segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

 REFLEXÃO:

O ENDEUSAMENTO DOS CRIMINOSOS E O POUCO CASO COM AS VÍTIMAS: OS FRUTOS DA VIOLÊNCIA PRODUZIDA E FOMENTADA PELOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO, COM APOIO INCOMENSURÁVEL DO JUDICIÁRIO.

INTRODUÇÃO:

De proêmio é necessário esclarecer ao leitor que escrevemos este texto após mais de 45 anos de vivência jurídica intensa, computando-se neste período 10 anos de Cartório, 30 anos de Promotoria de Justiça e mais outros 5 anos de advocacia, com atuação profunda nos diversos ramos do direito, seja ele público ou privado, seja criminal ou cível, atuando tanto na acusação como na defesa. Soma-se a esta experiência jurídica única outros tantos 25 anos de vida acadêmica, ministrando aulas nas mais diversas universidades, nos mais diversos cursos preparatórios para concursos, nos mais diversos cursos de graduação e pós-graduação. Deve-se aumentar a experiência adquirida com uma gama de livros jurídicos tanto na área penal como empresarial, o que nos credencia a analisar o contexto social.

Ainda na área acadêmica tivemos a oportunidade de cursar dois cursos de mestrado no Brasil em Direito Penal e Processual Penal, além do doutoramento além-mar, pela prestigiosa Universidade de Coimbra, o que nos auxiliou na análise crítica dos textos legais, com a confrontação das legislações de diversos países das mais diferentes ideologias sociais.

No Ministério Público paulista a nossa colaboração para a sociedade foi a idealização e instalação do primeiro GAECO – Grupo de

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Acompanhamento e Execução no Combate ao Crime Organizado do país, mercê de nossa atuação no desbaratamento e prisão de dezenas de policiais civis, militares, rodoviários federais que atuavam na região de Bragança Paulista e Atibaia nos anos 1990.

E, se só isso não fosse suficiente para analisar a violência provocada pelos poderes constituídos, ainda, some-se a tudo isso a nossa atividade política-partidária, onde procuramos conhecer as entranhas de diversos partidos políticos e, principalmente, conhecer as narrativas dos mentores destes e seus colaboradores.

Assim, o presente artigo é escrito por alguém que viveu e conviveu com os mais distintos pensamentos acadêmicos, doutrinários, jurisprudenciais, colecionando experiência e vivência, o que nos permite pensar o tema sem qualquer viés partidário ou influência dogmática, tendo a certeza de que não é possível a fixação de um dístico sobre a essência do artigo.

Há muitos anos a população brasileira vem sofrendo com a desenfreada onda de violência crescente, tornando-se refém de grupos armados, de quadrilhas organizadas e sofrendo com o desaparelhamento estatal em determinados lugares, dando ensejo a surgimento de estruturas paraestatais com o beneplácito claro e incomensurável dos Poderes Executivos e Legislativo – que são os responsáveis direto pelo afrouxamento das leis, deixando a população completamente desamparada, eclodindo no Poder Judiciário o distanciamento dos anseios populares pela realização da justiça com falsos juristas garantistas, que, ao contrário do que apregoam, são os sinetes da balbúrdia anunciada e atuam drasticamente contra os interesses sociais maiores.

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No presente estudo nos propomos a analisar historicamente a involução do Direito repressivo nacional, chamado de Direito Penal, conhecido pela sua ultima ratio de defesa social, mas que, ao longo dos tempos ensejou a impunidade exacerbada, em contraste claro com a visão macrossocial de defesa dos valores supremos protegidos constitucionalmente.

Veremos que, debalde as exposições de motivos e ideologias apregoadas pelo grupo dominante da ocasião das alterações legislativas, sempre e sempre houve a falsa moralidade expressa, visando as alterações legislativas para o fim de trazer benefícios diretos a alguns poucos apaniguados, mas com profundas raízes de impunidade para a grande maioria da sociedade.

Essas alterações legislativas foram permeadas de incomensuráveis mesuras para a impunidade explícita, visando o bem de poucos, em detrimento de muitos, sendo que, a partir dessas alterações legislativas com claros efeitos erga omnis trouxe o dissabor social.

De outro lado, a falta de atenção para com as vítimas dos crimes é uma constante inigualável, mostrando que, salvo raras exceções, os legisladores – Executivo e Legislativo, de início – e os julgadores – Judiciário, ao final – jamais se preocuparam com as vítimas, sendo que estas são apenas números indeterminados e inomináveis diante da escalada da violência, produzida por textos legislativos cada vez mais moles para a proteção real da sociedade.

Importante asseverar, por oportuno, que não nos ocuparemos de todos os textos legislativos que alteraram as disposições penais e processuais, mas, apenas e tão dos principais, que promoveram a balbúrdia social hoje reinante, procurando demonstrar que as legislações sofreram

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inúmeras alterações legislativas sempre em prejuízo da sociedade, a única que sofre o dissabor da frouxidão penal e processual penal.

1. Os Códigos Penal e Processual Penal de 1940:

Instituídos pelo então Presidente da República, o advogado Getúlio Vargas, tinha como seu Ministro da Justiça, também advogado, o Dr. Francisco Campos.

O Código Penal foi instituído pelo Decreto-lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940, entrando em vigor no dia 1º de janeiro de 1942.

O Código de Processo Penal, foi instituído pelo Decreto-lei 3.689, de 03 de outubro de 1941, entrando em vigor também no dia 1º de janeiro de 1942.

Ambos continuam em plena vigência, com inúmeras modificações (para pior) produzidas ao largo de mais de 70 (setenta) anos.

Há quem diga que o Código Penal se trata de um monstrengo autoritário, eis que a sua origem é autoritária, pelo regime jurídico vivido naquela época em face do golpe de Estado promovido por Getúlio Vargas.

Tirante as ideologias políticas de lado, os Códigos Penal e Processual Penal brasileiro sempre foram pontos de defesa social, fazendo com que a lei e a ordem prevalecessem, com a aplicação das disposições penais e processuais penais segundo os ditames estabelecidos para essa defesa social, sempre utilizados como ultima ratio da sociedade brasileira.

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Os mesmos vigoraram praticamente intactos durante muitos anos, perpassando as alterações legislativas que ocorreram a partir da redemocratização do Brasil após a morte de Getúlio Vargas.

O Código Penal previa inúmeras punições aos transgressores da legislação penal, além de estabelecer as medidas de segurança, que obrigava ao magistrado analisar os elementos da periculosidade do indivíduo, em razão do crime, dos motivos do crime, das condições do delito e da associação criminosa.

Importante destacar que a medida de segurança era distinta da pena do crime praticado pelo agente, podendo ser aplicada tanto quanto houvesse juízo de condenação como de absolvição (art. 79), inclusive durante o trâmite do processo criminal, o que levava à ausência de impunidade de qualquer agente, diante do temor da possibilidade de pena ou da medida de segurança.

Seu nome dizia: medida de segurança. Social! Ou seja, a medida de segurança era destinada à sociedade, à vítima, ao bem comum, à paz social, exatamente aquilo que competia ao Direito Penal: a busca da paz social; a ultima ratio do Direito Penal, que é exatamente o que pregam os penalistas de todas as gerações e de todas as facções.

2. A Lei Fleury (Lei 5.941, de 22 de novembro de 1973):

Poucas leis brasileiras são nominativas e foram destinadas a favorecer uma única pessoa, como a chamada “Lei Fleury”, que alterou os artigos 408, 474, 594 e 596, do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

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Interessante notar que estes artigos do Código de Processo Penal obrigavam os réus a permanecerem presos nos crimes de sangue, sendo que apenas poderia ficar em liberdade aqueles casos – mínimos – de “livrar-se solto”, isto é, os crimes afiançáveis.

Mas quem foi o beneficiado direta pela alteração legislativa?

Tivemos o enorme prazer de conhecer e ter aulas no mestrado com o Dr. Dirceu de Mello, uma figura ímpar no cenário jurídico nacional, que foi um dos principais nomes no combate ao Esquadrão da Morte, um grupo de extermínio chefiado pelo então Delegado de Polícia Sérgio Fernando Paranhos Fleury, daí advindo o nome da Lei Fleury.

Também atuou fervorosamente outro grande jurista brasileiro, o Dr. Hélio Bicudo, do qual não tivemos contato mais próximo, infelizmente.

Numa noite chuvosa, no mestrado da PUC-SP, este subscritor pediu ao professor Dirceu de Mello que nos relatasse a prisão de Fleury, o qual nos brindou, de quebra, com a história da construção da Lei Fleury, que surpreendeu a todos os alunos.

O professor Dirceu de Mello relatou que Fleury era um homem alto e forte, tendo aquele “se perdido” no período considerado ditatorial, totalmente diferente do mestre Dirceu, franzino e baixo, sendo um dos membros efetivos do Esquadrão da Morte, que levou à colheita de provas robustas para a denúncia por homicídio – que, segundo o Código de Processo Penal, obrigava à prisão, posto que não era até então crime de que o réu “se livrava solto” – tendo sido anunciado pelo então Promotor que a denúncia já havia sido oferecida e a prisão se avizinhava. E isto ocorreu.

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No entanto, para surpresa geral e totalmente inesperada, em plena vigência do Ato Institucional n. 5, o mais repugnante atentado contra a liberdade pessoal, houve uma alteração fugaz do Código de Processo Penal, passando a vigorar um princípio incompatível com o regime jurídico de então: a liberdade incondicional de todos os réus, inclusive os de crime de sangue, inclusive quando já decidida a culpa do agente.

O argumento para a mudança: a presunção de inocência, a qual, debate ser atualmente um princípio constitucional, não o era na época da edição dos Códigos Penal e Processual Penal, e, muito menos, na época do Ato Institucional n. 5.

Este foi o primeiro choque contra a sociedade. A partir da edição da Lei 5.941/73, a chamada “Lei Fleury”, todos os demais réus responderiam em liberdade pelos crimes cometidos, salvo necessidade de prisão, por meio de provas robustas e convincentes.

3. Código Penal de 1969 e o Código Penal Militar fixaram a responsabilização penal aos 16 anos:

Debalde a edição da Lei Fleury, é importante destacar que anteriormente à sua edição, em 1973, a Junta Militar que governava o país impediu a entrada em vigor do Código Penal de 1969, sob o esquálido argumento de ser muito permissivo, segurando a entrada em vigor do Projeto Nelson Hungria, que foi constantemente adiada, até a sua revogação integral, com a constituição de uma nova Comissão de Juristas para a reforma do Código Penal de 1940.

No entanto, o Código Penal Militar, criado pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exercítio e da Aeronáutica Militar, entrou em vigor

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1º de janeiro de 1970, por força do Decreto-lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969.

Merecem destaque estes dois Códigos Penais criaram a responsabilização a partir dos 16 (dezesseis) anos, quando existir discernimento suficiente do agente, além da equiparação a maiores de idade.

Ou seja, a discussão sobre a menoridade penal já estava resolvida pelos dois institutos jurídicos, não existindo motivos plausíveis para a não aceitação da responsabilidade penal aos 16 anos.

A responsabilização penal aos 18 (dezoito) anos poderia ser útil lá pelas décadas de até 1980!!! De lá para cá, com a modificação dos costumes e, principalmente, com a enorme consciência dos “menores”, hoje qualquer adolescente conhece bem seus direitos, embora não queira assumir suas obrigações.

Se o “de menor” pode votar aos 16 anos; pode casar, pode constituir empresa, pode fazer de tudo, tem que responder pelos atos criminais já aos 16 (dezesseis) anos.

4. Alteração da Parte Geral do Código Penal em 1984 (Lei 7.209, de 11 de julho de 1984):

Com a negativa de vigência do Código Penal de 1969, convocou-se uma comissão de juristas para redigir um novo Código Penal para o Brasil.

Porém, a comissão de juristas não conseguiu desempenhar suas funções satisfatoriamente, tendo apresentado ao Brasil apenas e tão

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somente a reforma da Parte Geral do Código Penal e a Lei das Execuções Penais, em 11 de julho de 1984, com o enorme afrouxamento das penas.

Uma das principais medidas anunciadas na época foi a extinção da medida de segurança, em decorrência da periculosidade do agente, exatamente um ponto nevrálgico do temor do Direito Penal, eis que o juiz anterior à reforma da Parte Geral poderia absolver um agente, mas condená-lo apenas à medida de segurança.

Foi mais um afrouxamento da lei penal brasileira.

Se só isso não bastasse, ainda, o legislador fantasma – posto que até hoje ninguém afirma quem foi o pai da ideia – entrou em ação e estabeleceu o vergonhoso parágrafo 2º do artigo 110 do Código Penal, que estabelecia a prescrição retroativa intercorrente, que previa a possibilidade de reconhecimento da prescrição, mesmo antes do ajuizamento da ação penal.

Esse dispositivo penal serviu de uma válvula de escape e impunidade absoluta de milhões de condenados, os quais, contando com a inegável colaboração de policiais civis e falta de fiscalização de promotores e juízes, arrastavam durante anos e anos a fio inquéritos policiais para que fosse alcançada a prescrição retroativa intercorrente ao cabo do processo.

Tal esdrúxula disposição penal somente foi revogada décadas depois pela Lei 12.334, de 05 de maio de 2010.

Até hoje conhecemos casos em que se pagavam para escrivães de polícia para “segurarem” os inquéritos policiais para dar a prescrição retroativa intercorrente, sendo, ainda, que alguns mais velhos nos procuram, como advogados, pensando que podem continuar com a mesma prática.

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Ainda está arraigada na sociedade esta prática malévola e se assustam quando não aceitamos compactuar com tais situações.

Repita-se: O Código Penal de 1984 foi uma frouxidão inigualável, porém, com um mantra da nova ordem mundial, foi aplaudido pelos legalistas de plantão da época, que produziu grandes transtornos às vítimas.

5. Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984):

Da mesma cepa e mesma época da alteração da Parte Geral do Código Penal, surgiu a Lei de Execuções Penais (LEP), criando inúmeros direitos aos presos, tudo sido sob o esquálido argumento de legalidade no cumprimento da pena, criando um número infindável de critérios para as obrigações decorrentes de condenações.

Os dispositivos da LEP muito mais se aplicam a países super-desenvolvidos e não aos claudicantes sistemas sociais brasileiros e de toda América latina, em razão da criação de inúmeras obrigações estatais inviáveis e inexequíveis, pela simples e única razão: ausência de dinheiro!

Com isso, o legislador criou inúmeras obrigações aos Estados, os quais, obviamente, não teriam a mínima condição de cumprir, gerando pois, o constrangimento ilegal e, diante da existência de um direito não cumprido, o único remédio cabível era a rua para os condenados.

Em realidade, o caminho mais rápido e seguro para a interferência de terceiros no cumprimento de pena de criminosos sempre foi o atalho da alteração da LEP por meio de medidas “sociais” e “humanização”

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para os condenados, invariavelmente levando à soltura dos condenados. Disse: condenados.

Ou seja, depois do devido processo legal, do reconhecimento da culpa do sujeito, reconhecido que o sujeito cometeu um crime, que teve todo o direito do mundo para recorrer à vontade, agora, quando do cumprimento da pena, não sendo mais uma pessoa primária, o condenado passou a gozar de dezenas de benesses, as mais esdrúxulas possíveis.

Isto, sem contar com a participação ativa de determinados juízes criminais que, vendo que muitos presídios estão super lotados por bandidos condenados, passaram a dar vazão à “criatividade libertária”, criando situações em que os locais de cumprimento de pena passaram às mãos das organizações criminosas, tudo isso ao arrepio da lei, mas contando com a “legalização” do cumprimento de penas.

De outro lado, a fiscalização que deveria exercer o Ministério Público nem sempre foi, ou é, efetiva, ou, quando efetiva e real, esbarra sempre nas condições judiciais totalmente favoráveis aos condenados.

A LEP passou a ser uma espécie de fomentadora da impunidade, eis que se destacou do Código Penal e do Código de Processo Penal, passando a ser uma legislação própria, o que facilitou para aqueles que desejam colocar determinados dispositivos hábeis aos condenados a rápida modificação legislativa.

Basta ler o conteúdo atual da LEP e notar-se-á as inúmeras alterações legislativas que apenas favorecem os condenados. Nunca a sociedade.

A leniência dos Poderes Executivo e Legislativo, secundados pelo Poder Judiciário está claríssima na obrigatoriedade da “casa do

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albergado” previsto nos artigos 93 a 95 da LEP, que, atualmente, é uma letra morta na legislação, em face das suas inexistências físicas, salvo raras exceções.

E, neste aspecto, firmou-se a jurisprudência mais adequada possível aos condenados: não existindo casa de albergado, RUA!

Seguiu-se o desejo incontidos dos Poderes Legislativo e Executvo em produzir mais afrouxamentos na legislação da execução penal brasileira, a ponto de banir determinados pontos historicamente protetores da sociedade, como a fragilização das faltas no cumprimento de penas, a abolição do exame criminológico do pretendente à saída do sistema prisional, os declarados sistemas de fragilização da fiscalização do cumprimento de pena, etc.

A LEP passou a ser o principal instrumento de liberação dos presos, mesmo porque o Poder Executivo, na total inércia quanto a construção de novos presídios, novas fórmulas estatais de controle dos presos, paulatinamente passou a modificar a legislação, criando benefícios e mais benefícios aos condenados, para que a “estadia” dos presos condenados se desse pelo menor prazo possível, para que surgisse uma vaga para outro condenado.

O constante discurso piegas de “super lotação dos presídios” nunca foi solucionado pelo Poder Executivo, nem ao menos contou com qualquer tipo de pressão pelo Poder Legislativo e, muito menos ainda, pelo Poder Judiciário, que, nos últimos tempos, tem que emiscuido em vários temas, porém, mantém um silêncio sepulcral e estranho sobre a proteção às vítimas.

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6. Mais leis produzidas pelo Legislativo e Executivo, visando a desmoralização do sistema repressivo, todas amplamente favoráveis aos criminosos.

Em paralelo com tudo aquilo que já falamos, outras legislações se seguiram para a fragilização anunciada do sistema penal e processual penal.

Em 1996, através da Lei 9.268, de 1º de abril de 1996, mais uma fragilização do sistema penal, agora quanto à possibilidade de conversão da pena de multa não paga em detenção. Simplesmente, os Poderes Executivo e Legislativo transformaram a pena de multa em dívida de valor, mandando ser executada no juízo cível, como se dívida ativa da Fazenda Pública fosse, ao invés da anterior possibilidade de prisão, como sempre foi previsto no Brasil.

Outra intenção clara e não declarada de fragilização do Código Penal, está na reforma das penas privativas de liberdade aplicáveis, pelas penas restritivas de direitos, introduzidas pela Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, constituiu mais uma outra forma de fragilização absoluta do cumprimento de pena.

Quanto aos requisitos para que os condenados deixassem as penitenciárias – e, em consequência, o cumprimento de suas penas – a legislação foi sempre pro reo e jamais pro societatis como deveríamos esperar de um país sério e verdadeiramente comprometido com a segurança da sua população – o que não se vê nos Poderes Executivo e Legislativo, apoiados pelo Poder Judiciário brasileiro. Inversão total de valores, pois o sujeito não é mais um perseguido: é um criminoso, condenado, com trânsito em julgado.

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Estabeleceram-se outras legislações em complementação ao programa não declarado de fragilização da legislação penal, que não comportam análise neste momento.

Porém, não é possível falar em fragilização total do sistema penal sem considerarmos as “saidinhas” dos presos! Outro absurdo dos absurdos do sistema brasileiro, sem comparação com outros sistemas internacionais. O sistema tupiniquim é, sem dúvidas, o mais benéfico aos condenados, depois de analisarmos outros mundo afora.

As condições estabelecidas pela Lei 12.258, de 2010 sempre foram consideradas pífias, ineficientes e completamente sem controle estatal, tratando-se de um verdadeiro cumprimento de pena virtual, não real, pela total possibilidade de controle do Estado, significando, na prática, que o preso, embora tecnicamente preso, estava na rua, literalmente na rua, podendo praticar qualquer tipo de crime, contando com o álibi de que, se estava preso não teria condições reais de estar na rua!!! Pasmem, mas isso eu mesmo vi em processos criminais!!!

A monitoração eletrônica foi outra forma de esvaziar as penitenciárias, sendo que inúmeros casos de monitorações de cães e outros animais de estimação pulularam ao longo dos anos...

A Lei 12.433, de 2011, então, veio alterar substanciosamente o período para a remição da pena, criando inclusive o cumprimento de pena para atividades à distância, mas que é considerado como efetivo e real pagamento da pena. As “horas de estudo” criou outro ponto de fragilidade no cumprimento da pena, pela total ausência de fiscalização efetiva e real.

A Lei 13.694, de 2019, criou outra série criticável de condições abomináveis de saidinhas, embora conste desde sua criação a saidinha para

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“visitar a família” (ipisis litteris artigo 122, inciso I, da LEP). As saidinhas para visitas é uma excrecência histórica, juntamente com outras coisas ridículas colocadas pelo Poder Executivo e Legislativo, exclusivamente com a finalidade de favorecer determinados indivíduos específicos, embora não declarados expressamente esse desígnio, como a Lei Fleury.

7. A Lei 9.099/95 (Juizado Especial Criminal)

Em 1995 foi criada a Lei das Pequenas Causas Civis e Criminais, com a criação dos Juizados...

Esta foi uma das piores legislações brasileiras, efusivamente comemorada por juristas de primeira hora sob o esquálido argumento de “desafogar o Poder Judiciário”, o principal dignatário das medidas.

Na prática, houve a repaginação dos crimes, agora não mais divididos em apenados por detenção e reclusão, mas, sim, recriando a divisão dos delitos (gênero), nas seguintes espécies, que classificamos em: a) contravenções penais, b) os crimes de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima cominicada não fosse superior a 2 anos, nos quais nem mesmo inquérito policial e ação penal existiria, substituído por um simples termo de ocorrência policial; c) os crimes de médio potencial ofensivo, cuja pena mínima fixada para o tipo penal é igual ou inferior 1 ano, os quais, mercê da existência de inquérito policial e ação penal, não existiria a persecução penal, pela ínfima quantidade de pena mínima aplicável; d) os crimes comuns, que têm pena mínima superior a 1 ano, que seriam aqueles que poderiam sofrer ação penal e, finalmente, e) os crimes hediondos considerados aqueles previstos na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072, de 25 de julho de 1980).

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Sempre consideramos, e ainda considero, a Lei 9.099 e a Lei Fleury como os baluartes da total falta de temeridade do juízo criminal, desmistificando a aplicação da pena como medida intimadatória do não cumprimento de pena.

O professor das Universidades de São Paulo e Roma, Paulo José da Costa Júnior, em prefácio ao livro dos desembargadores Ricardo Dipp e Volney Corrêa Leite de Moraes Júnior, chamado nada mais nada menos de “Crime e Castigo, uma visão politicamente incorreta”, no ano 2002, afirmava que a intimidação da pena é um fator intimidatório da prática de infrações – quaisquer infrações – e citava o exemplo dos radares fincados nas rodovias. A reação daquele que vê um radar é o de diminuir imediatamente a velocidade que se encontra – mesmo que esteja dentro do limite de velocidade indicado – e concluiu o jurista: isto porque o medo da punição faz com que o sujeito não cometa uma infração. É intuitivo que o Direito Penal sempre foi considerado pelos doutrinadores como o último bastião da sociedade, sendo que a punição leva invariavelmente ao não cometimento do delito, eis que ninguém deseja prestar contas de suas condutas a qualquer pessoa, ainda mais a um juiz. Juiz este que tem o poder constitucional de punir. E com penas que devem ser suportadas pelo elemento que descumpre as regras estabelecidas a todos os demais indivíduos, cumpridores de seus deveres e obrigações. Assim, a descriminalização indireta dos autores de crimes, pela não persecução penal estabelecida na Lei 9.099/95 gerou uma insatisfação enorme nas vítimas, posto que estas simplesmente passaram a ser meras pessoas desprovidas de direitos em proteger os seus direitos violados.

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As vítimas passaram a necessitar oferecer representações para as condutas anteriormente perseguidas por meio de ações públicas incondicionadas à representação; além disso, outras situações esdrúxulas também foram adotadas, como, apesar das representações ou de oferecimento de queixas-crimes nos casos de ações penais privadas, mesmo apresentando as vítimas o maior desejo de ver o seu ofensor processado criminalmente, passaram estes ofensores a ser “protegidos” por uma legislação libertária, substituindo-se a pena por meras medidas inócuas. São incontáveis as reclamações de vítimas de crimes que são informadas por profissionais do Direito sobre a total inocuidade de oferecimento de ações penais privadas, ante os beneplácitos fornecidos pelos Poderes Executivo e Legislativo. Se só isso não fosse a enézima desconsideração com as vítimas, ainda, outras situações absurdas surgiram com a Lei 9.099/05. A suspensão condicional do processo e a possibilidade de aplicação de outras medidas não judicantes formaram a tônica das benesses da aludida lei, aplaudida de pé por aqueles que não desejavam trabalhar, por óbvio, inclusive com a sofismática alegação de “desafogar” o Judiciário, o que, frise-se, jamais ocorreu! Ao contrário, foi necessária a criação de novas Varas específicas para os pequenos delitos, com juízes específicos para tal finalidade, nas grandes comarcas brasileiras, sendo que as pequenas comarcas passaram a ter mais complicações com a necessidade de reestruturação por conta da nova forma procedimental, que serviu para atolar ainda mais o Judiciário com outros procedimentos específicos.

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8. Enquanto isso... em New York o prefeito Rudolph Giuliani determinou a aplicação da teoria da janela quebrada

Enquanto o Brasil apresentava a descriminalização indireta de vários crimes, chamados aqui de “menor potencial ofensivo”, também houve a criação daquilo que chamamos de “médio potencial ofensivo”, o recém-eleito prefeito de New York City, nos Estados Unidos da América do Norte, em 1993, o advogado e Procurador-Geral Rudolph Giuliani fez exatamente o contrário do que o Brasil aplicava aqui.

Rudolph Giuliani determinou ao comissário-chefe de polícia de New York, William Bratton, que agisse com rigor absoluto nos pequenos delitos, aqui incluídos a vadiagem, vandalismo, posse de drogas, combate à prostituição, recolhimento obrigatório de mendigos para abrigos, entre outras medidas, além de alterar duramente o patrulhamento pela cidade, a fim de intimidar a prática de delitos.

A esta atuação de rigor absoluto adveio da teoria da janela quebrada, apresentada em 1996, em Chicago, por James Q. Wilson e George Kelling, onde a aparência de abandono de um imóvel, como uma janela destruída, leva à sensação de abandono pelo próprio imóvel, levando ao incentivo de que novas pedras poderiam ser direcionadas à janela quebrada, posto que ninguém se interessaria em perseguir criminalmente o ofensor.

Em New York passou a se perseguir os pequenos delitos, para evitar que ocorressem grandes delitos. A ideia é muito simples, pois se coibindo a prática de pequenos delitos, pegando e punindo os pequenos infratores, não se deixaria aflorar as grandes infrações e os grandes criminosos.

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Enquanto em New York se perseguia os pequenos delitos e contravenções penais, no Brasil, ao contrário, houve total liberação dos pequenos delitos e contravenções penais, permitindo que estes ficassem impunes, gerando a sensação clara e inafastável de que o crime compensaria, no Brasil.

Certa ocasião, ainda como Promotor de Justiça, entrevistei um dono de banca do jogo do bicho numa audiência, que trabalhava com o escudo de loja de veículos usados como fachada, tendo o referido bicheiro alegado simplesmente o seguinte: “Doutor, agora que mudaram a lei, está muito mais fácil e simples resolver os problemas dos apontadores. Já levamos as cestas básicas no carro e já entregamos no mesmo dia no Fórum” (sic!). Pasmém, mas foi essa sensação apreendida pelos criminosos.

Noutra ocasião, no Fórum Criminal Mário Guimarães, em São Paulo, descia no elevador, quando entraram dois sujeitos conversando entre si. Me encostei no fundo do elevador e ouvi a conversa dos sujeitos: “Mano, então não tem mais processo. Show! Dá pra fazer outras fitas e nem ser processado.” (sic!). Pois é, foi isso que os Poderes Legislativo e Executivo criaram em 1995: a sensação de impunidade generalizada para os criminosos e a total falta de respeito para com as vítimas dos crimes “descriminalizados”.

Absurdo dos absurdos, mas foi isso que os Poderes Legislativo e Executivo fizeram com o Brasil, aplaudido de pé pelo Poder Judiciário!

9. Divisão de Turmas do Supremo Tribunal Federal

Outro absurdo incomensurável ocorrido, agora no Poder Judiciário, foi a divisão dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal em

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duas turmas julgadoras, as 1ª e a 2ª Turmas, com a finalidade de “desafogar” os processos represados na Corte Suprema.

Ocorre que não existe previsão constitucional para essa divisão na Constituição Federal, posto que os artigos 101 a 103 determinam que os julgamentos serão feitos pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, pelo órgão colegiado, formado por 11 ministros, como foi a escolha da população brasileira, quando da eleição dos constituintes.

Os legítimos representantes do povo brasileiro (preâmbulo) determinaram que o julgamento dar-se-ia pelo Supremo, órgão colegiado, e não por apenas alguns dos Ministros, que dividiram a competência constitucional de acordo com as vontades dos mesmos.

Ora, os julgamentos pela Suprema Corte deveriam ser, todos eles, realizados pelo plenário do Supremo e não por uma das duas turmas existentes, ao bel prazer de apenas alguns ministros que decidem as questões constitucionais sem a presença dos demais.

Isso é retirar da esfera constitucional os julgamentos tido e havidos como constitucionais.

E o que nos parece mais contagioso, ainda, é que os outros poderes da República, assim como o Ministério Público, a Advocacia Geral da União, a Ordem dos Advogados do Brasil, se calaramm de maneira reverencial, sem se levantarem contra a total inconstitucionalidade da divisão da competência constituição, feita por meio de simples Emenda Regimental. Mais ou menos como o síndico do prédio que dita ordens para o cumprimento de leis dentro de um condomínio.

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Não nos parece crível que a sociedade brasileira, elegendo seus constituintes, se verguem inertes contra a divisão interna corporis de matéria constitucional.

O alegado desafogamento do Supremo Tribunal Federal não se verificou, como também dezenas de outras decisões dos Poderes Executivo e Legislativo sobre centenas de outras leis criadas ao longo do tempo, cujos “motivos” se mostram de uma forma e as reais situações fáticas são muito diversas.

Com essa divisão de trabalho interna corporis o que se tem visto é um esvaziamento dos julgamentos pelo tribunal constitucional, passando a vigorar apenas opiniões pessoais de alguns ministros, inclusive sobre questões de absoluta importância para toda a segurança nacional.

Em realidade, o Supremo Tribunal Federal passou a ser uma série de ilhas de sabedoria jurídica isoladas e totalmente descentralizadas, não possuindo quaisquer matizes de coordenação jurídica única, contrariando o intuito do constituinte que desejou que as decisões da mais alta corte de justiça brasileira se desse, sempre, de maneira colegiada.

A decisão de um ministro impediu que a polícia atue contra o narcotráfico é a quintessência da interpretação isolada de defesa social!

Além disso, contrariando o mais amplo aspecto do consenso judicial brasileiro, o Supremo Tribunal Federal passou a contar com a presença dos seus membros nas mídias, opinando e dando declarações sobre processos que, futuramente, iriam decidir, como se fosse a coisa mais natural do mundo, contrariando os primados máximos de imparcialidade judicante, reinante em todo o mundo civilizado. E ninguém ousa levantar voz contra

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essas barbáries constitucionais! Minsitério Público, Advocacia Geral da União e Ordem dos Advogados do Brasil se quedam num silêncio sepulcral.

Assim, as turmas separadas, isoladas, não cumprem o papel constitucional apregoado pelos constituintes de 1988, posto que não possuem o ponto principal: ser colegial! Pouco importa os “motivos” que levaram à divisão. Os efeitos são catastróficos.

Acompanhamos centenas de julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal, através de sua turma de Direito Penal.

O número de julgamentos que não contavam com número ímpar de ministros foi impressionante.

Interessante é que, ao invés de se aguardarem a composição da Turma com o número ímpar de ministros, como seria o natural, mesmo porque haveria efetivo e real julgamento por parte do Supremo Tribunal Federal, simplesmente ocorreram diversas decisões que foram decididas por apenas quatro ministros, as quais, ao terminarem empatadas, sempre foram a favor dos réus; e, invariavelmente, o empate sempre foi, e sempre será, pro reo, ou seja, contra a sociedade e contra a vítima.

E nem o Ministério Público Federal nem os demais Poderes Executivo e Legislativo questionaram esses julgamentos, secundados pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Advocacia Geral da União, calando-se todos, mais uma vez, como se tudo fosse a ordem natural das coisas.

E, evidentemente, as decisões de apenas dois ministros, de um total de onze, valem mais que todas as outras decisões proferidas desde a primeira instância, por um magistrado, por três desembargadores, por cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça, invertendo-se completamente a ordem real da Constituição Federal, que nunca desejou que a decisão fosse

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dada por apenas dois ministros, mas, sim, pelo colegiado, que seria, no mínimo, cinco ministros em plenário.

A inconstitucionalidade é flagrante e indiscutível.

10. As medidas anti-prisões da Lei 12.403, de 04 de maio de 2011.

Se a fragilidade do sistema repressivo na sociedade brasileira já era fraquíssimo, agora, com a edição da Lei 12.403/2011 foi o caos.

Nascida do Projeto de Lei n. 4.208, de 2001, foi claríssima em dizer à sociedade brasileira: “A prisão cautelar só poderá ser decretada em último caso”, exatamente como disse uma ex-aluna do subscritor, em livro que escreveu e nos dado o privilégio de prefaciá-lo.

As alterações do Código de Processo Penal foram de tal magnitude, de tal importância para o endeusamento dos criminosos pegos em flagrante delito que fizeram com que a sociedade brasileira ficasse pasma com tamanha aberração legislativa. Agora, o sujeito pode ser preso em flagrante e tem o direito à prisão domiciliar (sic!!!), ou outras medidas tão esdrúxulas e repugnantes quanto estas, como proibição de sair de casa (sic!!!), não frequentar determinados lugares (sic!!!), etc. etc. etc. Situações bizarras!!!

Debalde o argumento último da aludida lei ser a adequação do texto infra-constitucional ao constitucional, o que se viu, em realidade desconcertante, foi a enorme benevolência – sarcásctica até – dos Poderes Legislativo e Executivo para com os “santos, presos em flagrante delito”!!! nas célebres colocações de um advogado criminalística.

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Aqui chegamos ao ápice do absurdum ad nauseam das portas dos cárceres escancaradas contra a sociedade brasileira.

Houve a reforma do artigo 313 do Código de Processo Penal, dizendo, agora, explicitamente nos crimes cuja pena máxima seja superior a 4 (quatro) anos (inciso I), se tiver sentença condenatória anterior transitada em julgado (inciso II), se houver violência doméstica, contra mulher, idoso, criança, adolescente, enfermo ou pessoa com deficiência (inciso III) ou quando não fornecer elementos necessários para sua identificação (parágrafo único).

Interessante notar que a redação original do artigo 313 do Código de Processo Penal de 1940 previa a prisão nos crimes inafiançáveis, ou quando tivesse sido anteriormente condenado por crime da mesma natureza, ou seja, independentemente do nomen juris que se lhe dessem delegado e promotor.

Esse mesmo dispositivo foi sendo abrandado ao longo da sua existência. Inicialmente, a Lei 5.349, de 03 de novembro de 1967, que lhe abrandou a situação e depois a Lei 6.416, de 24 de maio de 1977 foi mais brando, sendo que o inciso III já passou a fazer referência expressa ao artigo 46 do Código Penal, como forma de substituição da pena.

E agora, chegamos ao absurdo da Lei 12.403/2011.

Antigamente tínhamos os crimes afiançáveis (chamados de “se livra solto”) e os inafiançáveis (os quais os réus “não se livravam soltos”).

Como cartorário, quando comecei em 1976, tínhamos que decorar estas duas situações: livrar-se solto e livrar-se preso. Era a regra!!! Tínhamos que conhecer as tarjas dos dorsos dos processos: vermelha, para

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réu preso; azul, para menor de 21 anos; preta, preso por outro processo; duas tarjas pretas, prescrição próxima.

E impedia-se a concessão de fiança nos crimes punidos com pena máxima superior a dois (2) anos (inciso I, do artigo 323, CPP), ou pena mínima superior a dois (2) anos (inciso II, do artigo 323, CPP), nas contravenções penais de jogo do bicho, vadiagem e mendicância (artigos 58, 59 e 60 da Lei de Contravenções Penais), nos termos do inciso III, do art. 323, CPP, nos casos em que o réu já tivesse sido punido anteriormente por crime doloso e a nova possibilidade de punição prevesse a pena privativa de liberdade, mesmo depois da reforma do Código pela Lei 6.416 de 24 de maio de 1977.

O rigor do dispositivo de então era muito bom para a sociedade. Não era bom para os bandidos, claro.

Havia uma certa segurança e as pessoas tinham mais condições de sair às ruas mais tranquilas. Os muros das nossas residências eram bem mais baixos – quando existiam muros! As pessoas não precisavam se esconder dentro de condomínios, nem passar por três a quatro portões de ferro para entrar nos seus apartamentos.

Hoje, com a reforma da Lei 12.403, de 2011, simplesmente os criminosos são devolvidos, quase que imediatamente, para as ruas!

Voltam os policiais a plantar na cabeça das pessoas: a polícia prende, mas o juiz solta!

O que não deixa de ser verdade.

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Mas tanto o juiz como o promotor trabalham com a lei. E a lei é feita pelos representantes legais do povo. No caso, os deputados, senadores e presidente, que têm o condão de pensar aquilo que o povo pensa e almeja.

Porém, o festival de benesses não param por ai.

11. A Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019 e Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)

Se não bastasse todos os problemas já apresentados – outros milhares existem, tenham ciência – não sendo crível o que o Congresso Nacional fez com o chamado “Pacote Anti-Crime” de autoria do então Ministro da Justiça Sérgio Fernandes Moro, contando com a ampla elaboração do então Procurador da República Deltan Dallagnol, que fizeram muito bem à nação brasileira, mostrando os descalabros do crime organizado dentro das instituições políticas brasileiras.

Foi constrangedor assistir à promulgação de uma legislação que, no discurso previa a maior punição de criminosos, mas, no entanto, nos bastidores dos apagar das luzes congressistas, as alterações legislativas chegaram a prever a não mais persecução penal dos criminosos, mediante acordo celebrado entre o acusador e o criminoso, sob os olhares perplexos das vítimas.

Esta é a legislação brasileira atual.

E agora, toma-se como ponto inicial a pena mínima cominada de 4 (quatro) anos. Mas não podem ter violência ou grave ameaça.

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Pois bem, analisando detidamente os crimes da legislações penais praticamente TODOS os crimes possuem penas mínimas inferiores a quatro (4) anos.

O roubo e a extorsão, possuem as penas mínimas de 4 anos.

O homicídio, de 6 anos.

O resto é resto!

Até o estelionato, hoje, depende de representação do ofendido.

12. A polícia. Divisão esdrúxula e secular.

O presente ponto renderia algumas milhares de páginas, outras centenas de milhares de argumentações sociais e científicas, mas que não cabem nesta pequena radiografia do recrudescimento da violência urbana brasileira, produzida pelos Poderes Legislativo e Executivo.

Sem sombra de dúvidas, a dicotomia de polícia preventiva e polícia judiciária tornou-se a maior balela já vivenciada num país que se quer ter como desenvolvido e civilizado.

Os números estão aí. Os fatos estão aí, no dia a dia de todos.

Enquanto prevalecer os monopólios, ou feudos, como preferimos chamar, das investigações e áreas de atuações, o Brasil não sairá do atoleiro a que se meteu. Podem dizer o que for. No entanto, o país trabalha de forma arcaica, artesanal, prosaica, sem interligação de fatos, sem a intercomunicação das polícias, sem um só único setor inteligente, sem um único só sistema de alimentação de dados. Há raríssimas exceções.

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Lembro-em ainda jovem promotor em Tatuí, em 1989, em que um sujeito nordestino foi preso por ter matado uma pessoa e dizia que não voltaria para a prisão do Nordeste, porque dizia que já tinha matado outra pessoa. No dia seguinte, se matou enforcado.

Foram meses e meses para se descobrir onde teria ocorrido o crime, que ao final restou provado que o sujeito era egresso do sistema prisional do Nordeste, de onde havia se evadido.

De lá para cá pouco, ou quase nada se modificou, muitas vezes as polícias sendo obrigadas a contar com “colaborações” das vítimas e empresários, até mesmo para cumprir suas obrigações mínimas.

Como ter segurança num país assim?

Enquanto isso, o crime organizado está cada vez maior e mais organizado, associando-se com máfias internacionais e se armando e dominando cada vez mais.

E nem o Poder Executivo e muito menos o Poder Legislativo se mexem para modificar essa balbúrdia instituída no país, mostrando que os próceres estão muito satisfeitos com toda a anarquia social brasileira.

13. O Ministério Público.

O Parquet, outrora jungido ao grande salvador da nação brasileira, voltado para a defesa da sociedade como um todo, buscou nos anos 1980 uma luz própria, que pudesse permear sua “vocação para o bem social”, independentemente de quem estaria do lado de lá, mas que, pouco a pouco, vem perdendo força na própria sociedade civil que o abraçou tempos atrás.

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O ápice da atuação funcional, podemos dissertar, sem temor, está na edição da lei da ação civil pública criada lá atrás em 24 de julho de 1985, pela Lei 7.347, que teve o condão de transformar o Ministério Público no grande guardião da sociedade brasileira.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 viu seus anseios internos se transformarem para a sociedade e, logo em seguida, passou a demonstrar sua força, sua garra, sua iniciativa, batendo de frente com quem quer fosse.

Foram inúmers iniciativas renomadas e aplaudidas do Parquet, símbolo máximo da austeridade, da descência, da competência e do dinamismo, formado praticamente por jovens de classe média e média baixa, mas idealista e dispostos a mostrar que os constituintes não estavam errados ao elevá-los à guardiães da justiça!

Assim, além das atribuições criminais que sempre lhe foram cominadas, tinham outras inúmeras áreas de autuações a agir, não se descuidando de suas obrigações constitucionais seja na defesa ambiental seja na defesa do consumidor, seja nas brigas com os planos de saúde, da defesa do patrimônio público, saúde pública, idosos, etc. etc. etc.

No entanto, é exatamente essa enorme área de atuação que faz com que o Ministério Público atual se perca de vez no cenário político nacional, pois claramente não vem dando condições de exercer as suas funções com a mesma competência e brilho do passado; embora hoje tenha muito mais condições materiais de trabalhar, com muito mais braços para enfrentar os problemas que lhe são passados; tenha tecnologia a seu dispor, infelizmente, vemos os membros do Parquet se perderem ao longo das suas empreitadas.

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Temos visto que, os mais jovens principalmente, não entenderam a grandeza da instituição e acabam por se tornar menos atuantes, mais cautelosos ao extremo e, perdendo-se em incontáveis auxiliares para lhes fazer as vezes, mercê das estruturações mirabolantes que estão sendo aparelhadas as Promotorias brasileiras.

O que era para ser o apoio, hoje, está se transformando em verdadeiros “policiões” onde a figura do membro do Ministério Público está cada vez mais distante do povo, da população, dos anseios sociais, das lutas necessárias de se manter, cada vez mais próximo de suas próprias estruturas montadas e das suas burocracias internas, permeadas de eleições e mais eleições para se votar em todos os cargos da instituição.

Estamos assistindo a uma degringolação anunciada há tempos, sem sermos ouvidos, que eclodirá nas figuras de outros entes mais afinados com a população brasileira.

14. A Advocacia Geral e as Defensorias Públicas.

As irmãs siamesas passaram a se destacar ao longo das décadas pelas suas atuações públicas, embora a advocacia geral pertença ao setor público, por excelência e a Defensoria Pública ao setor privado, ao hipossuficiente, mas, também, defendendo a causa pública, quando necessária.

Em especial as Defensorias vêm alcançando enorme papel de destaque na sociedade brasileira, crescendo ao lado do Ministério Público com a incumbência de defender os interesses sociais, grosso modo, passo a abocanhar grande parte da então reserva destinada ao Parquet.

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Seu crescimento vertiginoso é essencial para a defesa dos interesses mais amplos, mostrando-se cada vez mais à sociedade brasileira e vindo a demonstrar que têm condições de ser o novo ator político social.

Porém, em termos criminais sempre trabalham na contra-mão da defesa da sociedade, mesmo porque todos os criminosos são obrigados a ter defesa técnica nos autos, sob pena de nulidade total e injusta absoluta na cominação da pena. Inadmissível punição sem defesa.

Entretanto, seus pares têm exercido muito mais do que simples defesas técnicas, pairando em postulações que desdobram as raias do normal, tentando forçar a criação de teses, inaceitáveis de proêmio!

Talvez, também, não se tenham dado conta da importância histórica nacional e, principalmente, a importância dos cargos que estão a vergar, caindo para os raios da impunidade absoluta, o que é inaceitável num país democrático de direito.

A Defensoria Pública deveria exercer o papel de defesa dos interesses das vítimas, buscando se aparelhar melhor para oferecer às vítimas a efetiva e real defesa de seus interesses, diante dos crimes cometidos, em especial atuando pela, e ao lado, da vítima. Mas isto não ocorre porque a defensoria pública está muito mais interessado na defesa dos criminosos do que atuar em favor das vítimas, infelizmente.

15. CONCLUSÃO LÓGICA: O fundo do poço.

O fundo do poço costuma ser uma tentativa de dizer que nele chegamos e dele precisamos sair.

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Entretanto, penso que o fundo do poço já fora encontrado há muito tempo e nele já chegamos décadas passadas, sendo necessário e urgente rever os conceitos que nos fizeram o país da impunidade.

Nestas pequenas ideias, procuramos traçar historicamente algumas das razões e os motivos que nos levaram a chegar ao fundo do poço. Não foi o trabalaho de um grupo, mas, sim, de vários grupos, ao longo de décadas e décadas de modificações dos Código Penal e Código de Processo Penal, erodindo o chão à nossa volta, aos poucos, em pequenas pinceladas, sutís e quase imperceptíveis, chegando ao caos social que hoje enfrentamos na sociedade brasileira.

Não podemos dizer que foi o partido A, B, ou C.

Foram todos os partidos, independentemente da coloração ideológica que possuem. Cada um à sua moda, ao seu jeito, à sua necessidade e à sua possibilidade de alterar os temores maiores do criminoso, dando-lhe todos os caminhos possíveis para manter-se em liberdade.

Ninguém se preocupou com a vítima! Só com o bandido!

E como a legislação é o reflexo daquilo que a sociedade pensa num determinado tempo e lugar (Sociologia do Direito, Henry Lèvy-Bruhn) hoje podemos pensar que tudo o que foi feito desde lá atrás, com minimalização da punição, fez com que o Brasil se torna-se o país da impunidade, o país das oportunidades pela prática dos crimes.

Desde a promulgação da famigerada Lei Fleury, passando pela Lei de Pequenas Causas Criminais, mais as demais leis descriminalizadoras indiretas, juntando-se com todas as leis processuais

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exclusivas a favor dos bandidos, fica clara a falta de vontade de defesa da sociedade.

E, neste ponto, todos são culpados, sem exceções: membros dos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, Polícias, Defensorias, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Advocacia Geral da União!

Todos, cada um à sua maneira, comissiva ou omissivamente, contribuem diariamente para que a sociedade brasileira fique cada vez mais desguarnecida, mais à mercê dos criminosos e das organizações criminosas, sem que se ergam vozes sensatas capazes de modificar tudo o que está aí.

Evidentemente, podemos dizer, hoje, sem pestanejar, que o crime compensa!

Arthur Migliari Júnior

OAB/SP n° 397.349

sábado, 11 de julho de 2020

EMPRESÁRIO: COMPREENDENDO OS PERCALÇOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL


Nestes tempos de recessão econômica violenta que estamos passando, aparecem aos empresários no mercado de trabalho os “senhores solução de todos os problemas”, aqueles que sabem tudo, que conhecem tudo, que lhes dão “dicas”, que “sugerem os melhores caminhos”...
E, invariavelmente, mesmo sem nunca ter tocado uma recuperação judicial, dão aos empresários a senha, a música para os seus ouvidos, aquilo que eles precisam no momento: rolar a dívida por, no mínimo, um ano e meio... com uma recuperação judicial.
Parece que é a melhor coisa do mundo! Os empresários precisam exatamente disto neste momento: rolar a dívida, conseguir fôlego para acabar com os seus problemas imediatos! É, aparentemente, algo que todos gostariam: uma moratória para se recuperar e tornar ao combate (tournaround). Excelente ideia.
Porém, o que os especialistas não explicam detalhadamente aos empresários, é que a Lei de Recuperação de Empresas tem uma série de ‘pegadinhas’ que excluem vários credores da empresa do processo de recuperação judicial, principalmente os bancos, que contam com garantia especial das dívidas e, portanto, estão fora do processo recuperacional.
Também não contam que outros créditos não entram na recuperação judicial, como aqueles que são feitos durante o processo de recuperação judicial.
Também não contam para o empresário que o seu rating no mercado bancário cairá de B, C... para H, ou seja, do dia para a noite, os bancos simplesmente cortam todo e qualquer crédito da empresa em recuperação judicial e o empresário não terá dinheiro nem para pagar as despesas do cafezinho.
Também não contam que as dívidas fiscais continuam em vigor, correndo em separado. E o pagamento dos tributos também continuarão incidindo.
Isto sem contar que toda e qualquer operação da empresa, agora, em recuperação judicial, passará pelo crivo judicial, por meio do administrador judicial nomeado – que por sinal poderá receber algo em torno de até 5% (cinco por cento) do valor do débito declarado pela empresa em recuperação judicial.
Também não contam os “entendidos” que o processo de recuperação judicial terá que ter um plano de recuperação judicial muito bem elaborado para que possa ser votado numa assembleia geral de credores.
Essa assembleia geral de credores é um encontro com os credores, divididos em 4 (quatro) classes, prontos para votar o destino e o futuro do empresário em recuperação judicial, inclusive com a possibilidade de votarem um plano alternativo ao apresentado pelo empresário, podendo até dispor sobre a retirada do empresário do seu negócio e passar a empresa para terceiros. Isto é plenamente possível!
Só que os “entendidos” não contam essas “coisinhas simples” dos percalços da recuperação judicial, antes de fazer com que o empresário contrate o “advogado conhecido do entendido”, o “advogado especialista no assunto” para entrar com a recuperação judicial.
Portanto, empresário, cuidado ao pensar em recuperação judicial.
A recuperação judicial é uma hipótese que deve ser bem pensada, bem discutida, bem analisada com pessoas que efetivamente conheçam o assunto e tenham plena vivência na área recuperacional.
O mercado está repleto de especuladores e palpiteiros, muitos que nem sabe como gerenciar e montar um processo recuperacional seguro, com a divisão de tarefas, dentro e fora da empresa, com um plano organizado a ser seguido, inclusive com a possibilidade de surgir, no meio do caminho, um plano B, para solucionar problemas não relacionados anteriormente, ou não percebidos naquele primeiro momento.
Enfim, há os efetivamente entendidos no assunto e há os bisbilhoteiros!
A ARTHUR MIGLIARI CONSULTORIA E ADVOCACIA conta com profissionais da área, capitaneados pela minha pessoa, que foi um dos autores da legislação recuperacional, contando com vários livros na área e co-fundador dos maiores institutos de pesquisa, análise, discussão e soluções para as empresas, independentemente do tamanho da empresa. Temos um perfil voltado para todos os seguimentos do mercado e parcerias com outros profissionais tão qualificados como nós.
Não entre em recuperação judicial, sem necessidade.
Venha nos procurar.

terça-feira, 24 de março de 2020

EMPRESARIO, ECONOMIA, PANDEMIA, ANOMIA, E ELES, OS JUIZES



EMPRESÁRIO, ECONOMIA, PANDEMIA, ANOMIA, E ELES, OS JUÍZES




Nestes dias de confinamento obrigatório para todos os brasileiros, por conta da pandemia do coronavírus (ou Covid-19) – que já era conhecido dos meios científicos, mas, nos parece, sofreu mutação e transformou-se rapidamente nessa capacidade destrutiva, jamais vista no cenário mundial – tenho recebido muitos e-mails,  mensagens, ligações de empresários, contadores, empregados de empresas, todos desesperados com a situação econômica e a perguntam-me sobre as perspectivas futuras, para todas avassaladoras.
Destas consultas que pululam diariamente, praticamente, surgem especulações de todos os vieses e natureza, desde conspirações de criações dos vírus em laboratórios e aleatoriamente dissipados no mundo, até as mais remotas organizações criminosas dispostas a acabar com o mundo.
Enfim, o momento é de total terror e qualquer coisa que se fale a respeito, por ora, é mera especulação, sem provas, mesmo porque a colheita destas, neste momento de exceção, é muito difícil, ou praticamente impossível.
Vale apenas o registro, nada mais.
D´outra banda, o que assusta a todos, sem exceções, é a economia brasileira, fragilizada há muito tempo, não importando aqui estudar os motivos e os autores, mas apenas as consequências de tão nefasta situação a que estamos submetidos.
Em realidade, a economia brasileira sempre foi sujeita a solavancos e jamais resistiu a qualquer intempérie alienígena, seja por conta do petróleo, seja por guerras, que nós, brasileiros, não a lutamos, seja pelos desconfortos de ataques terroristas, de secas ou enchentes nos mais longes recônditos do planeta.
A economia nacional sempre se pautou pelos juros altos e total falta de seriedade com a coisa pública, onde apenas os governantes do Executivo e seus asseclas dos Legislativo, sempre foram os únicos beneficiados, além de muitos membros do Judiciário, ávidos em perpetuar seus nomes na memória forense, com construções faraônicas e modificações integrais de determinadas maneiras de agir, sempre gastaram muito mais do que podiam.
A situação era de simples equação, pois juros elevados sempre atraíram capitais estrangeiros, depositados nos bancos privados, com taxas magnânimas para os de fora, enquanto corroíam as economias nacionais com os juros extorsivos à indústria nacional e aos incautos tomadores de dinheiro, alienados dos problemas reais.
Aliado a isso, forte propaganda para que o brasileiro deixasse o dinheiro na caderneta, como forma de contenção de dinheiro, para os ‘programas sociais’, que deveriam ser realizados. Junte-se a isso os prêmios fantásticos para um ou outro, proveniente de jogos de azar – que incoerentemente o país se nega a legalizar – enquanto os demais países da América latina o tem abertamente.
No entanto, gastou-se ao longo de sempre muito mais que conseguiam guardar os diversos governos populescos, não apenas os de agora, mas os militares também, com construções faraônicas e propagandas histriônicas, pegando o dinheiro de qualquer lugar, fazendo obras que nunca foram terminadas...
Quando da elaboração da Constituição Federal a demagogia reinou ao seu bel prazer, criando direitos aqueles que jamais constituíram um único centil para a economia, permitido aos mesmos tirar fatias do bolo, sem nunca ter colocado um só ingrediente.
Afora as benesses com assalariados, funcionários públicos das três esferas de Poder, sendo o pagamento de férias com um terço a mais nos rendimentos uma das maiores fantasias do Planeta.
E tudo sobrecarregando aqueles que trabalhavam e acreditavam em um país melhor: o empresário.
Qualquer benefício criado a mais, para manter os milhares de empregos decorrentes das ideias mais absurdas do mundo imaginário seriam acrescidos nas folhas de pagamentos. São milhares, mas apenas para exemplificar: sistema “S”, sindicatos, PIS-Cofins, FGTS, fora os impostos normais das três esferas de governo.
De todas as especiais criações mirabolantes, ainda, teve a CPMF sobre os cheques, nítida tributação em dobro, debalde honrosas opiniões em contrário.
Ora, um Brasil com tantos tributos poderia ser, sinceramente, um país melhor. Porém, outro mal que sempre assolou o país foram os assaltos aos cofres públicos.
E, também, dos bolsos privados. Não nos esqueçamos!
Não me refiro à Lavajato, de tempos atuais, mas das histórias tidas como, digamos, pitorescas, como aquela frase imortal: “é imoral, mas é legal” de centenas de profissionais, públicos e privados; do “rouba, mas faz”, da secretária do médico que pergunta, sem qualquer constrangimento: “com recibo ou sem recibo?” entre outras que o leitor fatalmente saberá declinar de cor e salteado. Alie-se a isso o famoso “jeitinho brasileiro” para demonstrar a situação de penúria moral de um povo mal educado e corrupto por natureza!
A pandemia chega neste país pós-Copa e pós-Olimpíadas, que se revelaram fontes de muitas riquezas para alguns, em detrimento de milhões!
A economia em frangalhos, pessoas desesperadas com o que acontecerá amanhã, o que fazer hoje, dentro de suas casas, assombradas com o futuro e, principalmente, se amanhã haverá dinheiro para pagar a conta corrente do dia a dia, dos boletos que estão chegando, da impossibilidade de socorro imediato.
A dura realidade é que poucos têm esperanças para o day after do fim da pandemia, diante de um processo tenebroso pelo qual o país está vivendo, onde falta saneamento básico, falta o mínimo necessário para a grande maioria das pessoas, que imaginamos, por não ter para onde correr e se socorrer, estarão aptos à anomia como uma forma de suprir seus desejos primários, sendo iscas fáceis a se aliarem ao ilícito e incorreto.
Ao contrário do Estado, que é extremamente lento em tomar decisões, o crime organizado é célere e a resposta é imediata, no mais puro padrão das Leis de Talião, ou até mais severas.
Fora das leis do Estado a anomia se sustenta por uma lei, não escrita, que poderíamos chamar de dever de lealdade ao sistema, demonstrando com isso que as regras não precisam ser discutidas e analisadas, bastando a cabeça de alguns para o comando dos demais. É aceitar ou aceitar! Sem meio-termo.
No meio de tudo isso está o empresário, ainda convicto de que conseguirá sair de mais uma crise, até a chegada da próxima. E, poderíamos dizer um lugar comum: o empresário, no Brasil, é um forte, pois sofre ataques de todos os lados – legais e ilegais, gizem-se – sejam dos cofres públicos, sejam dos funcionários públicos corruptos, sejam seus próprios colaboradores, sejam de todas as maneiras possíveis e inimagináveis, correndo riscos diariamente.
Destacamos mais uma crise posto que, desde quando o Brasil é Brasil sempre e sempre vivenciou crises das mais diferentes colorações e graduações, sendo que os governantes brasileiros sempre estiveram no centro dessas crises, muitas vezes pelas suas próprias palavras e ações pouco inteligentes.
Agora vivemos a crise pandêmica. Os empresários estão em polvorosa sobre o que farão, eis que são obrigados a fechar seus estabelecimentos por conta do contágio. Isto gera a não circulação de riquezas, e, por consequência, o não recebimento de valores, com inúmeras contas para pagar, algumas já roladas de tempos anteriores.
A situação é extremamente crítica. Muitos já nos aventaram as hipóteses de proposituras de recuperação judicial e recuperação extrajudicial. Consultas várias!
Aí, caímos no último personagens deste artigo: eles, os juízes.
Tirante alguns bem preparados para as recuperações judiciais, infelizmente, desde 2005 temos visto que, a enorme maioria, não tem preparo suficiente para suportar procedimentos recuperatórios, por uma série de situações.
Primeiro, porque não existe uma especialização da matéria nos bancos escolares, que é literalmente ministrada no meio de outras matérias de Direito Empresarial – o qual lecionei por várias décadas – mas sem tempo adequado, eis que as faculdades têm pressa de mostrar tudo aos alunos, mesmo que sejam de an passam.
Os concursos públicos são telegráficos nessa matéria, sendo raros os especialistas na matéria quando dos exames.
Alie-se a isso tudo o fato de que os juízes não possuem especialização nesta matéria nem mesmo nas Escolas Superiores das Magistraturas, onde são preparados para a judicatura.
Está formada uma tríade de verdadeira ojeriza com a matéria sumamente importante para a economia nacional, sendo que o procedimento, no interior do país, se dissipa em questiúnculas de somenos, com a falta de preparo daqueles que deveriam conduzir os processos mais importantes que possuem em mãos. E a falta de preparo aqui, deixe-se claro, não podemos dizer apenas jurídica, mas, infelizmente, também, falta de cultura geral, da equidistância dos problemas sociais e mundiais.
Assim, este magistrado que passou num concurso público com todas as loas, porém, não é um sujeito preparado para o difícil mister de entender o caráter social da questão empresarial.
Este é o perfil do magistrado que é lançado nas comarcas pequenas, onde o magistrado é juiz faz-tudo, desde problemas de infância e adolescência até homicídios, passando pelas brigas de casal, ambientais, criminais, possessórias, eleitorais, até questões tributárias. Não se familiariza com a recuperação judicial por excesso de trabalho.
Nas comarcas maiores, alguns juízes, que jamais trabalharam com processos de enorme repercussão social simplesmente mantém concepções equivocadas de que os empresários são pessoas do mal querendo dar golpes.
A experiência da cidade de São Paulo de remeter todas as falências antigas para uma única Vara na Capital foi um desastre! O que era ruim ficou péssimo. Os processos que não andavam, pararam de vez. Um despacho leva meses para ser proferido. Até o simples “digam” se eterniza nos pacotes de papéis velhos.
E a regionalização dos processos será um transtorno ainda maior do que aquele vivenciado no Estado do Espírito Santo, com a famigerada “Vara do PIB”, que se mostrou muito pior com a concentração de poderes nas mãos de um só juiz, por questões lógicas dessa situação anômala.
Tudo isso, diga-se de passagem, sem contar com a indiscutível quebra do princípio constitucional do juiz natural do feito, eis que, segundo regra secular, a distribuição a um juiz deve seguir até o final do processo.
Vivemos esses tempos difíceis”, frase comum, mas sempre atual.
E os empresários vivem um tempo extremamente muito mais difícil, mesmo porque terão que suportar todos os inconvenientes da economia depauperada, da anomia social de seus funcionários, da falta de dinheiro na praça, das contas atrasadas, e, ao buscar socorro do Judiciário, infelizmente, encontrará magistrados despreparados, extremamente distantes da realidade dos empresários, culturamente fracos e previamente absortos em pensamentos contrários aos empresários.
Porém, nos parece bastante claro que o caminho da recuperação judicial é o único previsto para este momento crucial da economia nacional, mesmo porque o prazo do stay period do ajuizamento da recuperação judicial fará com que o empresário tenha o fôlego necessário para equilibrar suas contas.
Outros empresários estarão na mesma situação e deverão seguir o mesmo caminho, sendo certo que poucos sobreviverão a esta crise mundial sem o auxílio do Poder Judiciário.
O grande entrave, nos parece, é a preconcepção tosca e totalmente alienada do meio empresarial atual, no sentido de que os empresários são, por natureza, inconfiáveis, mesmo porque podemos afiançar que a sua esmagadora maioria tem a noção exata de sua responsabilidade social e seu prestígio no seio da sociedade, buscando, sempre, o caminho do melhor para a comunidade em que vive.
A concepção dos juízes sobre os empresários deveria ser exatamente o contrário. Aquele que bate às portas do Judiciário o faz somente na última barricada de defesa social, quando outros meios não se tornaram suportáveis e capazes de erodir os problemas que estão ao seu derredor, mesmo porque a morosidade e letargia judicial são uma marca indelével do “custo-Brasil”.
Felizmente, entretanto, para os juízes pouco qualificados encontramos uma segunda instância, principalmente no Estado de São Paulo, qualificada e consciente dos problemas que afligem o país, antes mesmo da pandemia, sempre encontrando eco nos percalços pelos que passam os empresários, dispostos a minimizar os dilemas empresariais.
A realidade hoje vivida no país é de uma segunda instância estável, não obstante a rotatividade de cargos, sempre atuando com compreensão dos problemas empresariais, mostrando que o homem magistrado deve estar conectado com os problemas sociais de sua época, conciliando os inúmeros desarranjos sociais, aplicando o Direito dentro das regras de pacificação de problemas.
Oxalá tenhamos demonstrado neste momento que passamos e pensamos focar em várias áreas sanitárias que a economia será irremediavelmente abalada e precisaremos encontrar um Judiciário focado na solução de problemas, deixando pequenas mazelas de lado, buscando a melhor saída para o social, sendo que o emprego é um dos melhores remédios para o bem comum.

Arthur Migliari Júnior
Advogado – OAB-SP n. 397.349
Promotor de Justiça de Falências de São Paulo aposentado
Mestre pelas Universidade São Francisco e PUC-São Paulo.
Pós-graduado pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Law).
Doutorando pela Universidade de Coimbra – Portugal.
Professor universitário e de pós-graduação
Integrante da Comissão Jurídica do Ministério Público do Estado de São Paulo, para analisar, discutir e apresentar sugestões ao Projeto de Lei nº 4376/93, da Câmara dos Deputados – atual Lei de Recuperação de Empresas e Falências.
co-Fundador do Instituto Nacional de Recuperação de Empresas (INRE)
co-Fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR)
co-Fundador do Tournaround Management Association of Brazil – (TMA-Brazil)
co-Fundador da Revista Eletrônica de Direito Recuperacional e Falências.
Conselheiro da Revista Jurídica Justitia, revista jurídica e acadêmica do Ministério Público do Estado de São Paulo e Associação Paulista do Ministério Público (2014-2016 e 2017-2019). 
Membro da Comissão de Falências e Recuperações de Empresas do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo.
Membro do Insol Internacional especializado em recuperação de empresas e falências.
Jurista premiado com o Mérito Internacional da Justiça, outorgado pelo Centro de Estudos do Direito Europeu.
Jurista premiado com a Excelência Jurídica Internacional, outorgado pela Rede Internacional de Advocacia de Excelência.
Autor da obra “Curso de Direito Empresarial” em 3 volumes: volume I - Direito Empresarial. Conceitos e Sociedades Empresariais; volume II - Contratos Mercantis e Contratos Internacionais; volume III - Títulos de Crédito. Editora Malheiros – 2018)