segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ciro x Dilma = Serra

A primeira linha de fogo amigo já causou danos irreparáveis na candidata à Presidente da República Dilma Rousseff... E o vencedor da peleja é José Serra, que ficou quietinho e sai fortalecido.
O que Ciro falou é a expressão da mágoa do relegado, mas foi mortal para o centro do poder, capitaneado pelo Presidente Lula: Dilma não tem preparo algum, diante da preparação de José Serra. Dito de outra forma: Serra fez muito mais que Dilma ao longo de sua vida e é considerado por Ciro como o mais bem preparado para exercer a presidência da República no caso de uma crise qualquer...
Esse exercício de futurologia não é exato, mas mostra que o ataque de Ciro a Dilma causou prejuízo muito grande para a candidata em benefício de José Serra.
É apenas um round de vários outros que se seguirão.
Veremos....

terça-feira, 20 de abril de 2010

A POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO SUSPENSIVA DA FALÊNCIA COMO FORMA DE SEU ENCERRAMENTO PRECOCE

Sumário: 1. Introdução necessária. 2. Alguns princípios que regem a nova Lei 11.101/2005. 3. O legitimado a requerer a recuperação da empresa na falência. 4. A solução alternativa. 5. O Ministério Público como requerente da solução. 6. Os credores dissidentes. 7. Conclusão. 8. Bibliografia utilizada

Alexandre Motonaga: “brigue com o problema, não com as pessoas”... “negocie interesses, não valores”

1. Introdução necessária.

A questão que se coloca em discussão neste estudo é a possibilidade de se encerrar uma falência decretada com base na Lei 11.101/2005 por meio de um projeto de recuperação de empresas, aprovado pelos credores, de modo a suspender o andamento da falência, razão pela qual prefiro batizá-lo de recuperação suspensiva da falência.
Evidentemente, à primeira vista nos aparece um tanto quanto arriscado tencionar a aceitar tal colocação por entender que o processo falencial deva seguir sempre o mesmo critério e o mesmo ritual, com a arrecadação dos bens, avaliação, venda em hasta pública e posterior pagamento dos credores, após a elaboração do longínquo Quadro Geral de Credores.

No entanto, a questão que se coloca dentro dos critérios adotados pela nova sistemática legislativa falencial é totalmente diversa, se bem que anteriormente já se falava na possibilidade de que os credores, reunidos em maioria, poderiam decidir de maneira ampla a solução dos problemas com a falência, tudo conforme disposto no art. 123 do Decreto-Lei 7.661/45, já em boa hora extinto, e que, gize-se, não deixou nenhuma saudade.

Ao revés, defenestrou-se tal instituto de maneira tardia.

O novel instituto falencial tem uma roupagem moderna, abrangente, procurando dinamizar o processo, evitar o desperdício de tempo e dinheiro que, nesse caso, envolve o direito de credores, ávidos por se desvencilhar o mais rápido possível dos entraves provocados pela quebra ao seu patrimônio.

Por aí se vê a modificação substancial de pensamento do legislador de 2005 para o tacanho legislador de 1945, eis que neste instituto antiquado todos perdiam, ao passo que no atual só há perda se houver incapacidade de diálogo ou malversação dos bens arrecadados, pois a ideia principal é afastar o devedor do comando de sua empresa, permitindo que as falhas anteriormente cometidas sejam sanadas, recuperando-se os produtos e vendendo-os, ou arrendando-os ou entregando aos credores, mas tudo de maneira imediata, evitando-se o processualismo ingênuo de épocas passadas, expressão muito talhada para o Decreto-Lei.

Diante desses primeiros argumentos devemos nos redimir do antigo pensamento de que a falência é um mal e um carcinoma do tecido social, impregnada de dolo latente, levada a empresa ao estado falitário por empresários corrompidos, dentro do sistema.

Essa primeira ideia deve ser corrigida com o tempo, mesmo porque na apuração dos crimes falenciais ficou assentado que é obrigatória a pesquisa sobre o cerne do cometimento do crime, tanto assim que vários delitos possuem dolo específico, segundo a doutrina tradicional de direito penal, como exaustivamente já descrevemos alhures, não sendo necessário e nem prático repetir as mesmas palavras .

Urge encontrar soluções seguras e rápidas para as falências não se eternizarem nos escaninhos dos fóruns brasileiros, mesmo porque há princípios rígidos que pugnam pela celeridade, como veremos adiante.



2. Alguns princípios que regem a nova Lei 11.101/2005.



Por “princípios” devemos classificar como sendo o primeiro plano, o marco iniciador e delimitador de algo crime para que possamos, mais tarde, desvendar as várias acepções doutrinárias e jurisprudenciais que se debruçam os estudiosos do Direito Empresarial.

Para ARTHUR KAUFMANN, "toda legislação positiva pressupõe sempre certos princípios gerais do direito".

Desse modo, as legislações centram-se em número infinitivo de princípios, alguns chamados de princípios básicos e outros denominados de específicos, embora os doutrinadores não sejam unânimes nas suas afirmações quanto à classificação dos princípios.

O que nos interessa neste curto estudo é lembrarmos atentamente do art. 75 da atual Lei 11.101/2005: “A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.”

Mas, só isso não foi o suficiente, eis que o legislador de 2005, atento à Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que fez incluir no art. 5º o inciso LXXVIII, grafado nestes termos: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" o parágrafo único do mesmo art. 75 da Lei 11.101/2005, determinando que "o processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual".

De outro lado, ficou decretado que a chamada concordata suspensiva estava proscrita do direito falencial brasileiro, com base na seguinte colocação legislativa: “Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei 7.661/45. § 1o Fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso, podendo ser promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro-geral de credores e da conclusão do inquérito judicial.”

De fato, a concordata suspensiva sempre foi um estorvo para a rápida solução dos processos falenciais vez que seria necessária a solução da parte criminal da falência para, depois disso, iniciar a realização do ativo, visando o pagamento do passivo.

A Lei 11.101, de 2005 não repetiu o mesmo ‘erro’.

Inicialmente, aplaudida a iniciativa e a forma rápida de venda dos bens da massa falida, não se apercebeu, à época da constituição da novel legislação a possibilidade de que uma recuperação suspensiva da falência poderia ser a solução mais rápida para o encerramento da falência. Daí decorre o presente estudo.

Atento a isso, impõe destacar que uma falência poderá ser encerrada precocemente desde que a maioria dos credores consinta com isso, mesmo porque precisamos ficar bem atentos ao seguinte dogma: trata-se de direito disponível o dinheiro alheio!!! coisa que pouca gente se dá conta nesse mundo jurídico de viés bem estreito. Se os credores concordarem, encerra-se a falência.

O artigo 145 da Lei 11.101/2005 repete o antigo art. 123 do Decreto-Lei 7.661/45, permitindo que a maioria qualificada dos credores (2/3) possa deliberar a respeito, merecendo lembrar o dispositivo:

“Art. 145. O juiz homologará qualquer outra modalidade de realização do ativo, desde que aprovada pela assembléia-geral de credores, inclusive com a constituição de sociedade de credores ou dos empregados do próprio devedor, com a participação, se necessária, dos atuais sócios ou de terceiros.

§ 1o Aplica-se à sociedade mencionada neste artigo o disposto no art. 141 desta Lei.

§ 2o No caso de constituição de sociedade formada por empregados do próprio devedor, estes poderão utilizar créditos derivados da legislação do trabalho para a aquisição ou arrendamento da empresa.

§ 3o Não sendo aprovada pela assembléia-geral a proposta alternativa para a realização do ativo, caberá ao juiz decidir a forma que será adotada, levando em conta a manifestação do administrador judicial e do Comitê.

Identicamente, foi a colocação do artigo 46 da Lei 11.101/2005, dispondo:

“Art. 46. A aprovação de forma alternativa de realização do ativo na falência, prevista no art. 145 desta Lei, dependerá do voto favorável de credores que representem 2/3 (dois terços) dos créditos presentes à assembléia.”

Em verdade, embora de pouca utilização no cenário jurídico nacional, o antigo art. 123 do Decreto-Lei 7.661/45 já foi analisado por este Promotor de Justiça de Falências em duas oportunidades, nos mais de doze (12) anos de atuação específica nessa área do direito empresarial.

Ambos para solucionar problemas insolúveis, até então, mas como os credores deliberaram o que melhor lhes aprouveram, como se diz na prática: o problema era deles, agora!

Efetivamente, a lei possui apenas uma solução, não esclarecendo a quem pertence à iniciativa de provocação da situação.

Na minha visão, qualquer credor poderá requerer a convocação de Assembleia Geral de Credores, o administrador judicial e até mesmo o falido ou os administradores da empresa falida, eis que não há limitação legal e, onde a lei não distingue, não poderá o exegeta fazê-lo.

Fixemo-nos no falido. É ele afastado da administração de seus nos termos do art. 103, quando da quebra. Porém, permanece no direito de se defender e fazer defender seu patrimônio - que está provisoriamente afastado, por conta da quebra - por todos os meios legais, conforme disposto no parágrafo único do artigo 103, que é uma repetição do antigo artigo 36 do Decreto-Lei 7.661/45, in verbis:

Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.


Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis. (grifos nosso).

Daí, se vislumbrar que há a possibilidade de resolver a sua falência, dentro do menor espaço de tempo possível, e me parece bastante claro, com base na própria Constituição Federal, que não lhe impede esse sagrado direito de peticionar em juízo, defender seu patrimônio, solucionar sua falência, quitar-se, moral e socialmente com os credores, e volver à vida pública e privada, como qualquer outra pessoa, que não teve o desprazer de uma insolvência judicial contra si.

Tais princípios são de natureza constitucional e legal e não impedem, de maneira alguma, que uma falência decretada possa vir a ter uma solução distinta daquela que preferiria chamar de ‘tradicional’: arrecadar, avaliar, vender, pagar, prestar contas e encerrar.

O art. 145 fala em constituição de sociedade com os atuais sócios, rectius: falidos, ou com terceiros. Isto me parece que o princípio elencado no artigo 145 é a antiga concordata suspensiva da falência com nova roupagem, modernizada, arrojada, pujante, despertando novo sentimento de que o legislador de 2005 não afastou a possibilidade de um retorno à vida empresarial através da empresa falida, agora não mais dentro de uma empresa falida, mas, sim, dentro de uma empresa em recuperação judicial suspensiva da falência.

A visão ofuscada do passado a respeito da concordata suspensiva fez com que os pensadores do moderno direito recuperacional e falencial simplesmente passassem a abominar a ideia de que a mesmo pudesse perdurar entre nós, mesmo porque sempre causou mais embaraços do que soluções aos processos.

No entanto, urge destacar, por outro lado, que apesar de sua proscrição formal não nos parece totalmente fora de propósito a possibilidade de se resolver o problema da quebra com a recuperação suspensiva da falência, dentro de outros critérios mais práticos e pragmáticos, principalmente porque a negociação é o alvo principal da legislação recuperacional brasileira.

Colocados em assembleia-geral os credores teriam o poder de contornar os entraves causados pela quebra, mesmo porque a sequência natural do processo falencial é a demora no recebimento dos valores a que julgam ter direito, com a inesgotável necessidade de ter um ingrediente pouco esperado: paciência para o recebimento de seus créditos, se virão um dia, efetivamente, receber.

Acomodados em assembleia-geral, deliberando sobre o quantum, o número de parcelas, os eventuais juros a receber, cláusulas de fixação de responsabilidades, etc. cumpririam de maneira muito mais ampla os princípios elencados na recuperação da empresa, agora na falência.
A deliberação dos credores poderia surtir muito maiores benefícios sociais a todos os envolvidos, evitando-se o dissabor de se perder tempo e dinheiro para o recebimento daquilo que lhes é devido, abstraindo-se do tormentoso procedimento judicial.

Enfim, uma deliberação seria muito mais útil, cumpriria a função social do processo falencial, o esgotamento da tutela jurisdicional no menor espaço de tempo possível, evitar-se-ia recursos às superiores instâncias – outro fator eternizador de processos falenciais – sendo que a deliberação sobre os assuntos da empresa falida seria decidido por outros os credores, juntamente com o criador do problema que é o empresário, ora falido.

3. O legitimado a requerer a recuperação suspensiva da falência.

De outra banda, gize-se, o art. 145 fala em "outra forma de realização do ativo". Ora, dentre os meios de realização do ativo de um devedor pode, sim, seguramente e sem medo de errar, pleitear que seja constituída uma sociedade de credores, pagar parceladamente seu débito, obter concessões dos credores (que estão defendendo direitos disponíveis, repise-se!), ou, ainda, qualquer outra forma de recuperação, previsto no art. 50 da Lei 11.101/2005.

Esse artigo 50 fala: Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros.

Esta última colocação: "dentre outros" não exclui a recuperação na falência, como forma de finalizá-la. Pensemos abertamente e sem freios e falsos moralismos. E a “legislação pertinente a cada caso” é a própria Lei 11.101/2005, mesmo porque o todo legislado é constituído de partes estanques, mas que não estão dispersas dentro do sistema. A ideia é que se possa resolver a falência com uma solução inovadora, criativa, que agrade pelo menos a maioria dos credores, mesmo porque serão eles que irão deliberar em assembleia geral o que fazer da empresa falida, dentro daquilo que se chamou “democracia monetária”.

A questão da chamada democracia monetária ganhou grandes contornos nos processos falenciais e recuperacionais modernos, pois a intenção do legislador foi a de desjudicializar ao máximo a intervenção estatal-judicial, com todo o seu poder de império e sua estruturação rígida.
Dessa maneira, o foco principal do processo falencial é buscar a solução mais rápida, barata e segura para a decretação da falência, evitando-se o processamento demasiado de atos ‘sem sentido prático’, fazendo com que os credores encontrem uma solução em sintonia com o devedor, colocando-os para dialogar e chegar ao consenso, dentro da moderna linha de pensamento da recuperação social da empresa.

Qualquer um que seja falido poderá resolver sua pendência judicial falencial no menor espaço de tempo, inclusive pleiteando tal benesse, eis que baseada na Constituição Federal e na lei, ambas mandando resolver o problema rapidamente e ninguém mais interessado do que ele próprio, procurando se livrar da pecha de ‘empresário falido’, imposto na sentença de quebra.

Porém, passei a observar que a qualificada doutrina que surgiu a partir da novel legislação pouco se preocupou com tal assunto, como veremos adiante.

Para AMADOR PAES DE ALMEIDA a nova legislação abriu um leque de opções muito maior que o sistema jurídico anterior. E esclareceu: “Dentre as formas, além das expressamente descritas, está a constituição de sociedade pelos credores, hipótese igualmente prevista na recuperação judicial (art. 50, X), ou constituição de sociedade dos empregados pelo falido... Na constituição de sociedade de empregados do falido, estes (os empregados) podem utilizar os créditos trabalhistas para a aquisição ou arrendamento da empresa (ar. 145, § 2º).”

Para o comercialista ADALBERTO SIMÃO FILHO a nova legislação veio a simplificar a forma de resolver o problema da falência decretada, mas imaginou apenas a figura do administrador judicial e do Comitê de Credores, ou ainda, a assembleia geral de credores. Vejamos essa passagem para ilustrar o conteúdo de suas assertivas: “A lei atual, sem qualquer entrave ou burocracia, permite que o administrador ou o Comitê de Credores pleiteiem uma forma alternativa de alienação de ativos desde que devidamente fundamentado o requerimento . (grifo nosso).

No entanto, nos parece que o prezado doutrinador SIMÃO FILHO procurou considerar, ainda, que em cada caso concreto, diante das dificuldades especiais que cada um apresenta, há a possibilidade de uma visão macro para a solução do problema, ao dispor: “Esta gama de possibilidades é importante, porque em muitos casos, o que se faz mais lógico e viável, em razão da análise profunda das questões jurídicas, contábeis, financeiras e trabalhistas, é a continuação dos negócios, podem, através de outra pessoa jurídica.” Faz tal referência de acordo com a possibilidade da criação de sociedade de propósitos específicos.

Para ANDRÉA MARTINS RAMOS SPINELLI as modalidades alternativas de realização de ativos partem exclusivamente do administrador judicial, quando se vê desta passagem: “Poderá o juiz autorizar, com a aprovação da assembleia-geral de credores e constituição de sociedade de credores ou dos empregados do próprio devedor, se houver motivo justificável, e diante de requerimento formulado pelo administrador judicial...”

Assim não nos parece, quanto ao legitimado para requerer, como demonstraremos. Porém, vejamos outros doutrinadores. Quanto à aprovação, em assembleia, já se trata da etapa seguinte ao deferimento do requerimento para a constituição da assembleia.

Identicamente, é a posição de MANOEL JUSTINO BEZERRA FILHO, que também faz referência à passagem da assembleia, isto é, após a sua convocação. E, com sua salutar experiência de anos à frente de falências de grande porte vivenciou e reproduziu o seguinte: “A possibilidade de formação de sociedade de empregados deve ser prestigiada, pois, mesmo no regime da lei anterior, diversos casos ocorreram-nos quais os próprios empregados, normalmente agregados em cooperativa, passaram a cuidar da empresa, propiciando o regular prosseguimento das atividades.”

Também concordamos com o nobre falencista, principalmente porque vivenciei a experiência em vários procedimentos em que atuei.

De outro lado, ALEXANDRE HUSNI elenca uma série de vantagens para a deliberação de forma distinta da simples alienação dos bens da empresa, como a criação de sociedade de propósitos específicos, divisão de unidades produtivas, etc., tudo isso como forma de procurar o encerramento da falência.

Para JULIO KAHAN MANDEL houve um grande avanço no sistema jurídico falencial, inclusive com a possibilidade dos credores deliberarem pela continuação dos negócios do falido.

Do mesmo modo é o pensamento de RICARDO BERNARDI ao comentar o presente instituto, dizendo: “Assim como a lei anterior, os credores também poderão tomar para si o poder de decisão quanto ao modo de realização do ativo, desde que reunidos em assembleia de credores para deliberar nesse sentido. A Lei 11.101/2005 não limita os poderes dos credores, desde que haja consenso entre eles, acerca de formas alternativas para realização do ativo na falência.”

Tais autores se preocupam mais com a decisão da assembleia do que o momento anterior à mesma, qual seja, a provocação judicial para a deliberação em assembleia geral, que é o ato posterior.

O falencista WALDO FAZZIO JUNIOR explica o caráter da atual lei falencial, fazendo referência expressa à otimização do papel dos credores na realização do ativo do devedor e, em seguida, expõe com a sua clareza habitual o seguinte: “... é intuitivo, com base no exame contextual da LRE, que não existe uma estipulação rígida dos meios destinados a realizar o ativo arrecadado do devedor, uma vez que o voluma e a situação dos bens podem recomendar soluções alternativas. Nesse sentido o regramento da LRE é bastante liberal.”

Nesse aspecto, concordamos em gênero, número e grau com o FAZZIO JÚNIOR. Porém, dissentimos quanto à forma por ele sugerida, eis que não se atentou, data venia, para a dinâmica da legislação atual, que é a solução rápida dos problemas, ao dizer: “Contudo, qualquer decisão judicial permissiva de outras formas de realização do ativo, que não as fixadas no art. 140, deverá ser antecedida de aprovação pela assembleia geral de credores. O pedido deve provir do administrador judicial, que o fará fundamentadamente.” (grifo nosso).

Do mesmo modo é o pensar das eméritas professoras VERA HELENA DE MELLO FRANCO e RACHEL SZTAJN, ao limitar o pleito ao livre arbítrio do administrador judicial, como se recolhe desta passagem: “Há a possibilidade, advindo pedido fundamentado do administrador, de que o Juízo autorize outra forma de liquidação do ativo (art. 144 da LRE), o que, na lei anterior, era privilégio somente da Assembleia-Geral de Credores (arts. 123, 124 do Decreto-Lei 7.661/1945).” (grifo nosso)

GLADSTON MAMEDE compartilha da mesma opinião entendendo que o pedido de convocação da assembleia deve partir do administrador judicial ou do Comitê de Credores, se constituído, e, ainda, “...desde que haja motivos justificados para tanto. O juiz deliberará sobre o deferimento ou não do pedido, em decisão fundamentada, na qual enfrentará os motivos apresentados pelo requerente.”

Em que pese o brilhantismo dos citados autores, todos de elevada e incontestável sapiência jurídica, pensamos de maneira distinta, eis que o pedido não está adstrito ao administrador judicial, mas, também a qualquer credor que tenha interesse na solução rápida do processo.

De outro lado, creio que o pedido de convocação de assembleia para decidir os destinos do seu patrimônio, que está arrecadado, é primeiramente e principalmente do próprio falido, pois não poderá dispor de nada, desde o momento da decretação da quebra, até o seu encerramento.

Se vingasse a tese até agora encontrada, estaria o falido impossibilitado de ver sua falência encerrada, ainda em vida, o que está totalmente contrário aos textos constitucionais já mencionados anteriormente.

4. A solução alternativa.


A atual legislação segue uma tendência mundial de evitar ao máximo a proliferação de empresas falidas que não tem nada a servir à sociedade. Ao revés, não produz, não emprega, não paga tributos, etc. A atual legislação procura fazer com que se extraia da massa falida uma alternativa para o problema causado pela quebra, sem a criação de sucatas futuras ou bem sem valor, que nada renderão para a massa falida, ad futurum.

Dentro desse quadro desgastante, é necessário que o exegeta observe que, antes do rigorismo legal, há uma unidade produtiva paralisada, pronta para voltar a funcionar, seja através de terceiros seja através do próprio falido, eis que o artigo 50 da Lei 11.101/2005 tem essa finalidade explícita.

Se só isso não fosse o suficiente, ainda, poderíamos observar que uma empresa funcionando sob a supervisão judicial é muito melhor para o mercado do que uma empresa eternamente paralisada. Levantemos os olhos ao nosso derredor e vejamos a enorme quantidade de problemas que assolam o Judiciário como um todo, onde centenas, milhares de processos falenciais se arrastam diariamente para cima e para baixo, sem solução.

Nessa sina, quase todos perdem... Alguns levam vantagens incomensuráveis e procuram mais e mais vantagens, sempre com o discurso de que não há solução possível.

Há, sim, grandes soluções, que estão na própria novel legislação falencial, voltada para o mundo, para o mercado, para a produção, para o fortalecimento do empresariado de uma maneira geral.

Foi-se o tempo em que o falido era apenas o falido, equidistante do Judiciário. É o tempo de renovação e, passados cinco (5) anos da vigência da presente lei, que deu certo , deve se aprofundar os institutos para a solução dos problemas advindos da quebra, e, segundo imagino, a recuperação suspensiva da falência é uma solução.

Dentro dessa linha de raciocínio incumbe ao falido a obrigação de elaborar um plano de reerguimento da empresa falida, dentro dos seus exclusivos meios para tal finalidade, buscando os recursos adequados para tanto, oriundos, obviamente de local lícito, mesmo porque não seria crível permitir-se encerrar um procedimento falencial com algo ilegal.

O plano de recuperação de empresas deverá ser submetido ao conhecimento prévio dos credores, exatamente como na recuperação de empresas, tudo sob as expensas do falido, mesmo porque a possibilidade de gastos excessivos com uma assembleia geral – que poderá ser negativa aos interesses do falido – geraria mais danos que benefícios aos credores.

De mais a mais, como todo plano de recuperação de empresas, está sujeito a alteração por parte dos credores, os quais poderiam propor ao falido a aprovação do “plano B” ao invés do plano inicialmente sugerido, dentro da linha de discussão tendente à aprovação do reerguimento da sociedade falida.

Além disso, situações especiais do plano de recuperação de empresas poderiam ser debatidas entre os credores e o devedor, estabelecendo critérios específicos, para casos específicos, dentro da assembleia-geral, desde que os demais credores estivessem de acordo.

A experiência demonstrou que inúmeros assembleia de credores chegaram a consenso estabelecendo situações distintas para determinadas classes de credores, ou até mesmo para credores específicos, em face das condições pessoais e específicas de alguns credores. Esta é a importância da chamada democracia monetária.

É claro que a opção por um modelo pré-determinado pelo devedor ou pelo administrador, ou pelo Comitê de Credores, ou por credores isoladamente considerados, tem o ingrediente primário de que cada um tem um interesse próprio diante do problema existente.

No entanto, em assembleia-geral esse problema e interesse próprio tende a ser absorvido pelos demais problemas e interesses gerais formando uma coesão, que, diante do decidido em assembleia poderá ou não ser sublevado, considerando a decisão da maioria.

O estado de direito conhece os problemas individuais, mas se submete ao clamor coletivo de uma assembleia geral, sendo essa a essência da democracia monetária prevista na Lei 11.101/2005. O problema pessoal se rende diante do problema coletivo. A não aceitação será tratada mais adiante.

Creio que o amadurecimento da democracia monetária da presente legislação falencial-recuperacional é a pedra de toque do sucesso do modelo adotado pelo Brasil, rompendo com o passado e seu processamento antiquado, com a confecção de ‘relatórios’ inúteis, em sua maioria, sem praticidade alguma, sendo tudo substituído por assembleias-gerais, muito mais práticas, amplas, democráticas e, principalmente, eficazes, já saindo com soluções e não mais problemas.
5. O Ministério Público como requerente da solução.

Não obstante o veto presidencial ao artigo 4º da Lei 11.101/2005 - que não gerou efeito algum para os membros do Parquet no andamento dos processos, eis que o legislador já havia dado atenção especial ao Ministério Público, em vários outros dispositivos – atualmente, o papel do Promotor de Justiça de Falências é bastante dinâmico dentro do processo falencial e recuperacional.

Dentro desse sentir, pela experiência acumulada, não vislumbro a impossibilidade de o próprio membro do Ministério Público pleitear a convocação e assembleia geral de credores para solucionar o problema causado pela falência, não lhe sendo destituído desse poder.

É claro que terá que possuir elementos suficientes para encontrar a melhor solução para o problema que se avizinha às suas mãos, principalmente observando a enorme dinâmica do processo.

Nas sábias palavras do Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal, proferida no II Congresso Nacional do Ministério Público, em São Paulo, o promotor deve ser um homem de seu tempo, irmanado com os problemas sociais que lhe aportam à sua visão.

Logo, o Promotor de Justiça de Falências, na atualidade, tem que ser duro quando necessário, mas sempre maleável com os problemas sociais que uma falência desperta, procurando, como lembrou JULIO KAHAN MANDEL , buscar de maneira incessante e segura o justo almejando a paz social e encurtamento dos processos falenciais, inclusive por meio de soluções alternativas, como a presente que agora anotamos.

Assim, verificando a possibilidade de solucionar uma falência com o pleito de uma recuperação suspensiva da falência, deve ser o primeiro a fazê-lo, ou, sendo provocado, aguardar a deliberação em assembleia geral de credores, mesmo porque a negativa dos credores resultará apenas na continuidade do processo.

6. A situação dos credores dissidentes.

Evidentemente, ninguém é obrigado a se associar ou permanecer associado. Assim, deliberado que a melhor maneira é a constituição de sociedade de propósitos específicos ou outra maneira de realização do ativo, em existindo minoria dissidente, a solução é a mesma da lei revogada, que RICARDO NEGRÃO espelha com sua clareza e lucidez habitual: “Na lei revogada, a minoria dissidente era paga em dinheiro pela maioria que assim deliberou, respeitadas as seguintes condições: a) considerava-se, inicialmente, o valor total do acervo arrecadado e sua avaliação; b) desse total descontava-se o valor devido aos encargos e dívidas da massa; e, finalmente, c) atribuía-se aos credores dissidentes a porcentagem a eles devida sobre aquele resultado (LFA, art. 123, § 1º). Na ausência de solução legislativa, é perfeitamente adequado dar essa mesma solução aos casos futuros, sobretudo porque respeita a liberdade de o credor associar-se ou não e a paridade de tratamento concursal.”

Este é o mesmo pensamento de JOSÉ FRANCELINO DE ARAÚJO ao dizer textualmente: “...que não se poderia obrigar esses credores a tomar parte da empresa nem a receber preço inferior ao da avaliação.”

A toda evidência, os dissidentes poderão receber seus créditos, após a realização do ativo dessa maneira alternativa, mas com os devidos descontos mencionados por RICARDO NEGRÃO, mesmo que não tenham concordado com os termos, eis que se assim não o fosse estariam se tornando superiores aos demais, eis que teria direito a receber integralmente enquanto os demais receberiam apenas proporcionalmente aos seus créditos, com descontos.

Além disso, penso que poderiam os credores dissidentes formar outros grupos de credores, recebendo seus créditos diretamente dos empresários que volveriam ao mercado, buscando soluções para os problemas causados pelos empresários-falidos, dentro do poder de discernimento e convencimento de lado a lado, sem deixar os credores desamparados.

6. Conclusão.

Dentro dessa linha de raciocínio, podemos concluir o presente estudo afirmando que a novel legislação falencial não sepultou totalmente o instituto da concordata suspensiva, mas, ao revés, deu-lhe nova roupagem, ao instituir a possibilidade de solucionar a falência com a comunidade de credores deliberando em assembleia geral de credores.

Procuramos dar o nome de recuperação suspensiva da falência, permitindo que o processo falencial se encerre no menor espaço de tempo possível.

O pleito para a convocação da assembleia poderá partir do administrador judicial, Comitê de Credores, dos credores habilitados, do próprio falido, assim como do membro do Ministério Público.

Havendo credores dissidentes, a solução é o pagamento dos créditos descontados os valores decorrentes da própria falência, ou permitir que os credores negociem diretamente com os falidos, agora reinvestidos do poder de negociação de seu passivo.

Podemos considerar que uma recuperação suspensiva do processo falencial seria algo pioneiro no sistema jurídico nacional, desde a implantação da novel legislação em 2005, produzindo o benefício adicional de resgatar um empresário falido para o mercado, enquanto soluciona-se sua falência, gerando maior credibilidade no sistema.

Enfim, a busca alternativa de soluções para os processos judiciais é uma constante desenvolvida em todos os meios, sendo que o próprio Conselho Nacional de Justiça fomenta essa busca de ideias.

Creio que a recuperação suspensiva da falência daria uma nova opção ao empresariado que, mesmo falindo, teria ainda ânimo em ajudar o Judiciário a solucionar os problemas decorrentes da quebra, eis que teria condições de retornar à sua atividade produtiva, resgatando sua dignidade pessoal e moral como ser humano, pois o reerguimento dos negócios demonstraria que o mal foi passageiro.

A nova chance é a busca desenfreada que muitos que erraram buscam incessantemente. A nova opção que sugerimos é uma solução que está na lei. Apenas não foi revelada, ainda, mas que, sem sombra dúvidas, poderá se tornar um marco no cenário jurídico nacional.

Oxalá esteja certo.

7. Bibliografia utilizada

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. São Paulo: Saraiva, 2005 e 25ª edição, 2009.
ARAÚJO, José Francelino de. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
BERNARDI, Ricardo. Da realização do ativo, in Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, coordenação FRANCISCO SATIRO DE SOUZA JUNIOR e ANTÔNIO SÉRGIO A. DE MORAES PITOMBO. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
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