deslizes de uma ou outra parte do trust que se consegue descobrir a ocorrência de eventuais crimes precedentes, mesmo porque tanto a existência do trust como os participantes desejam o sigilo como forma de acobertar sua ocorrência.
Bem, até o momento estou me referindo ao trust legalmente aceito pela legislação inglesa e amplamente difundido nas suas colônias, sendo que outras pessoas jurídicas podem utilizar o "modelo" do trust para práticas delinquentes, como veremos a seguir.
Por isso, nos Estados Unidos da América o conceito de "organização" ou "associação" acabou por ser estabelecido por uma norma federal, a U.S. Federal Sentencing Guidelines Manual, 18 U.S.C.S. Appx, § 8A1.1 (205), cujos termos incluem as corporações, parceiros, associações, joint-stock companies, uniões, trusts, fundos de pensões, organizações não governamentais, entre outros, tudo isso para evitar a ocorrência de crimes de money laundry.
Ao longo do tempo pudemos observar que as organizações criminosas seguem exatamente o modelo do trust do direito inglês, criando as empresas de fachada para a lavagem de capitais ou de ativos financeiros, sendo que não é crível encontrar-se nos mais diversos rincões mundiais pessoas jurídicas nitidamente criminosas, envolvidas com os mais diversos setores da vida social, como se fossem empresas constituídas para e por meios lícitos, quando não o são.
No entanto, curioso é convir que os países não estão imunes e não criaram mecanismos seguros de combate às pessoas jurídicas encarregadas da prática de crimes, embora as legislações de diversos países prevejam sanções somente quando as mesmas estiverem envolvidas em delitos, produzindo uma série de práticas criminosas, inclusive o terrorismo, que assola a todos.
Apenas para se ter uma ideia, nas Ilhas Virgens Britânicas para uma população de 16.000 habitantes, aproximadamente, há mais de 87.000 empresas offshores ali instaladas.
Do mesmo modo, a punição no caso de trust inglês se não se conhecer os termos dos contratos ou se não se conseguir identificar os verdadeiros parceiros comerciais ou pessoas designadas, também, não se terá condições de punir severamente os reais autores dos crimes praticados quer pelas físicas quer pelas pessoas jurídicas criminosas, posto que estas sejam utilizadas pelos verdadeiros mandantes para tais fins ilícitos, sem que apareçam nas cenas criminosas.



[1] Settlor – pessoa que entrega ou transfere seus bens para terceiros gerir.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Pedido de Restituição na Falência

Do Pedido de Restituição

O conceito básico de restituição é exatamente aquele de fazer voltar ao seu proprietário aquilo que lhe pertence, tornando à situação anterior, ou volver àquele que merece estar na posse e na propriedade daquilo que lhe pertence.
E o pertencer a “alguém” pode ser das mais variadas formas e espécies, como os bens imóveis[1], mesmo aqueles que estão momentaneamente separadas do solo[2], móveis[3] ou semoventes, bens corpóreos ou bens incorpóreos, sejam eles fungíveis ou não fungíveis[4], bem como os consumíveis[5].  
A ideia principal da restituição é, portanto, fazer voltar ao status quo ante, na medida de sua possibilidade real, bens que estão em poder do devedor falido ou que foram arrecadados pelo administrador judicial, mas que não pertençam efetivamente ao falido.
Tanto a Lei 11.101, de 2005, assim como o antigo Decreto-Lei 7.661, de 1945, prevê a imediata arrecadação de bens e haveres que estejam em poder do falido, na ânsia de o administrador judicial cumprir com a determinação legal, é possível que venha a arrecadar mais do que aquilo que efetivamente deveria fazê-lo, surgindo daí a possibilidade de se instaurar o procedimento mais simples de restituição.
O objetivo da restituição é prover o verdadeiro proprietário do direito de retirar da falência bens que não pertençam ao devedor falido. Exemplo: numa certa ocasião uma empresa de máquinas para indústria de massas alimentícias faliu, sendo que houve a arrecadação de vários equipamentos para massas caseiras. Como a empresa falida além de produzir máquinas, ainda as consertava, surgiram várias nonas pedindo seus rolos de macarrão de volta.
Também ocorre a possibilidade de restituição naqueles casos em que há a quebra de uma empresa de consórcios, aonde os prestamistas vão se cotizando mês a mês para formar um ativo suficiente para a compra do bem almejado pelos grupos. Havendo a falência da empresa administradora de consórcios os membros do consórcio não concorrem na quebra como credores, mas, sim, têm direito ao recebimento dos valores dados à mesma, por meio de restituição de valores.
Entretanto, nem sempre é matéria de fácil intelecção, e, diante dos ditames da Lei 11.101⁄2005, surgem novos e intricados problemas, que tentaremos dar solução.
Antes, porém, lembremos que a situação seria mais fácil de observar e não haveria tanta discussão se os operadores do Direito lembrassem apenas que aquele que pleiteia uma restituição não quer ser parte na falência e muito menos quer ser considerado credor. Ao contrário, ele não ser parte na falência, não quer ser considerado credor e quer é, antes de tudo, sair de possível inclusão no Quadro Geral de Credores, no mais das vezes, impossível de receber alguma coisa.
Por conta disso, o restituinte deve ser pago antecipadamente, desde que tenha dinheiro na massa falida, quando não mais existir o bem, devidamente atualizado e em igualdade de condições com outros restituintes.
Nesse sentido foi editada a Súmula 307 do Superior Tribunal de Justiça que diz: “a restituição de adiantamento de contrato de câmbio, na falência, deve ser atendida antes de qualquer crédito”. E isto, a restituição em si, vale para os demais restituintes, não havendo motivo para se aguardar que algo aconteça no processo falencial. Não é essa a dinâmica e muito menos a finalidade da restituição.
Se há o bem, devolve-se ao restituinte. Se não há, avalia-se o bem, ou atualiza-se o valor do bem entregue e, tendo dinheiro na massa, paga-se diretamente ao restituinte. Repito: não credor. Restituinte!

Diz a Lei no seu artigo 85 que: “O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição”. E complementa também o seu parágrafo único: “Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se ainda não alienada”.
Dessa análise do dispositivo temos presente que o caput do art. 85 da LRE se refere ao bem que se encontrava em poder do falido no momento da arrecadação, mas que efetivamente não lhe pertence, mas sim ao terceiro, que por algum motivo deixou o bem poder do devedor. Exemplo típico: uma concessionária ou oficina mecânica que vem a falir, tendo no local dezenas de veículos dos clientes, que ali deixaram para manutenção. À toda evidência, os veículos não pertencem ao devedor, nem poderia ser arrecadado, devendo ser restituído.
Nesse caso, tem o proprietário o direito de ver sua coisa devolvida, mesmo porque dispõe o Código Civil exatamente que a propriedade garante o direito de reaver o bem que esteja injustamente na posse ou detenção de terceiros, conforme artigo 1228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Este é um direito constitucional (Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXII), facultando ao proprietário a possibilidade de usar as medidas legais para fazer retornar o bem ao seu lugar original.
 A segunda situação encontrada no parágrafo único do artigo 85 da LRE diz respeito às coisas vendidas a crédito futuro, mas já entregues ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores à decretação da falência.
É praxe comercial que os empresários vendam seus produtos a outros empresários com a promessa de pagamento futuro, advindo dessa prática um crédito para o vendedor e uma obrigação para o comprador. Da mesma forma, os produtos são alienados e entregues nos mais diversos rincões do país, sendo que a legislação nacional garante ao vendedor o direito de se ver livre do concurso de credores quando a alienação tenha se dado nas vésperas da decretação da falência, presumindo uma boa-fé negocial por parte do vendedor.
Dessa maneira, conta-se o prazo de restituição a partir da data da distribuição do pedido de falência, não da sua decretação, mesmo porque entre o pedido e a decretação da quebra podem ocorrer muitas situações processuais e práticas, como a contestação, a réplica, a designação de audiência, a produção de provas, etc.
Destarte, temos que considerar que entre a data da entrega do bem e a decretação da falência pode demandar um tempo considerável e o produto da venda ter sido utilizado pelo devedor, como sói acontecer. Exemplo: a entrega de aço para uma indústria que produz máquinas; ou a entrega de farinho de trigo para uma indústria de massas alimentícias; ou tecido para confecções, etc. Todos esses bens são consumíveis e fungíveis.
Em sendo determinada a restituição da coisa, o administrador judicial deverá devolver a mesma quantidade e qualidade, não exatamente a mesma coisa, em face da fungibilidade da coisa. Daí porque pode ocorrer de não mais existir a coisa ao tempo do deferimento da restituição, motivo pelo qual, então, proceder-se-á a devolução em dinheiro, devidamente atualizado, conforme preceitua o inciso I do artigo 86, da LRE, in verbis: Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro: I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que o requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua venda, o respectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado;
A Lei 11.101⁄2005 ampliou e bem delimitou outras espécies de restituições que poderiam ensejar – como de fato ensejaram – discussões sobre a natureza dos bens fungíveis e do que seria alvo de restituição.
A situação do inciso I é bem fácil de entender: a empresa comprou uma máquina e pagou “x”. O credor restituinte tem direito a receber a máquina de volta. Se a mesma não mais se encontra em poder do falido, terá que devolver o valor da máquina, podendo ser o “x” atualizado monetariamente ou se procede a uma avaliação da máquina que esteja em poder de terceiro e descobre-se o seu real valor.  
No artigo 86, incisos II e III há espécies de bens que devem ser bem analisados.
Pelo inciso II, do art. 86, deverá ser objeto de restituição a “importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e 4o, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente”.
As operações de exportação não são feitas em dinheiro vivo, ou simples crédito na conta corrente do comprador, como sói acontecer com os não empresários, mas passam pelo mecanismo e pela forma correta de transações internacionais, isto é, primeiro o comprador estrangeiro toma conhecimento do encaminhamento da mercadoria. Em seguida, remete os dólares às instituições brasileiras, que as converte em reais e as instituições entregam em reais para os empresários exportadores.
Apenas para constar, pelo Decreto-Lei 857⁄69 é vedada qualquer forma de negociação que não seja a moeda em curso no país.[6]
Todo esse mecanismo é previsto na Lei 4.728⁄65.
Como se percebe, entre a venda e a entrega há um hiato de tempo muito grande, podendo ocorrer que a mercadoria não seja exportada ou o comprador não efetue o pagamento dos produtos adquiridos, nascendo dai um direito.
Caso a empresa não seja falida, terá a instituição financeira o direito à ação executiva, nos termos do art. 75, § 2º da Lei 4.728⁄65. Porém, em caso de falência da empresa exportadora, a situação é prevista como restituição, na forma do art. 75, § 3º da mesma Lei 4.728⁄65.
No passado surgiu uma discussão sobre o prazo de 15 (quinze) dias para o pleito de restituição, sendo que a matéria acabou por ser pacificada nos tribunais, tendo o Superior Tribunal de Justiça editado a Súmula 133, no sentido de que “a restituição da importância adiantada, à conta de contrato de câmbio, independe de ter sido a antecipação efetuada nos quinze dias anteriores ao requerimento da concordata”. Evidentemente, o mesmo raciocínio vale tanto para a recuperação de empresas como para a falência, por óbvio.
Embora mão me pareça necessário, sempre é bom reforçar que esse crédito de antecipação cambiária deva ser atualizado na forma como previsto no inciso I do artigo 86, da LRE, mesmo porque se a atualização do bem é prevista em lei, a atualização do câmbio deve seguir o mesmo caminho. Nesse sentido já se pronunciaram os tribunais, tendo sido editada a Súmula 36: “a correção monetária integra o valor da restituição, em caso de adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência”.
E ainda, um antiguíssimo julgado do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do Ministro Barros Monteiro estabeleceu que “as restituições das importâncias adiantadas deve operar-se com a correção monetária” (REsp. 9.096-SP).
A lei falencial trata agora de outra hipótese de restituição, que não vinha muito bem delineada na legislação anterior, que é a situação daquele que contrata com uma empresa e lhe entrega valores, de boa-fé, acabando por ser o contrato considerado ineficaz ou revogado.
Dispõe o artigo 86, inciso III, a possibilidade de restituição “dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.”
Esta era uma discussão muito antiga que nos parece ter sido solucionada pela atual legislação.
Para o jurista MANOEL JUSTINO BEZERRA FILHOEste inciso III solucionou antiga discussão jurisprudencial, sobre qual seria a exata posição do terceiro de boa-fé para receber os valores que houvesse passado ao falido em decorrência do negócio que foi revogado”.[7]
Embora precisa a colocação, visando tratar o contratante do empresário que vem a falir como restituinte, não como credor da massa falida, é preciso ir mais adiante e relembrar algumas situações fáticas e necessárias.
Bem lembra SÉRGIO MOURÃO CORRÊA LIMA que “durante o período que antecede a quebra, é comum que o devedor implemente práticas ruinosas em detrimento de seus credores, por razões que vão desde a má-fé até o desepero decorrente da iminência da falência. Entretanto, tais procedimentos, muitas vezes fraudulentos, podem decorrer de estratégia do devedor, arquitetada em época bem anterior à quebra. Tais hipóteses podem e devem ensejar providências diversas como (a) a extensão da quebra a outras pessoas, físicas e jurídicas, diretamente atreladas às práticas ruinosas; (b) a desconsideração, direta e inversa, da personalidade jurídica, de forma que a falência atinja os beneficiários das práticas fraudulentas; (c) a nulidade ou anulabilidade dos atos inválidos ou viciados; (d) a revogação, mediante a declaração de ineficácia, dos atos perpetrados em prejuízo dos credores (chamada de volta, para a massa, dos bens alienados indevidamente pelo insolvente).”[8]
E o que foi dito pelo nobre doutrinador realmente é vero e a nossa experiência vivenciada por longos anos na Promotoria de Justiça, em especial a de Falências de São Paulo reafirmam tais colocações.
No mais das vezes a fraude é perpetrada muito tempo antes da ocorrência da quebra como, por exemplo, a contratação de empréstimos em dinheiro junto às instituições financeiras, com longos anos de pagamento de prestações que o empresário tem a certeza de que não conseguirá honrar seus compromissos que compromete grande parte de sua renda. E o pior, muitas vezes colhendo o bom nome de avalistas e fiadores, para dar suporte à artimanha.
O artigo 129 da Lei 11.101, de 2005 prevê uma série de situações que faz tornar ineficaz a alienação ou a criação de direitos a terceiros, que não produzem efeitos quaisquer perante a massa falida. A LRE dispõe expressamente situações que o Código de Processo Civil de 1973 previu genericamente no artigo 593 e seus incisos. A ineficácia da lei não torna o negócio nulo entre as partes, porém, garante ao administrador judicial buscar a declaração de sua total insignificância perante a massa falida. Logo, o negócio jurídico não produz efeitos perante a massa falida.
De outro lado, no artigo 130 da LRE há necessidade de se provar que o negócio jurídico existente entre o devedor e o terceiro decorre de um conluio fraudulento e que exista um prejuízo efetivo para a massa falida, mas que existe, em resumo, uma fraude bilateral, consentida e bem orquestrada pelos agentes.
 No caso da situação do artigo 129 da LRE não se perquire a intenção do contratante, ao passo que no artigo 130 e é este elemento integrante da efetiva e dolosa ação fraudulenta.
A diferença de situação é abissal, assim como o tratamento dispensado a um e a outro contratante.
Evidentemente, estando conluiados falido-contratante ambos devem ser penitenciados. Estando o contratante de boa-fé, este deve ser considerado restituinte, não credor quirografário da falência, com impossível condição de recebimento.
Dentre as várias situações ocorridas na prática temos a situação da alienação fiduciária de imóvel onde o devedor, como geralmente ocorre, deixa de pagar as prestações a que se comprometeu, motivo pelo qual tem o credor fiduciário e proprietário o direito de reaver o seu bem. A restituição pode ser promovida pelo adquirente do imóvel, desde que não tenha residido no mesmo, como vinham decidindo alguns tribunais brasileiros e mais recentemente decidiu o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp. 1211323, da 4ª Turma.   
Uma realidade cada vez maior é aquela que se opera nos seio de algumas grandes empresas nacionais, onde os presidentes das sociedades anônimas ou proprietários de grandes empresas, mantem contrato com administradores de empresas profissionais e deles se utilizam, mercê de seus vastos conhecimentos no mercado financeiro, para a obtenção de dividendos para as empresas. Neste caso, muitas vezes os administradores profissionais de empresas utilizam todo o prestígio e capacidade de convencimento adquiridos ao longo de anos de muito trabalho para obterem dos agentes financeiros condições favoráveis para as empresas.
Dentre as situações que nos deparamos na Promotoria de Justiça de Falências de São Paulo está aquela em são exigidos desses profissionais e de outros membros da diretoria de grandes empresas que os empréstimos das instituições financeiras sejam fornecidos mediante os avais desses, ou, pelo menos, a condição de fiadores dos empréstimos bancários.
Como se percebe e na visão de CORRÊA-LIMA, a forma clandestina de agir do devedor é premeditada e muitas vezes antecipada com algum tempo, para somente depois de certo tempo demonstrar que o golpe já tinha sido arquitetado há muito tempo...
No mais das vezes, os fiadores e avalistas estão na mais absoluta boa-fé negocial, ou, como sói acontecer, sem a menor possibilidade de discutir as cláusulas contratuais com seus empregadores, sendo exigido dos mesmos que aponham suas assinaturas nos contratos, como garantes, sob pena de medidas drásticas. Em outras oportunidades, são vários os contratos pequenos que são entabulados, sendo pagos normalmente, até o momento do grand finale!
Voltemos ao disposto no inciso III, do artigo 86, da Lei 11.101: é possível a restituição dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé, na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato.
Portanto, são três situações que devem estar devidamente demonstradas e provadas:
1ª - que houve valores entregues ao devedor: isto não quer dizer, naturalmente que os valores sejam entregues diretamente ao devedor, mas também, para pagar a instituição que com ele negociou, como no caso de obrigações inadimplidas pelo devedor, levando de roldão a boa fama e a moral do avalista e⁄ou fiador, que estava de boa-fé, imbuído do propósito de auxiliar; o valor entregue não precisa ser necessariamente, destinado ao devedor, mas, também, para o fim de quitar obrigações do devedor. Ao avalista e fiador não resta grandes alternativas a não ser pagar, sob pena de perder bens e direitos. Além disso, em caso de execução contra o avalista a única alternativa é o retorno contra a massa falida, mesmo porque nada fez para auxiliar na quebra.
2ª – que o contratante que entrega dinheiro ao devedor esteja de boa-fé: eis que este é o elemento preponderante da vontade de contratar daquele que entrega o dinheiro ao devedor, ou para saldar as dívidas deste. Evidentemente, não se aplica à hipótese que nos afigura a situação do próprio falido, pessoa física, afiançar ou avalizar as dívidas contraídas pela pessoa jurídica, e, no caso de uma execução alcançar os bens particulares buscar a restituição dos valores pagos na falência. Isso é inadmissível, sob pena de inversão total do sentido de boa-fé. A hipótese que levantamos é aquela em que o avalista ou fiador não pertença à empresa, não tenha qualquer relação com o devedor, não seja membro de sua família, não possua outra condição senão aquela de ser terceiro.
3ª – que o contrato seja revogado ou declarado ineficaz. Embora as situações sejam díspares, a presunção é de que um contrato pode ser declarado revogado pelos vícios que nele contém tecnicamente observado, mas, também, declarado judicialmente nulo. Também viceja a situação do contrato ser revogado pelo seu inadimplemento, como é o caso da falta de pagamento das prestações ajustadas anteriormente. Nessas condições, o devedor falido deixa de quitar as prestações, sendo que o avalista ou fiador é chamado para o adimplemento das obrigações, inclusive forçosamente, por meio de execução de seus bens particulares. Desse modo, possui ele a obrigação decorrente do contrato de quitar as parcelas ajustadas, sob pena de ver seus bens excutidos judicialmente.
Quanto à declaração de ineficácia do contrato se vê claramente que se ajustam às hipóteses do artigo 129 da LRE, oportunidade em que não se discute o animus do contratante, no momento da declaração de ineficácia, mas, sim, deverá ser resolvido no momento do pedido de restituição, observando todos os elementos de anulação e revogação dos atos jurídicos, cujas provas são imprescindíveis.
Pelo parágrafo único do citado artigo 86, da LRE: “As restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas após o pagamento previsto no art. 151 desta Lei”, que diz respeito aos credores “super-extra-concursais” como certa ocasião se referiu o então Promotor de Falências, Alberto Camiña Moreira, em uma palestra na FIESP-CIESP, pois seriam os credores trabalhistas que ficaram até os últimos tempos na empresa falida e, portanto, com preferência sobre todos os créditos da falência.
Sobre os aspectos práticos da restituição, dispõe o art. 87: “O pedido de restituição deverá ser fundamentado e descreverá a coisa reclamada.” Ou seja, o pedido tem que ser certo, claro, de fácil cognição, onde o restituinte deverá ser explícito no pedido, indicando pormenorizadamente qual é o objeto, valor ou produto que pretende ver restituído.
Estando em termos o pedido, nos termos do art. 87, § 1oO juiz mandará autuar em separado o requerimento com os documentos que o instruírem e determinará a intimação do falido, do Comitê, dos credores e do administrador judicial para que, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, se manifestem, valendo como contestação a manifestação contrária à restituição.”
De clareza palmar que sendo contestado o pedido, nos termos do art. 87, § 2o há que se abrir a possibilidade de produção de provas porventura requeridas, quando então o juiz designará audiência de instrução e julgamento, se necessária. E, pelo § 3o: “Não havendo provas a realizar, os autos serão conclusos para sentença”.
Evidentemente, deve ser colhida a manifestação do Ministério Público, antes da sentença, mesmo porque tem ele a obrigação de atuar em todos os processos de interesse da massa falida e, principalmente em caso como o de restituição, que poderá retirar da massa falida quantia ou bem considerável.
Pelo disposto no art. 88 da LRE se a “sentença que reconhecer o direito do requerente determinará a entrega da coisa no prazo de 48 (quarenta e oito) horas”. Pelo parágrafo único do mesmo artigo 88 da LRE: “Caso não haja contestação, a massa não será condenada ao pagamento de honorários advocatícios”.
A contrario sensu, em havendo contestação ao direito do restituinte pela massa falida esta deverá ser condenada ao pagamento de verba sucumbencial, mesmo porque, em face da pretensão resistida, nasce o processo contraditório e, por decorrência natural dessa situação, a verba de sucumbência é devida.
O art. 89 da LRE estabelece que no caso de o juiz negar a restituição, quando for o caso, poderá incluir o requerente no quadro-geral de credores, na classificação que lhe couber, na forma desta Lei.
A lei deixou bem claro que é preciso que o requerente da restituição preencha todos os requisitos legais de uma possível habilitação de crédito e, dessa maneira, é obrigatório que demonstre todos os requisitos da habilitação de crédito, previstos no artigo 9º da LRE, dentre os quais e, principalmente, a origem do crédito.
Qualquer uma das partes, credores e o Ministério Público podem interpor apelação da sentença que julgar o pedido de restituição, seja deferindo ou indeferindo o pedido, na hipótese em que a apelação será recebida sem efeito suspensivo, na forma do artigo 90 da LRE.
Pelo parágrafo único do artigo 90, da LRE: “o autor do pedido de restituição que pretender receber o bem ou a quantia reclamada antes do trânsito em julgado da sentença prestará caução”. Embora a lei não diga, é óbvio e salutar que a caução seja prestada em bem ou valor compatível com aquele que pretende restituir ou levantar, não sendo crível que não seja essa a ideia do legislador.
Em não prestando caução ou não tendo condições suficientes para isso, nos termos do art. 91 da LRE, o “pedido de restituição suspende a disponibilidade da coisa até o trânsito em julgado”. A razão de ser dessa disposição legal está no fato de que o bem ou valor objeto da restituição encontra-se indisponível para qualquer outro credor ou para rateio, não sendo possível dar aos mesmos destinação adequada, como a venda em leilão, antes que se solva o problema primeiro: a titularidade do bem ou valor.
Em havendo concurso de restituições, ou seja, comparecendo mais de um restituinte e não existindo saldo suficiente para o pagamento integral de todos os restituintes, devidamente corrigidos, não resta outra alternativa na legislação falencial a não o de pagar os restituintes por meio de rateio, como prevê o parágrafo único do artigo 91 da LRE: “Quando diversos requerentes houverem de ser satisfeitos em dinheiro e não existir saldo suficiente para o pagamento integral, far-se-á rateio proporcional entre eles”.
De outro lado, pode acontecer (e deveras acontece) que a massa falida tenha que suportar os ônus da manutenção do bem até solução final sobre a propriedade do bem arrecadado. Se a massa falida foi obrigada a garantir a segurança do bem, pagando despesas para sua preservação é óbvio que o restituinte fica obrigado a ressarcir tais despesas, mesmo porque a massa cuidou da sua propriedade por um determinado período de tempo. Assim, pelo art. 92 da LRE fica o restituinte “que tiver obtido êxito no seu pedido ressarcirá a massa falida ou a quem tiver suportado as despesas de conservação da coisa reclamada”.
Outra questão que reclama bastante atenção dos doutrinadores e da jurisprudência é a possibilidade de restituição de valores a favor dos órgãos públicos, notadamente quando se trata de contribuição previdenciária ou impostos que o devedor já tenha anteriormente descontado dos funcionários ou adquirentes de bens e produtos e que deveriam ter sido repassados para os cofres públicos, mas não o foram.
Sabidamente a contribuição previdenciária pertence ao INSS e como tal é obrigação natural do empregador descontar o valor do empregado e repassá-lo dentro do prazo legal ao INSS. E seu crédito é muito mais que privilegiado, mas, sim, restituído ao INSS, antes de qualquer outro pagamento na falência, sendo esta matéria densamente decidida a favor da União – que atua como cobrador universal do INSS – não havendo divergência sobre isso, inclusive alvo da Súmula 417 do Supremo Tribunal Federal: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.
Entretanto, mister que se faça uma decomposição da referida Súmula eis que está ela a exigir algo mais do que a simples devolução: a exigência de dinheiro em poder do falido.
A questão que mais atormenta dos processos falenciais é exatamente este. Havia dinheiro em poder do falido no momento da quebra? Se sim, devolve-se imediatamente o quantum reclamado. Se não, não. É o caso de improcedência da restituição, pois se não havia dinheiro para se devolver, não se pode exigir o sacrifício de todos os credores com a venda dos bens da massa falida para satisfazer primeiramente a União, a qual, gize-se, sempre possui a desídia ao seu lado no momento de cobrar débitos tributários e se mostra com apetite voraz no momento em que pleiteia a restituição.
Mais, ao pleitear a restituição deve a União, obrigatoriamente, descrever exatamente esse ponto nevrálgico da questão, pois exige a lei falencial a descrição pormenorizadamente do que pretende ver-se restituído.
Assim, julgamos totalmente necessário e indispensável, sob pena de indeferimento da petição inicial da União, a descrição dos valores a ser restituídos e qual é a origem dessa pretensão, pois a lei falencial exige, sempre e sempre, a descrição da origem do crédito, nos termos do art. 9º, inciso II, da LRE.
Esse também é o pensamento de SÉRGIO MOURÃO CORRÊA LIMA ao afirmar: “...diversamente do que ocorre no âmbito das execuções fiscais, os pedidos de restituição manejados pelo INSS não podem ser instruídos apenas com certidão da dívida ativa,porque o art. 87 da Lei de Falências, tal como o art. 77 do Decreto-Lei 7.661⁄45, estabelece que o requerimento ‘será fundamentado e descreverá a coisa reclamada’. Portanto, incumbe ao INSS no pedido de restituição apontar os valores que não lhe foram repassados, identificar o montante pertinente a cada um dos empregados e instruí-lo com prova documental adequada”.[9]
Destarte, impossível que o INSS – como sói acontecer – faça apenas a prova de sua condição de credor, com a Certidão de Dívida Ativa apenas, para que obtenha êxito em pretensão muito mais severa que a habilitação de crédito, pois teria muito mais preferência que qualquer outro credor, por muito mais privilegiado que o fosse, eis que o INSS teria o direito a restituição.
Em se tratando de falência de instituições financeiras e similares já se consagrou tanto na doutrina como na jurisprudência que os depósitos dos correntistas, latu sensu, não pertence à mesma, devendo ser objeto de restituição dos valores encontrados em poder das mesmas, não se podendo afirmar que sejam valores exclusivos dos bancos.
A prova dos depósitos bancários demonstra a boa-fé dos contratantes com a instituição financeira, não podendo os correntistas ser penalizados pelas manobras dos falidos, e, muito menos, ficarem à mercê das arrecadações dos valores que estão em poder dos bancos por força de contratos.
Desse modo, em sendo demonstrado o depósito bancário é de ser deferida a restituição a favor do restituinte.
Da mesma forma, quando se tratar de falência de agências de consórcio, mesmo porque consorciado entrega valores às mesmas, a fim de receber um bem futuro, que também não pertence à agência de consórcio, como costuma acontecer, mas a terceiro. A agência de consórcio apenas administra os recursos recebidos, mediante recebimento de uma taxa, formando grupos interessados no bem. Assim, os valores encontrados em poder das agências de consórcio são de propriedade dos consorciados e não daquelas, motivo pelo qual devem ser restituídos in integrum aos mesmos.
Acaso algum consorciado já tenha recebido o bem objeto do consórcio é claro que o mesmo será devedor da massa falida e não credor, nem muito menos restituinte.
Também se dará a restituição do dinheiro que for arrecadado nas falências dos chamados fundos de investimentos e fundos de previdência complementar, mesmo porque tais entidades, em realidade, existem apenas para gerir valores de terceiros investidores ou poupadores, que preferem tais formas de assegurar uma rentabilidade maior, ou mais segura, que as previdências governamentais ou fundos tidos como normais.
Evidentemente, o risco dos investidores é muito maior e a falência de tais entidades gera um grave dano aqueles que pensam em resgatar os valores dentro de determinados períodos de tempo previamente acordados.
A quebra de tais entidades e a arrecadação dos valores neles encontrados à toda evidência não lhes pertence, mas, sim, aos seus investidores, mesmo porque os fundos de investimentos e os fundos de previdência privada trabalham diretamente com o dinheiro alheio, recebendo-os para investimentos e, no momento da quebra, deverão ser restituídos seus respectivos investidores.
A questão dos créditos decorrentes de securitização de créditos ou como costumeiramente são chamados operações financeiras de crédito possuem as mesmas características dos contratos de alienação fiduciária, mas que são particularizados na Lei 9.138, de 1995, ficando os devedores com encargos diante da União, que assume a condição de pagador dos débitos dos valores devidos por produtores rurais, perante as instituições financeiras.
Logo, na medida em que a União banca os débitos dos produtores rurais há a amortização destes frente às instituições financeiras. Entretanto, é comum a cobrança dos valores dos produtores rurais pelas instituições financeiras e seu repasse à União, que é, em última análise, a titular dos direitos creditórios que foram adquiridos em face da securitização.
No caso de quebra destas cessa-se o repasse da União e os produtores rurais hão de verificar suas condições pessoais diante da securitização dos créditos. Porém, no caso de arrecadação dos valores das instituições financeiras devem ser restituídos aos produtores rurais, que são os proprietários desses valores, posto que deveriam ser repassados à União.
Uma observação a ser feita na falência é aquela que o administrador judicial deve verificar exatamente o quantum já foi pago pelo mutuário a fim de tomar atitudes processuais e que importem em exoneração da massa falida de débitos perante a União.
Finalmente, não sendo o caso de restituição nas hipóteses específicas dos artigos 85 e 86 da LRE só resta ao interessado propor embargos de terceiro, na forma prevista na legislação processual civil, conforme se vê do art. 93 da LRE: “Nos casos em que não couber pedido de restituição, fica resguardado o direito dos credores de propor embargos de terceiros, observada a legislação processual civil”.



[1] Código Civil:
Art. 79 – são bens imóveis o solo e tudo o quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II – o direito à sucessão aberta.
[2] Código Civil:
Art. 81 – Não perdem o caráter de imóveis:
I – as edificações que, separadas do solo, mas conversando a sua unidade, forem removidos para outro local;
II – os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
[3] Código Civil:
Art. 82 – são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substancia ou da destinação econômico-social.
Art. 83 – Consideram-se móveis para os efeitos legais:
I – as energias que tenham valor econômico;
II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;
III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
Art. 84 – Os materiais destinados  alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.
[4] Código Civil:
Art. 85 – São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.
[5] Código Civil:
Art. 86 – São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação. 
[6] Decreto-Lei 857⁄69: Art. 1º São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que exequíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro”. N.A.: atualmente, real.
[7] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, 3ª ed., p. 221.
[8] CORREA-LIMA, Osmar Brina e Sergio Mourão Corrêa Lima – Comentários à nova lei de falência e recuperação de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 591-592.
[9] CORREA-LIMA, Osmar Brina e Sergio Mourão Corrêa Lima – Comentários à nova lei de falência e recuperação de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 600.
CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

A Lei 9.514/97, de 20 de novembro de 1997 regulamentou o financiamento de imóveis e instituiu a alienação fiduciária sobre coisas móveis, criando também títulos de crédito recebíveis, tudo isso como forma de girar a economia.
Nos contratos de alienação fiduciária previstos na Lei 9.514 estão previstas diversas formas de retomada do bem alienado de maneira muito mais rápida e prática, principalmente porque prevê a possibilidade de execução extrajudicial, o que veio a favorecer em muito o fornecedor do bem, assim como aquele que financia o produto, eis que a falta de pagamento importa numa execução muito mais célere do que aquela prevista no Código de Processo Civil.
Dessa maneira, criou-se a ideia de que a retomada do bem dado em garantia tornaria ao status quo ante de uma maneira mais rápida, por vias extrajudiciais, o que de certo modo permitiu que a economia ganhasse condições de melhor fomentar o comércio de bens duráveis e imóveis, o que realmente ocorreu.
A alienação fiduciária pode ser instituída tanto por físicas como por pessoas jurídicas, conforme art. 22 § 1o da Lei 9.514/97[1], que foi alterado pela Lei 11.481, de 2007, deixando bem claro que a alienação fiduciária não é privativo das entidades que operam no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).
Também não se exige escritura pública nos contatos de alienação fiduciária previstos nesta lei, conforme disposto no art. 38, pois o contrato particular possui os efeitos de escritura pública, o que isenta as partes de mais um gasto desnecessário[2].
E o Conselho Monetário Nacional (CMN) pode regulamentar dispositivos da Lei 9.514/97, adaptando-a quando necessária.
Embora existente há muito tempo no direito brasileiro foi através do art. 22 da Lei 9.514/97 que se criou uma definição jurídica específica do que seja alienação fiduciária, ou seja: "é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciária, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel", sendo que pela Lei 11.481/2007 ficou definido qual é o objeto específico do negócio jurídico: bens enfitêuticos, direito de uso especial para fins de moradia, direito real de uso e propriedade superficiária, todas elas bem entendidas na forma do Código Civil.
Em realidade, há diversos tipos de garantias de que os pagamentos serão realizados podem se constituir em hipoteca, cessão fiduciária de direitos creditórios de contratos de alienação fiduciária de imóveis, caução de direitos creditórios ou aquisição decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis ou alienação fiduciária de coisa imóvel, nos termos do art. 17 [3]da Lei 9.514/97[4].
O contrato de cessão fiduciária faz com que a titularidade dos créditos cedidos fiquem em nome do credor hipotecário, além o preenchimento de outros elementos a serem suficientemente inscritos, na forma art. 18[5], da Lei 9.514/97, da mesma forma que cria obrigações ao credor fiduciário, na forma do art. 19 da mesma legislação[6], além do registro junto ao Registro de Imóveis da localização do imóvel, conforme art. 23[7] da Lei 9.514/97.
É possível e o credor fiduciário e o fiduciante negociem suas obrigações, cedendo suas obrigações a terceiros.
Porém, seguem caminhos distintos e obrigações específicas.
Ao credor fiduciário não há obrigações outras, a não ser a de comunicar ao fiduciário a transferência, inclusive para que os pagamentos do débito lhe sejam feitos diretamente, nos termos do art. 28 da Lei 9.514/97[8]. Se não houver comunicação cabal, com ciência inequívoca do devedor, não poderá ser constituído em mora, eis que pagou aquele com quem negociou.
Além disso, é obrigado a atestar a situação real da dívida, conforme Lei 12.810, de 2013. Que incluiu os artigos 33-A, 33-B, 33-C, 33-D, 33-E e 33-F.[9]
De outro lado, o devedor fiduciante só pode transferir o objeto do contrato com a anuência expressa do fiduciário, nos termos do art. 29 da Lei 9.514/97[10]. Este dispositivo legal tentou evitar os chamados contratos de gaveta que pulularam no Brasil durante décadas e acabou por se tornar um verdadeiro ponto de discórdia nos tribunais sobre sua validade. Embora não sejam nulos, nos parece que a transferência pura e simples do devedor para terceiro, sem a anuência do credor fiduciário torna-o ineficaz perante o mesmo, podendo este, em caso de mora, mover a ação diretamente contra o anterior fiduciante, sem se preocupar com as possíveis demandas envolvendo os contratantes de gaveta, os quais somente poderão ter ações entre si, diante dos riscos da evicção. No entanto, entre ambos há que se discutir a torpeza bilateral na confecção do contrato, o que não deixa de ser sintomática na adoção de uma solução para a  contenda.
Por imperativo legal não é necessário um título negocial específico, posto que o próprio contrato, que preencha todos os requisitos do art. 24 da Lei 9.514/97 já supre, em parte, tal obrigatoriedade[11]. Digo em parte eis que é necessária a planilha de pagamentos e não pagamentos realizados pelo fiduciante, a fim de que se possa saber exatamente o total do débito em atraso, para o caso de purgação da mora, como veremos adiante.
O contrato de alienação fiduciária se resolve pelo pagamento do débito integral, quando então deverá o credor fiduciário dar ao fiduciante o respectivo termo de quitação, para baixa junto ao Registro de Imóveis, na forma do art. 25 da Lei 9.514/97[12]. Se não o fizer, poderá sofrer ação de obrigação de fazer, cumulada com as perdas e danos pelo atraso e eventuais problemas financeiros causados ao fiduciante.
Também não pode exigir contraprestações para a emissão do termo de quitação, como sói acontecer com os agentes fiduciários, esbarrando a cobrança indevida no Código de Defesa do Consumidor, assim como no próprio Código Civil, mesmo porque todos aqueles que pagam têm direito ao recibo e eventual cobrança de taxas ou serviços são totalmente indevidos e ilegais. No mais das vezes, consumidores costumam pagar os valores cobrados para se poder liberar o bem dos ônus imposto no ato da compra fiduciária. No entanto, todo aquele que cobra a taxa indevida é obrigado a restituir o valor cobrado, devendo se resolver a situação em perdas e danos.  
O problema da retomada do imóvel fiduciário se dá a partir do não pagamento do débito, quando então se instalará a execução extrajudicial, na forma prevista no art. 26 da Lei 9.514/97, a começar pela constituição em mora, mediante notificação do fiduciante, através do Cartório de Registro de Imóveis, com o prazo de 15 (quinze) dias para solvência, com todos os encargos, sob pena de retomada do imóvel[13].
Importantíssima regra de fixação do termo a quo de constituição em mora e, principalmente, de fixação do termo ad quem dos pagamentos efetivamente efetuados pelos fiduciante por vezes é negligenciada pela doutrina, como se fosse um ato menor.
Ao contrário, a intimação do fiduciante é de extrema importância, a ponto de se tornar nula de pleno direito qualquer outra forma de notificação do fiduciante para a sua constituição em mora.
Ora, como a lei exige a notificação do fiduciante, não há como se esquivar dessa norma cogente, de obrigação intransponível! A regra é claro: tem que ser notificado o fiduciante, pelo credor fiduciário, através do Cartório de Registro de Imóveis.
A notificação em mora passa a ser o ponto primordial para que se inicie a execução extrajudicial. Sem a notificação está totalmente nulo qualquer procedimento expropriatóri extrajudicial, não podendo o credor fiduciante exigir que o Cartório transfira o imóvel para seu nome, eis que nula a notificação.
Se a notificação não chegar ao fiduciante não há que se falar em constituição em mora, sendo que quaisquer outros procedimentos de expropriação do imóvel totalmente nulos, devendo ser declarado pelo juiz que conhecer do caso.
Assim, se João e Maria assinaram o pacto hipotecário, tornando-se devedores fiduciários, colocando o imóvel deles em garantia não podem ser citados os filhos de João e Maria, Pedro e Paulo. Parece óbvio o que estou dizendo, porém, a prática nos mostra que é cada vez maior a negligência dos credores fiduciários em relação à notificação dos fiduciantes.
Outra questão que muitas vezes não é observada é aquela em que os fiduciantes fazem novas garantias perante os credores fiduciários, envolvendo o reforço de garantia ou a constituição de outras. Se se incluírem novos devedores fiduciantes não supre a notificação, para a constituição em mora, somente destes novos fiduciantes, eis que os originalmente também devem ser, obrigatoriamente, notificados dessa mora. Exemplo: João e Maria fazem o primeiro contrato, tornando-se devedores fiduciantes. Posteriormente, os filhos de João e Maria, Paulo e Pedro comparecem perante o credor fiduciário e se apresentam como novos devedores, oferecendo novas garantias, sem exclusão de João e Maria, evidentemente o credor fiduciário terá que notificar os quatro devedores, um a um, para que a notificação em mora seja válida e a execução prossiga.
Se são dois, três, quinze, vinte fiduciantes, todos eles têm que ser intimados, pessoalmente, sob pena de nulidade absoluta do procedimento.
O prazo para carência é variável de acordo com o contrato que estipular a fidúcia.
A lei determina a intimação pessoal do devedor fiduciário, não se admitindo outra forma, conforme previsto no § 3o. Do art. 26 da Lei 9.514/97. E, não sendo encontrado o devedor fiduciário a intimação far-se-á por edital, com o prazo de três (3) dias, sendo que a lei instituiu a obrigatoriedade de serem publicados os éditos pelo menos, em jornal de ampla circulação e noutro de comarca de fácil acesso, acaso no local não tenha imprensa diária. Pela própria lei se estabelece que o prazo começa a fluir a partir da última publicação.
Em não havendo quintação o oficial do Registro de Imóveis já inscreve a dívida perante a matrícula do imóvel.
Se preferir, o fiduciante pode entregar seu imóvel em troca da quitação da dívida, mas, nesse caso, necessita da anuência do fiduciário, conforme art. 26, § 8o. da Lei 9.514/97[14]. Na verdade esse é o momento menos desejado pelo fiduciante, pois é quando se declara insolvente e sem condições de continuar a quitar o imóvel objeto de seu desejo. Porém, não há o que se fazer, mesmo porque do outro lado da linha há o fiduciário vendedor que também necessita receber pela venda do imóvel que financiou...
Não havendo pagamento ou não sendo entregue o imóvel, o credor fiduciário poderá promover o leilão do imóvel, no prazo de trinta (30) dias, sendo que esse leilão será extrajudicial, contratado diretamente pelo credor fiduciário junto aos leiloeiros oficiais inscritos na Junta Comercial, conforme art. 27, da Lei 9.514/97[15].
Seguindo a sistemática do Código de Processo Civil, o primeiro leilão somente se dará pelo preço total do valor do imóvel ao passo que o segundo pelo maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, acrescida das despesas, custas, encargos legais, prêmio do seguro, tributos e contribuições condominiais, na forma do art. 27, §§ 1o, 2o. e 3o. da Lei 9.514/97.[16]
Na hipótese em que o imóvel tenha valor maior ao que é devido pelo fiduciante, é obrigatória a devolução do restante do pagamento do débito ao mesmo[17].
Também foi prevista a hipótese da quitação integral do preço, quando o imóvel for vendido em segundo leilão, na forma dos parágrafos 5º e 6º do art. 27 da Lei 9.514, de 1997.[18]
Outras duas questões que sempre atormentaram os tribunais diziam respeito ao pagamento das despesas propter rem dos imóveis e possíveis locações a terceiros. Tais situações também foram previstas na Lei 9.514, de 1997, especificamente nos parágrafos 7º e 8º do art. 27, confirmando que a locação será rescindida, mediante a notificação dos locatários no ato da constituição da mora e que todas as despesas que recaem sobre o imóvel serão computadas para fins de arrematação.[19]
Tal maneira de pensar do legislador nos faz refletir para a maneira mais cômoda e rápida de solucionar problemas que poderiam – e efetivamente levavam – anos para se resolver no Poder Judiciário, com centenas de embargos por retenção de benfeitorias, além de outras centenas de demandas relacionadas com as locações e sublocações existentes, o que invariavelmente afastavam os potenciais compradores, em razão dos entraves que possivelmente adviriam com a eventual compra de unidade habitada.
Interessante anotar que o valor do imóvel não foi cogitado na legislação extravagante, o que é de um problema de grandes proporções, motivo pelo qual poderá o fiduciante propor medidas judiciais necessárias para preservar o patrimônio que acrescentou ao imóvel, além dos valores que fez com que o imóvel efetivamente tenha se valorizado, não sendo possível que o fiduciário obtenha vantagem indevida em prejuízo do fiduciante em mora.
Como sói acontecer, os fiduciantes adquirem os imóveis "crus" - normalmente imóveis adquiridos "na planta" e depois tornam os mesmos habitáveis, com a colocação de tudo o que não foi contratado, como piso, azulejos, móveis e utensílios necessários, como pias, gabinetes, torneiras, etc., os quais se incorporam definitivamente nos imóveis.
Porém, por um cochilo legislativo - ou até mesmo desídia proposital - não se incluiu nenhuma norma legislativa a favor do fiduciante, o qual, necessariamente, terá que recorrer ao Poder Judiciário para fazer valer o seu direito sobre a retenção do imóvel.
Na hipótese de não pagamento do débito, a alienação fiduciária se resolve com o pedido de reintegração de posse, para a desocupação do imóvel pelo prazo de sessenta (60) dias, conforme art. 30 da Lei 9.514/97[20].
Uma questão que atormentou durante muito tempo os tribunais brasileiro, nos parece, chegou ao fim, agora, com uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do REsp. 1211323, da 4ª Turma, nestes termos:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESOLUÇÃO. DENÚNCIA PELO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA INSUPORTABILIDADE NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO PARCIAL DOS VALORES PAGOS. TAXA DE OCUPAÇÃO DEVIDA POR TODO O PERÍODO DE POSSE SOBRE O IMÓVEL. ENTENDIMENTO ADOTADO PARA EVITAR O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO COMPRADOR. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O entendimento firmado no âmbito da Segunda Seção é no sentido de ser possível a resolução do compromisso de compra e venda, por parte do promissário comprador, quando se lhe afigurar economicamente insuportável o adimplemento contratual.
2. Ocorrendo a resolução do compromisso por culpa do promissário comprador, este deverá ser ressarcido parcialmente sobre o valor pago.
3. No caso em julgamento, considerando suas peculiaridades, a taxa de ocupação deve incidir desde o início da permanência no imóvel até sua efetiva devolução, tendo em vista a necessidade de não gerar enriquecimento sem causa por parte do promissário comprador.
4. Na hipótese de resolução contratual do compromisso de compra e venda por desistência dos adquirentes, em que postulada, pelos autores, a restituição das parcelas pagas de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros moratórios serão computados a partir do trânsito em julgado da decisão.
5. Recurso especial provido.
QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por votação unânime.

Por expressa determinação legal, previsto no art. 31 da Lei 9.514/97 aquele que pagar a dívida do devedor fica subrogado no direito do credor, sendo que não seria necessária tal disposição, mas desejou o legislador deixar bem clara tal situação[21].
Finalmente, quando se tratar de devedor insolvente, ficará assegurará ao fiduciário o direito de restituição do imóvel. Porém, não se esclarece se a insolvência seja a moratória, que poderá importar na recuperação da empresa ou a falência, hipótese em que deverá ser chamado o administrador judicial da quebra para resolver a pendência, eis que os contratos do falido não se resolvem, devendo ser ele notificado para verificar a possibilidade ou não de cumprir o contrato ou devedor o imóvel, nos termos da Lei 11.101/2005, art. 117[22].





[1] Art. 22. § 1o  A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:  
I - bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;
II - o direito de uso especial para fins de moradia;
III - o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;
IV - a propriedade superficiária.
§ 2o  Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos III e IV do § 1o deste artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado.
[2] Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.
[3]
[4] Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garantidas por:
I - hipoteca;
II - cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis;
III - caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis;
IV - alienação fiduciária de coisa imóvel.
§ 1º As garantias a que se referem os incisos II, III e IV deste artigo constituem direito real sobre os respectivos objetos.
§ 2º Aplicam-se à caução dos direitos creditórios a que se refere o inciso III deste artigo as disposições dos arts. 789 a 795 do Código Civil.
§ 3º As operações do SFI que envolvam locação poderão ser garantidas suplementarmente por anticrese.
[5] Art. 18. O contrato de cessão fiduciária em garantia opera a transferência ao credor da titularidade dos créditos cedidos, até a liquidação da dívida garantida, e conterá, além de outros elementos, os seguintes:
I - o total da dívida ou sua estimativa;
II - o local, a data e a forma de pagamento;
III - a taxa de juros;
IV - a identificação dos direitos creditórios objeto da cessão fiduciária.
[6] Art. 19. Ao credor fiduciário compete o direito de:
I - conservar e recuperar a posse dos títulos representativos dos créditos cedidos, contra qualquer detentor, inclusive o próprio cedente;
II - promover a intimação dos devedores que não paguem ao cedente, enquanto durar a cessão fiduciária;
III - usar das ações, recursos e execuções, judiciais e extrajudiciais, para receber os créditos cedidos e exercer os demais direitos conferidos ao cedente no contrato de alienação do imóvel;
IV - receber diretamente dos devedores os créditos cedidos fiduciariamente.
§ 1º As importâncias recebidas na forma do inciso IV deste artigo, depois de deduzidas as despesas de cobrança e de administração, serão creditadas ao devedor cedente, na operação objeto da cessão fiduciária, até final liquidação da dívida e encargos, responsabilizando-se o credor fiduciário perante o cedente, como depositário, pelo que receber além do que este lhe devia.
§ 2º Se as importâncias recebidas, a que se refere o parágrafo anterior, não bastarem para o pagamento integral da dívida e seus encargos, bem como das despesas de cobrança e de administração daqueles créditos, o devedor continuará obrigado a resgatar o saldo remanescente nas condições convencionadas no contrato.
[7] Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.
Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

[8] Art. 28. A cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implicará a transferência, ao cessionário, de todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia.

[9] Art. 33-A.  A transferência de dívida de financiamento imobiliário com garantia real, de um credor para outro, inclusive sob a forma de sub-rogação, obriga o credor original a emitir documento que ateste, para todos os fins de direito, inclusive para efeito de averbação, a validade da transferência.
Parágrafo único.  A emissão do documento será feita no prazo máximo de 2 (dois) dias úteis após a quitação da dívida original.
Art. 33-B.  Para fins de efetivação do disposto no art. 33-A, a nova instituição credora deverá informar à instituição credora original, por documento escrito ou, quando solicitado, eletrônico, as condições de financiamento oferecidas ao mutuário, inclusive as seguintes:
I - a taxa de juros do financiamento;        
 II - o custo efetivo total;       
III - o prazo da operação;    
 IV - o sistema de pagamento utilizado; e 
V - o valor das prestações. 
§ 1o  A instituição credora original terá prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis, contados do recebimento das informações de que trata o caput, para solicitar à instituição proponente da transferência o envio dos recursos necessários para efetivar a transferência. 
§ 2o  O mutuário da instituição credora original poderá, a qualquer tempo, enquanto não encaminhada a solicitação de envio dos recursos necessários para efetivar a transferência de que trata o § 1o, decidir pela não efetivação da transferência, sendo vedada a cobrança de qualquer tipo de ônus ou custa por parte das instituições envolvidas. 
§ 3o  A eventual desistência do mutuário deverá ser informada à instituição credora original, que terá até 2 (dois) dias úteis para transmiti-la à instituição proponente da transferência.    
Art. 33-C.  O credor original deverá fornecer a terceiros, sempre que formalmente solicitado pelo mutuário, as informações sobre o crédito que se fizerem necessárias para viabilizar a transferência referida no art. 33-A.
Parágrafo único.  O credor original não poderá realizar ações que impeçam, limitem ou dificultem o fornecimento das informações requeridas na forma do caput.
Art. 33-D.  A instituição credora original poderá exigir ressarcimento financeiro pelo custo de originação da operação de crédito, o qual não poderá ser repassado ao mutuário.    
§ 1o  O ressarcimento disposto no caput deverá ser proporcional ao valor do saldo devedor apurado à época da transferência e decrescente com o decurso de prazo desde a assinatura do contrato, cabendo sua liquidação à instituição proponente da transferência.
§ 2o  O Conselho Monetário Nacional disciplinará o disposto neste artigo, podendo inclusive limitar o ressarcimento considerando o tipo de operação de crédito ou o prazo decorrido desde a assinatura do contrato de crédito com a instituição credora original até o momento da transferência.
Art. 33-E.  O Conselho Monetário Nacional e o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, no âmbito de suas respectivas competências, expedirão as instruções que se fizerem necessárias à execução do disposto no parágrafo único do art. 31 e nos arts. 33-A a 33-D desta Lei.
 Art. 33-F.  O disposto nos arts. 33-A a 33-E desta Lei não se aplica às operações de transferência de dívida decorrentes de cessão de crédito entre entidades que compõem o Sistema Financeiro da Habitação, desde que a citada transferência independa de manifestação do mutuário.

[10] Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações.

[11] Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:
I - o valor do principal da dívida;
II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;
III - a taxa de juros e os encargos incidentes;
IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;
V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;
VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;
VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.

[12] Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel.
§ 1º No prazo de trinta dias, a contar da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato.
§ 2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento do registro da propriedade fiduciária.

[13] Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.
§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.
§ 4o  Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital.
§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária.
§ 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.
§ 7o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.
§ 8o O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27.
[14] Art. 26. § 8o O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27.
[15] Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

[16] Art. 27. § 1º Se, no primeiro público leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI do art. 24, será realizado o segundo leilão, nos quinze dias seguintes.
§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.
§ 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por:
I - dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais;
II - despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro.

[17] Art. 27. § 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.

[18] Art. 27. § 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.
Art. 27. § 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.

[19] Art. 27. § 7o Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência por escrito do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica.
Art. 27, § 8o Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse.

[20] Art. 30. É assegurada ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1° e 2° do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocupação em sessenta dias, desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome.

[21] Art. 31. O fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida ficará sub-rogado, de pleno direito, no crédito e na propriedade fiduciária.
Parágrafo único.  Nos casos de transferência de financiamento para outra instituição financeira, o pagamento da dívida à instituição credora original poderá ser feito, a favor do mutuário, pela nova instituição credora. 
[22] Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê.
 § 1o O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato.
§ 2o A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário.