18. DOS
TÍTULOS REPRESENTATIVOS
Os chamados títulos
representativos são aqueles que não expressam
necessariamente uma operação de crédito, mas possuem finalidade distinta,
visando a representação de que mercadorias ou bens fundamentam a sua
existência. Desse modo, os títulos representativos são, como o próprio nome
diz, representações de bens ou
mercadorias, ficando o possuidor do título apto a realizar negócios, sem
necessidade de demonstrar a existência física dos bens, bastando apresentar o
documento que representa a propriedade, a fim de negociá-lo diretamente com
terceiros.
Os terceiros
não têm necessidade de analisar os bens e/ou mercadorias, anteriormente, para o
fechamento dos negócios, eis que a existência física dos bens e/ou mercadorias
está caracterizada pelo documento que se encontra na mão do legítimo
proprietário.
Tais títulos representativos já existiam há algum
tempo, mas foram definidos legalmente com o Código Civil da Itália de 1942,
levando ADRIANO FIORENTINO a asseverar que os mesmos são verdadeiros “títulos de tradição”, pois a
incorporação de todos os direitos sobre a coisa depositada ou transportada se
resumia na posse no título[1].
Para TULLIO ASCARELLI esses títulos de
crédito são de fácil circulação, eis que a transferência (traditio) importa também na transferência da propriedade sobre as
coisas (bens ou mercadorias) depositadas em transportadas[2].
De fato, pode acontecer que uma mercadoria seja
embarcada de navio num determinado país da Ásia para o Brasil, com prazo de
entrega em 30 (trinta) dias. A posse do documento demonstrando que a mercadoria
foi transportada garante ao seu proprietário o direito de vendê-la antes mesmo
da chegada, valendo-se exclusivamente da posse do título de crédito
representativo das aludidas mercadorias.
Regra geral, no Brasil, tais títulos de crédito
representativos são comumente chamados de conhecimento de depósito, conhecimento de transporte (ou de frete) e o warrant, sendo certo, ainda, que a
Lei das Sociedades por Ações contempla, ainda, outros títulos de crédito
representativos, como o Certificado de
Depósito de Ações e a Cédula
Pignoratícia de Debêntures, que são regulamentados pela Lei 6.385, de
07 de dezembro de 1976, sendo que o Conselho Monetário Nacional os classifica
como verdadeiros títulos de valores mobiliários, motivo pelo qual não são
destacados no momento.
Fixemo-nos, pois, nestas espécies de títulos de
crédito representativos criados no sistema jurídico brasileiro.
5.1. CONHECIMENTO DE
DEPÓSITO e WARRANT
Tal modalidade de título de crédito foi criada no
Brasil por meio do Decreto nº 1.102, de 21 de novembro de 1903[3],
que visava regulamentar as empresas de armazéns
gerais, seu modo de constituição e especificamente seus direitos e suas
obrigações, em razão da constante necessidade de aprimoramento do Brasil frente
às grandes economias mundiais, que vendiam mercadorias no País.
As empresas de armazéns gerais têm por finalidade a guarda e conversação de
mercadorias de terceiros, onde são depositadas, para futura venda do produto,
por parte do depositante, sendo que na maioria das vezes tal depósito se dá por
tempo determinado. Essas empresas de armazéns gerais são conhecidas no mundo
todo, e, regra geral, se estabelecem nas cercanias de portos e aeroportos, ou
gares, de onde chegam e partem grandes quantidades de mercadorias. Assim, os
depósitos das mercadorias passam a representar exatamente a entrega das
mercadorias.
Os depósitos de mercadorias são contratos onerosos
para as partes, eis que a facilidade de acesso dos negociantes, o vai e vem das
mercadorias fica mais acessível, sendo, portanto, justa a remuneração daquele
que recebe as mercadorias para depositá-las em seus armazéns.
Há uma obrigação de restituir os bens depositados,
sendo que se fala em depósito regular
quando deverá ser restituída mercadoria certa e específica, ou depósito irregular quando se
deva restituir coisas fungíveis, apenas pela sua espécie, quantidade e
qualidade, especificadas no título de crédito representativo.
O depósito dessas mercadorias é atestado pelo
preenchimento de dois títulos unidos, mas que poderão ser separados à vontade,
com os quais poderá vender as mercadorias depositadas, ou constituir penhor
sobre as mesmas, de acordo com a vontade do depositante. Tais títulos
representativos são chamados de conhecimento de depósito e warrant. Eles nascem juntos, preenchidos no mesmo momento, isto é, são
emitidos em conjunto, não podendo ser preenchido apenas um lado (conhecimento
de depósito) e não preenchido o outro lado (warrant),
sob pena de nulidade absoluta e não conhecimento do título de crédito
impróprio, eis que representativo do depósito. São considerados títulos
xifópagos, pois são ligados no nascimento, mas podem ser separados ao longo de
sua existência.
Em realidade, não obstante tenham nascido juntos, o
conhecimento de depósito e o warrant têm
finalidades distintas.
O conhecimento de depósito atesta que a mercadoria
existe e foi depositada em uma empresa de armazém geral, ao passo que o warrant serve para a finalidade de
constituir penhor sobre tal mercadoria. Dito de outra forma, quem detém o
conhecimento de depósito é considerado o proprietário das mercadorias, ao passo
que o detentor do warrant é
considerado credor de um determinado valor, sendo que as mercadorias
representam a garantia.
Importante asseverar que esse penhor é considerado
especial, eis que não há a tradição da coisa para o credor, ex vi art. 1.431, caput, do Código Civil.
5.1.1. Do
Endosso do Warrant
O primeiro endosso do warrant é o mais importante, pois ele representa o mesmo que a
emissão de uma nota promissória e a principal garantia das mercadorias, pois
são estas garantidas somente pelo primeiro endosso nas palavras de CARVALHO
DE MENDONÇA[4].
Já os demais endossos representarão garantia solidária de pagamento,
decorrentes da simples transferência do crédito nele representado. Trata-se,
pois, do primeiro endossante, do verdadeiro emitente do título, pois coloca as
mercadorias depositadas em penhor, ficando ele – primeiro endossante – como
devedor principal da obrigação, uma vez que é ele quem faz a promessa de
pagamento.
O primeiro endosso tem a finalidade de declarar o
valor da dívida assumida, a pessoa que o assumiu, o prado de pagamento e a taxa
de juros cobrada. Pode ser o endosso em branco ou em preto, mas sempre atestará
a existência de uma dívida do endossante, ficando as mercadorias em
penhor.
5.1.2. Do
Endosso do Conhecimento de Depósito
O endosso do conhecimento de depósito faz com que a
mercadoria depositada seja transferida para terceiro. Caso o warrant não esteja anexado, o novo
titular do conhecimento do depósito saberá que está adquirindo uma mercadoria
gravada com um penhor, sendo certo que nesse caso terá ele, o novo adquirente,
a incumbência de solver o débito do warrant
se e quando cobrado, pois a dívida constante do warrant é uma garantia daquele que figurou como endossatário desse
título de crédito.
A doutrina é controversa nesse sentido, sendo que CESARE
VIVANTE, JOÃO EUNÁPIO BORGES, entre outros entendem que a obrigação de
pagar é decorrente da própria negociação do warrant,
quando separado do conhecimento de depósito. De outro lado, CARVALHO DE
MENDONÇA, secundado por MARLON TOMAZETTI, UMBERTO NAVARRINI e
outros, pensam que não há na lei obrigação de pagar, advinda do endosso do
conhecimento de depósito.
Entretanto, penso que, com o endosso do conhecimento
de depósito é natural que o endossatário tenha a obrigação de pagar os ajustes
do warrant, mesmo porque aquele que
adquire as mercadorias, não estando o warrant
em mãos do endossante, tem plena ciência de que o título foi destacado para
a finalidade específica de sua existência: a constituição de penhor.
Ora, se há ciência total da origem e do nascimento
dessa modalidade de título de crédito, totalmente anômala em relação aos
demais, não há a menor possibilidade do adquirente das mercadorias se furtar a
tal responsabilização, mesmo porque não terá como receber as mercadorias sem o warrant, a não ser que faça a
consignação do valor correspondente ao mesmo.
5.1.3. Do
resgate das mercadorias/bens
De outro lado, como dissemos anteriormente, os
títulos de crédito representativos – conhecimento de depósito e warrant - circulam livremente. Porém, para que alguém possa levar embora as
mercadorias terá que reunir os dois títulos novamente, pagando os encargos
decorrentes do penhor.
Por conta disso, em alguns países, o “duplo título”
não ganhou o gosto popular, como relata GIERKE, onde a Alemanha não
aprovou a divisão[5].
Embora circulem livremente, tanto o conhecimento de
transporte como o warrant têm regras
comuns, pois se tratam de títulos
formais, a saber[6]:
são títulos à ordem, transferíveis por endosso. Contem a sua própria designação
(“Conhecimento de Depósito” ou “Warrant”), com a designação da empresa
de armazém geral que os emitiu, o local da emissão, a profissão e domicílio do
depositante ou de terceiro por ele indicado (a pessoa que levou o bem para o
depósito), o lugar e prazo do depósito, a natureza e a quantidade de bens (ou
mercadorias) depositados. No caso de ser coisas fungíveis, a qualidade das
mesmas. Em ambos os títulos haverá a indicação do segurador e o valor do
seguro, a declaração dos impostos e dos direitos fiscais, bem como os encargos
e despesas com o depósito, especificando o dia em que começam a correr os
valores relativos ao depósito. Finalmente, a data da emissão do título e a
assinatura do empresário depositário.
Não obstante o fato de ser obrigatória a
apresentação dos dois títulos perante a empresa depositária, há a possibilidade
do portador do conhecimento de depósito retirar a mercadoria sem a apresentação
do warrant. Nesse caso, todavia, o
retirante terá que efetuar o depósito do valor das mercadorias, a fim de que o
portador do warrant, posteriormente,
possa retirar a quantia a quem tem direito.
O que ocorre normalmente é que o novo titular do
conhecimento de depósito conheça quem é o primeiro endossante do warrant e com ele combine o valor a ser
pago posteriormente, quando da apresentação do warrant. Assim, efetua o desconto desse valor perante o
depositário.
Porém, isto é uma questão prática, sem legislação
específica sobre o assunto. E, na atualidade, com a rapidez com que as notícias
são veiculadas, o uso constante da Internet em todos os setores, fica muito
menos burocrático e muito mais rápido o acesso às informações sobre o atual
endossatário do warrant.
5.1.4. Inadimplência
do warrant
Como já asseverado, o warrant é um penhor sobre as mercadorias depositadas num armazém
geral, constituído por meio de um direito real de garantia, visando um
pagamento futuro, com juros e taxas previamente combinados.
No caso de inadimplência, inicialmente o portador do
warrant deverá, obrigatoriamente, levar o
título a protesto, logo no primeiro dia após o vencimento do
título, visando a comprovação da constituição em mora.
De posse do instrumento do protesto e do título, o
portador do warrant tem o direito de
vender as mercadorias especificadas no warrant,
por meio de corretor ou leiloeiro que ele livremente escolher,
independentemente de autorização judicial, no prazo máximo de 10 (dez) dias,
contados do instrumento do protesto, nos termos do art. 23, caput, do Decreto 1.102/1903[7].
Igualmente, o primeiro endossante do warrant que pagar o penhor tem esse
direito, nos termos do art. 23, § 2º do mesmo Decreto.
Efetuada a venda, o valor será entregue ao
depositário (armazém geral), que entregará a mercadoria adquirente. Do produto
da venda, descontar-se-á, especificamente nessa ordem: os tributos, as despesas
da venda e as despesas do depósito. O saldo será entregue ao portador do warrant,
observado o valor que lhe couber, assim estabelecido o valor do título,
juros, despesas de protesto, contratação de leiloeiro e/ou corretor, etc.
Havendo, ainda, saldo, será depositado a favor do
titular do conhecimento de depósito, o qual receberá tal valor, ou, na hipótese
de não existir reclamação da quantia depositada deverá a empresa de armazém
geral efetuar o depósito dos valores em juízo, à disposição daqueles que se
dizem credores, e, desde que provem essa condição, poderão levantar tais
valores.
Se, mesmo assim, o portador do warrant não ficar integralmente satisfeito caberá ação contra os
demais devedores do warrant,
subscritores dos demais endossos.
O prazo prescricional é de 3 (três) anos, contados
da data da venda, contra o primeiro endossante; quanto aos demais, o prazo é de
1 (um) ano, nos termos gerais das letras de câmbio e notas promissórias.
De outro lado, nos termos do art. 23, § 7º do
Decreto 1.102/1903, no caso do portador do warrant
não levar o mesmo a protesto, dentro do prazo, ou não promover a venda
extrajudicial das mercadorias depositadas, este somente terá ação contra o
primeiro endossante do warrant e
contra os endossadores do conhecimento de depósito.
Tal norma legal causa grande perplexidade na
doutrina, sendo que DARCY ARRUDA MIRANDA JUNIOR e SAMPAIO DE LACERDA
afirmam se tratar de dívida pessoal de todos endossantes e do
portador do conhecimento de depósito. De outro lado, JOÃO EUNÁPIO BORGES,
LUIGI LORDI, UMBERTO NAVARRINI e MARLON TOMAZETTI entendem que a responsabilidade
é apenas do último endossatário do conhecimento de depósito, pois a
responsabilidade não é pessoal, mas, sim, em decorrência da propriedade das
mercadorias.
Afirmam, nesse sentido, que a responsabilidade se
restringe aos bens dados em garantia, jamais podendo ultrapassar esse valor,
sendo que nesse caso somente poderia ser executado os bens depositados, que
rege todo o contrato desse tipo de título de crédito específico.
Efetivamente, entendo que o valor a ser buscado é
aquele constante dos depósitos, jamais ultrapassando os valores ali
estipulados, auferidos com o produto da venda, sob pena de beneficiar a
especulação em detrimento da produção. Se alguém adquire o warrant e estipula valores extorsivos, contra os praticados no
mercado, efetivamente teria lucros astronômicos, em detrimento dos demais. Se
se conluiasse com o endossante, então, teriam meios de exigir o pagamento dos
valores extorsivos, contrariando toda a sistemática desses títulos de crédito.
5.1.5. Extravio
ou destruiçao dos títulos
O Decreto 1.102/1903 cuidou de resguardar os
interesses dos titulares dos créditos, caso ocorra o extravio e/ou destruição
dos títulos, nos termos do art. 27, especificando detalhadamente cada caso, de
acordo com a natureza do título.
Será necessário publicar aviso em jornal de ampla
circulação, na sede do armazém, por 3 (três) dias. Com cópia dessa publicação
poderá ajuizar ação na sede do juízo do armazém geral, visando sua
reconstituição do título.
Por ser de facilíssima intelecção basta a transcrição
do art. 27:
Art. 27. Aquele que
perder o título avisará ao armazém geral e anunciará o fato durante 3 (três)
dias, pelo jornal de maior circulação da sede daquele armazém.
§ 1º Se se tratar do
conhecimento de depósito e correspondente "warrant", ou só do
primeiro, o interessado poderá obter duplicata ou a entrega da mercadoria,
garantido o direito do portador do "warrant", se este foi negociado,
ou do saldo a sua disposição, se a mercadoria foi vendida, observando-se o
processo do § 2º, que correrá perante o juiz do comércio em cuja jurisdição se
achar o armazém geral.
§ 2º O interessado
requererá a notificação do armazém geral para não entregar, sem ordem judicial,
a mercadoria ou saldo disponível no caso de ser ou de ter sido ela vendida na
conformidade dos artigos 10, § 4º, e 23, § 1º, e justificará sumariamente a sua
propriedade.
O requerimento deve
ser instruído com um exemplar do jornal em que for anunciada perda e com a
cópia fiel do talão do título perdido, fornecida pelo armazém geral, e por este
autenticada.
O armazém geral terá
ciência do dia e da hora da justificação, e para esta, se o "warrant"
foi negociado e ainda não voltou ao armazém geral, será citado o endossatário
desse título, cujo nome devia constar do correspondente conhecimento do
depósito perdido (art. 19, 2ª parte).
O juiz, na sentença
que julgar procedente a justificação, mandará publicar editais com o prazo de
30 (trinta) dias para reclamações.
Estes editais
produzirão todas as declarações constantes do talão do título perdido e serão
publicados no Diário Oficial e no jornal onde o interessado anunciou a referida
perda e afixados na porta do armazém e na sala de vendas públicas.
Não havendo
reclamação, o juiz expedirá mandado conforme o requerido ao armazém geral ou
depositário.
Sendo ordenada a
duplicata, dela constará esta circunstância.
Se, porém, aparecer
reclamação, o juiz marcará o prazo de 10 (dez) dias para prova, e, findos
estes, arrazoando o embargante e o embargado em 5 (cinco) dias cada um, julgará
afinal com apelação sem efeito suspensivo.
Estes prazos serão
improrrogáveis e fatais e correrão em cartório, independente de lançamento em
audiência.
§ 3º No caso de perda
do "warrant", o interessado, que provar a sua propriedade, tem o
direito de receber a importância do crédito garantido.
Observar-se-á o mesmo
processo do § 2º com as seguintes modificações:
a) para justificação
sumária, serão citados o primeiro endossador e outros que forem conhecidos. O
armazém será avisado do dia e hora da justificação, e notificado judicialmente
da perda do título;
b) o mandado judicial
de pagamento será expedido contra o primeiro endossador ou contra quem tiver em
consignação ou depósito a importância correspondente à dívida do
"warrant".
O referido mandado,
se a dívida não está vencida, será apresentado àquele primeiro endossador no
dia do vencimento, sendo aplicável a disposição do art. 23 no caso de
não-pagamento.
§ 4º Cessa a
responsabilidade do armazém geral e do devedor quando, em virtude de ordem
judicial, emitir duplicata ou entregar a mercadoria ou o saldo em seu poder ou
pagar a dívida. O prejudicado terá ação somente contra quem indevidamente
dispôs da mercadoria ou embolsou a quantia.
§ 5º O que fica
disposto sobre perda do título aplica-se aos casos de roubo, furto, extravio ou
destruição.
5.2. CONHECIMENTO
DE DEPÓSITO AGROPECUÁRIO e WARRANT
AGROPECUÁRIO
Atendendo a necessidade e pressão dos produtos
agropecuários, foi editada a Lei 9.973/2000[8],
permitindo que os próprios produtores passassem a armazenar suas produções – e
de outros – em armazéns próprios, visando a descentralização dos armazéns, o
aumento da competitividade e, principalmente, a derrubada de monopólios, sendo
essa faculdade extensiva, também, às cooperativas, bastando para tanto que tais
armazéns de produtos agropecuários sejam certificados pelo Ministério da
Agricultura[9]. Tal
norma foi complementada pelos arts. 16 e 17 do Decreto nº 3.855/2001[10].
Os produtos ali armazenados tanto podem ser
agrícolas como pecuários, bem como seus subprodutos (bagaços, ossos, farelos,
etc.).
Disso resultou a criação de um novo título de
crédito representativo, estabelecido pela Lei 11.076, de 30 de dezembro de 2004[11],
provenientes dos novos contratos de depósitos agropecuários, visando a
substituição dos antigos títulos regidos pelo Decreto nº 1.102/1903.
Aliás, grandes mudanças foram apresentadas logo no
início da lei, quanto à circulação e responsabilização dos títulos de crédito, in verbis:
Art. 2º Aplicam-se ao
CDA e ao WA as normas de direito cambial no que forem cabíveis e o seguinte:
I - os endossos devem
ser completos;
II - os endossantes
não respondem pela entrega do produto, mas, tão-somente, pela existência da
obrigação;
III - é dispensado o
protesto cambial para assegurar o direito de regresso contra endossantes e
avalistas.
Outra modificação consubstancial está no fato de que
o CDA e WA são facultativos e não obrigatórios, pois deverá o depositante
solicitar ao depositário a emissão do CDA e WA, como se vê do disposto nos
artigos 6º e 7º da Lei 11.076/2004:
Art. 6º A solicitação
de emissão do CDA e do WA será feita pelo depositante ao depositário.
§ 1º Na solicitação,
o depositante:
I - declarará, sob as
penas da lei, que o produto é de sua propriedade e está livre e desembaraçado
de quaisquer ônus;
II - outorgará, em
caráter irrevogável, poderes ao depositário para transferir a propriedade do
produto ao endossatário do CDA.
§ 2º Os documentos
mencionados no § 1º deste artigo serão arquivados pelo depositário junto com as
segundas vias do CDA e do WA.
§ 3º Emitidos o CDA e
o WA, fica dispensada a entrega de recibo de depósito.
Art. 7º É facultada a
formalização do contrato de depósito, nos termos do art. 3º da Lei nº 9.973, de
29 de maio de 2000, quando forem emitidos o CDA e o WA.
No mais, a legislação sobre depósitos agropecuários
e warrant agropecuário segue os
mesmos caminhos daquilo que tanto a doutrina como a jurisprudência vinham
consagrando ao longo dos anos, sendo que agora, expressamente, são consignados
os direitos e deveres de cada qual, como se vê dos artigos seguintes:
Art. 8º O CDA e o WA
serão emitidos em, no mínimo, 2 (duas) vias, com as seguintes destinações:
I - primeiras vias,
ao depositante;
II - segundas vias,
ao depositário, nas quais constarão os recibos de entrega dos originais ao
depositante.
Parágrafo único. Os
títulos terão numeração seqüencial, idêntica em ambos os documentos, em série
única, vedada a subsérie.
Não haveria necessidade de ser expresso, mas o legislador preferiu
ressaltar que o depositário/emitente dos CDA e WA é o responsável civil,
administrativo e penal, conforme disposto no art. 9º da Lei 11.076/2004[12],
ficando ainda responsável
pela conversação e guarda integral dos produtos depositados, nos termos do art.
11[13]. Por sinal, muita
gente, inclusive doutrinadores, nem sequer conhecem o disposto no art. 14 da
presente legislação, que criou o crime de emissão de CDA e WA no art. 178 do
Código Penal o que mostra o total despreparo em relação ao conteúdo de suas
matérias.
Visando a rápida comercialização dos produtos depositados, bem como a
identificação dos mesmos de maneira mais eficiente, o depositante pode pleitear
junto ao depositário que o produto seja depositado em tantas partes quantas
forem suficientes, usando o legislador a expressão “lotes” no art. 10 da Lei
11.076/2004.
Há uma proteção especial para os bens que são objeto de depósito, após a
emissão dos CDA e WA, qual seja, pelo art. 12[14]
não é permitido qualquer embaraço à sua livre e plena disposição, impedindo
expressamente o embargo, penhora ou sequestro – todos eles utilizados de
maneira genérica. A razão precípua de tal situação está no fato de que os bens
depositados não fiquem ad eternum nos
armazéns enquanto se discutem questões que não dizem respeito nem ao título de
crédito e nem ao depositário, sendo feliz a iniciativa, mesmo porque o prazo
máximo de depósito é de até 1 (um) ano, a teor do disposto no art. 13.
Aliena-se o produto, ficando depositado o valor para o vencedor de demanda.
Os CDA e WA são livremente negociados nos mercados de bolsa e balcões
como ativos financeiros, mas dependem de obrigatório registro junto aos
sistemas de liquidação financeira autorizados pelo Banco Central do Brasil, nos
termos do art. 15 da Lei 11.076/2004.
Como os adquirentes dos WA e CDA adquirem títulos de crédito
representativos, podem voltar a negociar com os mesmos livremente, nos termos
do art. 17 e seus parágrafos e incisos da Lei 11.076/2004[15].
[1] FIORENTINO, Adriano.
Comentários ao Código Civil, Capítulo:
Titoli di Credito, coord. Scailoja e Bianca Zanichelli: Foro Italiano,
1974, p. 108.
[2] ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. São
Paulo: Ed. Saraiva, 2ª Ed., 1969, p. 145.
[3] Art. 1º As pessoas
naturais ou jurídicas, aptas para o exercício do comércio, que pretenderem
estabelecer empresas de armazéns gerais, tendo por fim a guarda e conservação
de mercadorias e a emissão de títulos especiais, que as representem, deverão
declarar à Junta Comercial do respectivo distrito:
1) a sua firma, ou, se se tratar de sociedade anônima, a designação que
lhe for própria, o capital da empresa e o domicílio;
2) a denominação, a situação, o número, a capacidade, a comodidade e a
segurança dos armazéns;
3) a natureza das mercadorias que recebem em depósito;
4) as operações e serviços a que se propõem.
A essas declarações juntarão:
a) o regulamento interno dos armazéns e da sala de vendas públicas;
b) a tarifa remuneratória do depósito e dos outros serviços;
c) a certidão do contrato social ou estatutos, devidamente registrados,
se se tratar de pessoa jurídica.
§ 1º A Junta Comercial, verificando que o regulamento interno não
infringe os preceitos da presente Lei, ordenará a matrícula do pretendente no
Registro do Comércio e, dentro do prazo de 1 (um) mês, contado do dia desta
matrícula, fará publicar, por edital, as declarações, o regulamento interno e a
tarifa.
§ 2º Arquivado na secretaria da Junta Comercial um exemplar das folhas
em que se fizer a publicação, o empresário assinará termo de responsabilidade,
como fiel depositário dos gêneros e mercadorias que receber, e só depois de
preenchida esta formalidade, que se fará conhecida de terceiros por novo edital
da junta, poderão ser iniciados os serviços e operações que constituem objeto
da empresa.
§ 3º As alterações ao regimento interno e à tarifa entrarão em vigor 30
(trinta) dias depois da publicação, por edital, da Junta Comercial, e não se
aplicarão aos depósitos realizados até a véspera do dia em que elas entrarem em
vigor, salvo se trouxerem vantagens ou benefícios aos depositantes.
§ 4º Os administradores dos armazéns gerais, quando não forem os
próprios empresários, os fiéis e outros prepostos, antes de entrarem em
exercício, receberão do proponente uma nomeação escrita, que farão inscrever no
Registro do Comércio (Código Comercial, artigos 74 e 10, nº 2).
§ 5º Não poderão ser empresários, administradores ou fiéis de armazéns
gerais os que tiverem sofrido condenação pelos crimes de falência culposa ou
fraudulenta, estelionato, abuso de confiança, falsidade, roubo ou furto.
§ 6º As publicações a que se refere este artigo devem ser feitas no
Diário Oficial da União ou do Estado e no jornal de maior circulação da sede
dos armazéns gerais, e à custa do interessado.
[4] CARVALHO DE MENDONÇA, J.X., Tratado de Direito Comercial brasileiro. Rio
de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1963, 7ª Ed., vol. 5, p. 649.
[5] GIERKE, Julius Von. Derecho Comercial y de La Navegación., trad.
Juan Semon. Buenos Aires: Ed. Argentina, 1957, p. 209.
[6] Art. 15, do Decreto
1.102/1903.
[7] Art. 23. O portador
do "warrant" que, no dia do vencimento, não for pago, e que não achar
consignada no armazém geral a importância do seu crédito e juros (art. 22),
deverá interpor o respectivo protesto nos prazos e pela forma aplicáveis ao
protesto das letras de câmbio, no caso de não-pagamento.
O oficial dos protestos entregará ao protestante o respectivo
instrumento, dentro do prazo de 3 (três) dias, sob pena de responsabilidade e
de satisfazer perdas e danos.
§ 1º O portador do "warrant" fará vender em leilão, por
intermédio do corretor, ou leiloeiro, que escolher as mercadorias especificadas
no título, independente de formalidades judiciais.
§ 2º Igual direito de venda cabe ao primeiro endossador que pagar a
dívida do "warrant", sem que seja necessário constituir em mora os
endossadores do conhecimento de depósito.
§ 3º O corretor ou leiloeiro, encarregado da venda, depois de avisar o
administrador do armazém geral ou o chefe da competente repartição federal,
anunciará pela imprensa o leilão, com antecedência de 4 (quatro) dias,
especificando as mercadorias conforme as declarações do "warrant" e
declarando o dia e hora da venda, as condições dessa e o lugar onde podem ser
examinadas aquelas mercadorias.
O agente da venda conformar-se-á em tudo com as disposições do
regulamento interno dos armazéns e das salas de vendas públicas ou com as
instruções oficiais, tratando-se de repartição federal.
§ 4º Se o arrematante não pagar o preço da venda aplicar-se-á a
disposição do art. 28, § 6º.
§ 5º A perda ou extravio do conhecimento de depósito (art. 27, § 1º), a
falência, os meios preventivos de sua declaração e a morte do devedor não
suspendem nem interrompem a venda anunciada.
§ 6º O devedor poderá evitar a venda até o momento de ser a mercadoria
adjudicada ao que maior lanço oferecer, pagando imediatamente a dívida do
"warrant", os impostos fiscais, despesas devidas ao armazém e todas
as mais a que a execução deu lugar, inclusive custas do protesto, comissões do
corretor ou agente de leilões e juros da mora.
§ 7º O portador do "warrant" que, em tempo útil, não
interpuser o protesto por falta de pagamento, ou que, dentro de 10 (dez) dias,
contados da data do instrumento do protesto, não promover a venda da
mercadoria, conservará tão-somente ação contra o primeiro endossador do
"warrant" e contra os endossadores do conhecimento de depósito.
[8] Art. 1º As atividades de armazenagem de produtos
agropecuários, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico ficam
sujeitas às disposições desta Lei.
[9] Art. 2º O Ministério
da Agricultura e do Abastecimento criará sistema de certificação, estabelecendo
condições técnicas e operacionais, assim como a documentação pertinente, para
qualificação dos armazéns destinados à atividade de guarda e conservação de
produtos agropecuários.
Parágrafo único.
Serão arquivados na Junta Comercial o termo de nomeação de fiel e o regulamento
interno do armazém.
[10] Art. 16. Fica
instituído, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, o
Sistema Nacional de Certificação de Unidades Armazenadoras, por intermédio do
qual serão estabelecidas as condições técnicas e operacionais para a
qualificação dos armazéns destinados à guarda e conservação de produtos
agropecuários.
§ 1º O sistema de que
trata o caput será desenvolvido
de acordo com as regras e os procedimentos do Sistema Brasileiro de
Certificação, com a participação dos segmentos representativos da atividade, e
deverá dispor sobre as condições e a documentação exigíveis dos interessados.
§ 2º É obrigatória,
nos termos e prazos que a regulamentação estabelecer, a certificação das
unidades que prestem serviços remunerados de armazenagem de produtos a
terceiros, inclusive dos estoques públicos.
§ 3º O Ministério da
Agricultura e do Abastecimento poderá tornar obrigatória a certificação de
outras unidades armazenadoras, além das hipóteses previstas neste Decreto.
Art. 17. As unidades
armazenadoras não certificadas na forma prevista neste Decreto não poderão ser
utilizadas para a guarda e conservação de produtos agropecuários objeto de
financiamento à estocagem com recursos do Tesouro Nacional.
[11] Art. 1º Ficam instituídos o Certificado de Depósito
Agropecuário - CDA e o Warrant
Agropecuário - WA.
§ 1º O CDA é título
de crédito representativo de promessa de entrega de produtos agropecuários,
seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, depositados em
conformidade com a Lei nº 9.973, de 29 de maio de 2000.
§ 2º O WA é título de
crédito representativo de promessa de pagamento em dinheiro que confere direito
de penhor sobre o CDA correspondente, assim como sobre o produto nele descrito.
§ 3º O CDA e o WA são
títulos unidos, emitidos simultaneamente pelo depositário, a pedido do
depositante, podendo ser transmitidos unidos ou separadamente, mediante
endosso.
§ 4º O CDA e o WA são
títulos executivos extrajudiciais.
[12]
Art. 9º O depositário que emitir o CDA e o WA é
responsável, civil e criminalmente, inclusive perante terceiros, pelas
irregularidades e inexatidões neles lançadas.
[13] Art. 11. O depositário assume a
obrigação de guardar, conservar, manter a qualidade e a quantidade do produto
recebido em depósito e de entregá-lo ao credor na quantidade e qualidade
consignadas no CDA e no WA.
[14] Art. 12. Emitidos o CDA e o WA, o
produto a que se referem não poderá sofrer embargo, penhora, seqüestro ou
qualquer outro embaraço que prejudique a sua livre e plena disposição.
[15]
Art. 17. Quando da 1ª (primeira) negociação do WA
separado do CDA, a entidade registradora consignará em seus registros o valor
da negociação do WA, a taxa de juros e a data de vencimento ou, ainda, o valor
a ser pago no vencimento ou o indicador que será utilizado para o cálculo do
valor da dívida.
§ 1º Os registros dos
negócios realizados com o CDA e com o WA, unidos ou separados, serão
atualizados eletronicamente pela entidade registradora autorizada.
§ 2º Se, na data de
vencimento do WA, o CDA e o WA não estiverem em nome do mesmo credor e o credor
do CDA não houver consignado o valor da dívida, na forma do inciso II do § 1º
do art. 21 desta Lei, o titular do WA poderá, a seu critério, promover a
execução do penhor sobre:
I - o produto,
mediante sua venda em leilão a ser realizado em bolsa de mercadorias; ou
II - o CDA
correspondente, mediante a venda do título, em conjunto com o WA, em bolsa de
mercadorias ou de futuros, ou em mercado de balcão organizado.
§ 3º Nas hipóteses
referidas nos incisos I e II do § 2º deste artigo, o produto da venda da
mercadoria ou dos títulos, conforme o caso, será utilizado para pagamento
imediato do crédito representado pelo WA ao seu respectivo titular na data do
vencimento, devendo o saldo remanescente ser entregue ao titular do CDA, após
debitadas as despesas comprovadamente incorridas com a realização do leilão da
mercadoria ou dos títulos.
§ 4º O adquirente dos
títulos no leilão poderá colocá-los novamente em circulação, observando-se o
disposto no caput deste artigo,
no caso de negociação do WA separado do CDA.
Parabéns pelo artigo.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo.
ResponderExcluirExcelente! Muito obrigada pela forma didática de explicar o conteúdo! Para ter uma ideia, estava tendo uma aula na faculdade sobre e não entendi nada, e no seu artigo consegui entender!
ResponderExcluirmuito bom!
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