domingo, 7 de abril de 2013

Crimes contra a Propriedade Imaterial


DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL:


Os crimes contra a contra a propriedade imaterial encontravam-se inicialmente descritos no Título III do Código Penal brasileiro, sendo que no Capítulo I se sustenta, ainda, os crimes contra a propriedade intelectual, ao passo que o Capítulo II do Código Penal acabou por ser totalmente derrogado pelo Código de Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 14 de maio de 1996), que criou novos mecanismos legais e tipos penais específicos.

Assim, se pode dizer que atualmente os crimes contra a propriedade imaterial se dividem em crimes contra a propriedade industrial (Lei 9.279/96) e crimes contra os direitos autorais, conforme previsto no artigo 184 do Código Penal.

Tal tipo de proteção encontra amparo na própria Constituição Federal, a qual estabeleceu alguns princípios constitucionais sobre a própria valorização da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III), defendendo seu livre arbítrio para criar e escrever, e, ainda, ao dizer, no inciso IV que um dos fundamentos basilares da soberania brasileira é a preservação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Se só isso não fosse o suficiente, ainda, em diversas passagens do art. 5º da Constituição Federal, no que tange aos direitos e garantias fundamentais, estabeleceu dezenas de situações permitindo a livre iniciativa e a liberdade de criação e sua preservação (incisos I, II, IV, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, etc.).

Mais adiante, a Constituição Federal volta a preservar a livre iniciativa e o direito de criação e sua conservação e utilização, ao estabelecer novo pacto, agora no Título VII, quando trata da Ordem Econômica e Financeira (arts. 170 a 181), reafirmando, por exemplo, no próprio caput do art. 170 o seguinte: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames a justiça social, observados os seguintes princípios” (grifos nosso).

Ora, o legislador constitucional estabeleceu os critérios basilares de uma justiça social, calcando-se na livre iniciativa como fator primordial do estabelecimento de liberdade de criar, agir, inventar, preservando, assim a vontade de que as pessoas tenham o interesse em movimentar toda a ordem econômica, valorizando o trabalho humano e, principalmente, a liberdade de iniciativa privada.
E, os princípios constitucionais não param por aí, pois nos incisos seguintes destacam-se os motivos pelos quais levou o constituinte a continuar a preservar a liberdade de criação[1]. Merecem destaque, evidentemente por seu cunho constitucional os princípios da defesa da propriedade privada e o da livre concorrência, base para a penalização das condutas descritas nas leis especiais, cominando penas para esse desrespeito constitucional.

Desse sentir, o Brasil passou a valorizar o trabalho e a liberdade de produzir, protegendo aqueles que se prestam a inventar no Brasil, no sentido de manifestação do espírito da criação.

No entanto, é imperioso destacar que o ‘inventar’ é uma palavra equívoca e poder ser tomada em diversos sentidos.

Em termos gerais, a invenção comporta três (3) concepções distintas, pelo menos, envolvendo vários ramos do direito, sendo que se destacam os pontos de contato para a caracterização da proteção brasileira:

Ø  Direito Civil, genericamente considerada
Ø  Direito de Programas de Computador
Ø  Direito Industrial – Código de Propriedade Industrial

Ainda, outros diplomas legais passaram a cuidar da proteção da invenção, as vezes por maneiras transversas, como se vê do Decreto 5.244, 14/10/2004, que criou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intectual, e que veio a estabelecer exatamente o que é pirataria, no seu art. 1º, parágrafo único do Decreto 5.244/2004, in verbis: “Entende-se por pirataria a violação dos direitos autorais de que tratam as Leis 9.609 e 9.610, ambas de 19 de fevereiro de 1998.”

Porém, se deixou de lado a pirataria mais evidente que é aquela que protege a propriedade industrial, mas que se encontra presente na Lei 9.279/96, intitulado de Código de Propriedade Industrial, que é uma norma penal híbrida, envolvendo vários ramos do Direito, como o Direito Comercial (ou Direito Empresarial), em face da propriedade industrial, o Direito Civil, devido ao direito autoral, agora tomado em sentido mais aprimorado como o da propriedade industrial e o próprio Direito Penal, que estabeleceu, na repressão penal, norma penal em branco, cuja complementação depende da própria legislação específica.

Porém, é mister se fazer a distinção entre Direito Autoral (previsto nas duas leis específicas – 9.609/98 e 9.610/98) e Propriedade Industrial.

Por Direito Autoral deve se considerar como sendo as criações do intelecto, do espírito, que inicialmente só existe na concepção do autor. Não há produção industrial. Ex.: obra de arte, música, livro, etc. O direito autoral está protegido penalmente no art. 184 do CP, com a redação da Lei 10.695/2003 – alteração para “obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa”.

De outro lado, Propriedade Industrial, embora também sejam criações de um intelecto, podem ser produzidas em larga escala mercantilista. 

Feitas essas digressões necessárias vejamos cada um dos crimes.

CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTECTUAL

Violação de Direito AutoralArt. 184 do Código Penal

O tipo penal é a violação de direito do autor, que, como visto anteriormente, trata-se de uma “norma penal em branco”, cuja complementação encontra-se descrita na Lei 9.610, de 19/02/1998. Trata-se, em realidade de violação do direito de personalidade do Código Civil de 2002, estabelecido nos arts. 18 a 20. Vale notar que não existe qualquer correspondência da presente disposição em relação ao Código Civil anterior, tratando-se de norma estabelecida a partir da correta intelecção do tema, por força da Lei 9.610/98.

Por sinal, o próprio Código Civil de 2002 estabeleceu a exceção de empresário no art. 966, parágrafo único, do Código Civil, dizendo que “não se considerado empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.

Desse modo, deve se entender que o direito autoral implica em duas situações díspares, mas que se convergem: não é desempenhado por empresário, salvo se o fizer por meio dos elementos que constituem uma empresa (1) e deve ser uma manifestação espontânea do criador, caracterizado pelo ineditismo (2).

A Lei 9.610/98 veio a estabelecer, ainda, o que se deve entender obras intelectuais, que são protegidas pelo art. 7º, ou seja, “as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.

Logo em seguida passa a descrever a enorme quantidade de situações que permite a proteção especial do inventor, devendo ser interpretada a legislação especial – e, por conseguinte, a repressiva – a favor do inventor (ou autor intelectual), lembrando, de outro lado, que se trata de norma generalista, não caracterizando numerus clausus, mesmo porque se utiliza da expressão vaga “tais como” e em várias passagens usa norma genérica para demonstrar a proteção legal, o que reforça a tese da generalização.  

A proteção abrange, pois:

“I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III – as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por qualquer outra forma;
V – as composições musicais, tenham ou não letra;
VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cênica;
IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e cênica;
XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII – os programas de computador;
XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação uma criação intelectual.”

Importante asseverar que a referência aos programas de computador foi acrescentada como um plus, pois o § 1º do art. 7º faz referência à legislação especial sobre o assunto, que no caso brasileiro é a Lei 9.609/98.

De outro lado, na própria legislação especial houve a classificação das exceções da proteção legal, no art. 8º, devendo ser bem esclarecida a grande quantidade de situações que não são protegida, ou seja:

“I – as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
II – os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
III – os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;
IV – os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
V – as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;
VI – o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras”.

A Lei 9.610/98, ainda, estabeleceu pormenorizadamente quem seja o protegido dos direitos intelectuais, dizendo quem é o autor, seu direito de uso e gozo sobre a coisa criada, além da necessidade de registro e proteção das obras intelectuais (arts. 11 a 21), os direitos patrimoniais do autor (arts. 29 a 45) e suas exceções (arts. 46 a 48), fixando, ainda, o prazo de duração do privilégio da obra intelectual, que no Brasil é de setenta (70) anos, a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da divulgação, ou falecimento do autor (arts. 41 a 45).

Além disso, a Lei 9.610/98 veio permitir a criação da Associação de Titulares de Direitos de Autor (arts. 97 a 100), como forma de melhor proteger os interesses dos seus associados, sendo que, posteriormente, houve alteração do Código de Processo Penal para que fosse permitida que tais associações tivessem legitimidade para funcionar como assistentes de acusação em processos contra os autores dos crimes do artigo 184 do Código Penal, conforme Lei 10.695, de 1º de julho de 2003, que acrescentou o artigo 530-H ao código subjetivo.

Dito isso, precisamos nos fixar que a simples violação prevista no caput do art. 184 prevê a pena de detenção, 3 meses a 1 ano ou multa, ao passo que o tipo penal prevê as formas de violação qualificada nos §§ 1º, 2º e 3º, cuja pena é de reclusão, de 2 a 4 anos, e multa. Ponto fundamental em todos os parágrafos é que deve existir o intuito de lucro. Não é mister receber ou ter recebido. Basta o fim.

Nos parágrafos do art. 184 do Código Penal há reprodução (§ 1º), comercialização (§ 2º) e distribuição (§ 3º), etc. não autorizadas, sendo que tudo isso deve ser feito com o intuito de lucro. Vale lembrar que a intenção é o lucro, pouco importando se foi recebido, ou não, mesmo porque, se o foi, será mero exaurimento do crime. A forma ou a maneira como o lucro é obtido também é dispensável.

No § 1º do art. 184 há o crime de reprodução, total ou parcial, da obra intelectual, sem autorização expressa do autor, artista intérprete ou executante, do produtor, ou de seu representante.

No § 2º do art. 184 a punição é por conta da comercialização de obra intelectual ou fonograma reproduzido, tanto faz se a comercialização é de original ou cópia, fazendo-o sem expressa autorização dos titulares dos direitos ou de que os represente.

No § 3º do art. 184, há a punição pela forma como a obra intelectual é distribuída, isto é, por meio de oferecimento ao público, por meio de cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou, pela forma genérica: qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção.
 
De outro lado, o próprio artigo 184 prevê uma causa de inexistência de crime (§ 4º). Quando o agente não tem intuito de lucro e o faz “em um só exemplar, para uso pessoal e exclusivo”, exatamente como previsto no artigo 46, inciso II da Lei 9.610/98, que dispõe: “não constitui ofensa aos direitos autorais: I - ...omissis... II – a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”.


[1] II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio (ambiente);
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, etc.

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