Do Pedido de Restituição
O conceito básico de restituição é exatamente aquele
de fazer voltar ao seu proprietário aquilo que lhe pertence, tornando à situação
anterior, ou volver àquele que merece estar na posse e na propriedade daquilo
que lhe pertence.
E o pertencer
a “alguém” pode ser das mais variadas formas e espécies, como os bens imóveis[1],
mesmo aqueles que estão momentaneamente separadas do solo[2],
móveis[3]
ou semoventes, bens corpóreos ou bens incorpóreos, sejam eles fungíveis ou não
fungíveis[4],
bem como os consumíveis[5].
A ideia principal da restituição é, portanto, fazer
voltar ao status quo ante, na medida
de sua possibilidade real, bens que estão em poder do devedor falido ou que
foram arrecadados pelo administrador judicial, mas que não pertençam
efetivamente ao falido.
Tanto a Lei 11.101, de 2005, assim como o antigo
Decreto-Lei 7.661, de 1945, prevê a imediata arrecadação de bens e haveres que
estejam em poder do falido, na ânsia de o administrador judicial cumprir com a
determinação legal, é possível que venha a arrecadar mais do que aquilo que
efetivamente deveria fazê-lo, surgindo daí a possibilidade de se instaurar o
procedimento mais simples de restituição.
O objetivo da restituição é prover o verdadeiro
proprietário do direito de retirar da falência bens que não pertençam ao
devedor falido. Exemplo: numa certa ocasião uma empresa de máquinas para
indústria de massas alimentícias faliu, sendo que houve a arrecadação de vários
equipamentos para massas caseiras. Como a empresa falida além de produzir
máquinas, ainda as consertava, surgiram várias nonas pedindo seus rolos de macarrão de volta.
Também ocorre a possibilidade de restituição naqueles
casos em que há a quebra de uma empresa de consórcios, aonde os prestamistas
vão se cotizando mês a mês para formar um ativo suficiente para a compra do bem
almejado pelos grupos. Havendo a falência da empresa administradora de
consórcios os membros do consórcio não concorrem na quebra como credores, mas,
sim, têm direito ao recebimento dos valores dados à mesma, por meio de
restituição de valores.
Entretanto, nem sempre é matéria de fácil
intelecção, e, diante dos ditames da Lei 11.101⁄2005, surgem novos e intricados
problemas, que tentaremos dar solução.
Antes, porém, lembremos que a situação seria mais
fácil de observar e não haveria tanta discussão se os operadores do Direito
lembrassem apenas que aquele que pleiteia uma restituição não quer ser parte na
falência e muito menos quer ser considerado credor. Ao contrário, ele não ser
parte na falência, não quer ser considerado credor e quer é, antes de tudo,
sair de possível inclusão no Quadro Geral de Credores, no mais das vezes,
impossível de receber alguma coisa.
Por conta disso, o restituinte deve ser pago
antecipadamente, desde que tenha dinheiro na massa falida, quando não mais
existir o bem, devidamente atualizado e em igualdade de condições com outros
restituintes.
Nesse sentido foi editada a Súmula 307 do Superior
Tribunal de Justiça que diz: “a
restituição de adiantamento de contrato de câmbio, na falência, deve ser
atendida antes de qualquer crédito”. E isto, a restituição em si, vale para
os demais restituintes, não havendo motivo para se aguardar que algo aconteça no processo falencial. Não
é essa a dinâmica e muito menos a finalidade da restituição.
Se há o bem, devolve-se ao restituinte. Se não há,
avalia-se o bem, ou atualiza-se o valor do bem entregue e, tendo dinheiro na
massa, paga-se diretamente ao restituinte. Repito: não credor. Restituinte!
Diz a Lei no seu artigo 85 que: “O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se
encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua
restituição”. E
complementa também o seu parágrafo único: “Também
pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e entregue ao devedor
nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se ainda não
alienada”.
Dessa
análise do dispositivo temos presente que o caput
do art. 85 da LRE se refere ao bem que se encontrava em poder do falido no
momento da arrecadação, mas que efetivamente não lhe pertence, mas sim ao
terceiro, que por algum motivo deixou o bem poder do devedor. Exemplo típico:
uma concessionária ou oficina mecânica que vem a falir, tendo no local dezenas
de veículos dos clientes, que ali deixaram para manutenção. À toda evidência,
os veículos não pertencem ao devedor, nem poderia ser arrecadado, devendo ser
restituído.
Nesse
caso, tem o proprietário o direito de ver sua coisa devolvida, mesmo porque dispõe o Código Civil exatamente que
a propriedade garante o direito de reaver o bem que esteja injustamente na
posse ou detenção de terceiros, conforme artigo 1228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o
direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha”. Este é um direito constitucional (Constituição Federal, artigo
5º, inciso XXII), facultando ao proprietário a possibilidade de usar as medidas
legais para fazer retornar o bem ao seu lugar original.
A segunda situação encontrada no parágrafo único do
artigo 85 da LRE diz respeito às coisas vendidas a crédito futuro, mas já
entregues ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores à decretação da falência.
É praxe
comercial que os empresários vendam seus produtos a outros empresários com a
promessa de pagamento futuro, advindo dessa prática um crédito para o vendedor
e uma obrigação para o comprador. Da mesma forma, os produtos são alienados e
entregues nos mais diversos rincões do país, sendo que a legislação nacional
garante ao vendedor o direito de se ver livre do concurso de credores quando a
alienação tenha se dado nas vésperas da decretação da falência, presumindo uma
boa-fé negocial por parte do vendedor.
Dessa
maneira, conta-se o prazo de restituição a partir da data da distribuição do
pedido de falência, não da sua decretação, mesmo porque entre o pedido e a
decretação da quebra podem ocorrer muitas situações processuais e práticas,
como a contestação, a réplica, a designação de audiência, a produção de provas,
etc.
Destarte,
temos que considerar que entre a data da entrega do bem e a decretação da
falência pode demandar um tempo considerável e o produto da venda ter sido
utilizado pelo devedor, como sói acontecer. Exemplo: a entrega de aço para uma
indústria que produz máquinas; ou a entrega de farinho de trigo para uma
indústria de massas alimentícias; ou tecido para confecções, etc. Todos esses
bens são consumíveis e fungíveis.
Em sendo
determinada a restituição da coisa, o administrador judicial deverá devolver a
mesma quantidade e qualidade, não exatamente a mesma coisa, em face da fungibilidade da coisa. Daí porque pode ocorrer de não mais existir a coisa ao tempo
do deferimento da restituição, motivo pelo qual, então, proceder-se-á a
devolução em dinheiro, devidamente atualizado, conforme preceitua o inciso I do
artigo 86, da LRE, in verbis: Art. 86. Proceder-se-á à restituição em
dinheiro: I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição,
hipótese em que o requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso
de ter ocorrido sua venda, o respectivo preço, em ambos os casos no valor
atualizado;
A Lei
11.101⁄2005 ampliou e bem delimitou outras espécies de restituições que
poderiam ensejar – como de fato ensejaram – discussões sobre a natureza dos
bens fungíveis e do que seria alvo de restituição.
A situação
do inciso I é bem fácil de entender: a empresa comprou uma máquina e pagou “x”.
O credor restituinte tem direito a receber a máquina de volta. Se a mesma não
mais se encontra em poder do falido, terá que devolver o valor da máquina,
podendo ser o “x” atualizado monetariamente ou se procede a uma avaliação da máquina
que esteja em poder de terceiro e descobre-se o seu real valor.
No artigo
86, incisos II e III há espécies de bens que devem ser bem analisados.
Pelo inciso
II, do art. 86, deverá ser objeto de restituição a “importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente
de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o
e 4o, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965,
desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não
exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente”.
As
operações de exportação não são feitas em dinheiro vivo, ou simples crédito na
conta corrente do comprador, como sói acontecer com os não empresários, mas
passam pelo mecanismo e pela forma correta de transações internacionais, isto
é, primeiro o comprador estrangeiro toma conhecimento do encaminhamento da
mercadoria. Em seguida, remete os dólares às instituições brasileiras, que as
converte em reais e as instituições entregam em reais para os empresários
exportadores.
Apenas
para constar, pelo Decreto-Lei 857⁄69 é vedada qualquer forma de negociação que
não seja a moeda em curso no país.[6]
Todo esse
mecanismo é previsto na Lei 4.728⁄65.
Como se
percebe, entre a venda e a entrega há um hiato de tempo muito grande, podendo
ocorrer que a mercadoria não seja exportada ou o comprador não efetue o
pagamento dos produtos adquiridos, nascendo dai um direito.
Caso a
empresa não seja falida, terá a instituição financeira o direito à ação
executiva, nos termos do art. 75, § 2º da Lei 4.728⁄65. Porém, em caso de
falência da empresa exportadora, a situação é prevista como restituição, na
forma do art. 75, § 3º da mesma Lei 4.728⁄65.
No
passado surgiu uma discussão sobre o prazo de 15 (quinze) dias para o pleito de
restituição, sendo que a matéria acabou por ser pacificada nos tribunais, tendo
o Superior Tribunal de Justiça editado a Súmula 133, no sentido de que “a restituição da importância adiantada, à
conta de contrato de câmbio, independe de ter sido a antecipação efetuada nos
quinze dias anteriores ao requerimento da concordata”. Evidentemente, o
mesmo raciocínio vale tanto para a recuperação de empresas como para a
falência, por óbvio.
Embora
mão me pareça necessário, sempre é bom reforçar que esse crédito de antecipação
cambiária deva ser atualizado na forma como previsto no inciso I do artigo 86,
da LRE, mesmo porque se a atualização do bem é prevista em lei, a atualização
do câmbio deve seguir o mesmo caminho. Nesse sentido já se pronunciaram os
tribunais, tendo sido editada a Súmula 36: “a
correção monetária integra o valor da restituição, em caso de adiantamento de
câmbio, requerida em concordata ou falência”.
E ainda,
um antiguíssimo julgado do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do Ministro
Barros Monteiro estabeleceu que “as
restituições das importâncias adiantadas deve operar-se com a correção
monetária” (REsp. 9.096-SP).
A lei
falencial trata agora de outra hipótese de restituição, que não vinha muito bem
delineada na legislação anterior, que é a situação daquele que contrata com uma
empresa e lhe entrega valores, de boa-fé, acabando por ser o contrato
considerado ineficaz ou revogado.
Dispõe o
artigo 86, inciso III, a possibilidade de restituição “dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese
de revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.”
Esta era
uma discussão muito antiga que nos parece ter sido solucionada pela atual
legislação.
Para o
jurista MANOEL JUSTINO BEZERRA FILHO
“Este inciso III solucionou antiga
discussão jurisprudencial, sobre qual seria a exata posição do terceiro de
boa-fé para receber os valores que houvesse passado ao falido em decorrência do
negócio que foi revogado”.[7]
Embora
precisa a colocação, visando tratar o contratante do empresário que vem a falir
como restituinte, não como credor da
massa falida, é preciso ir mais adiante e relembrar algumas situações fáticas e
necessárias.
Bem
lembra SÉRGIO MOURÃO CORRÊA LIMA que
“durante o período que antecede a quebra,
é comum que o devedor implemente práticas ruinosas em detrimento de seus
credores, por razões que vão desde a má-fé até o desepero decorrente da
iminência da falência. Entretanto, tais procedimentos, muitas vezes
fraudulentos, podem decorrer de estratégia do devedor, arquitetada em época bem
anterior à quebra. Tais hipóteses podem e devem ensejar providências diversas
como (a) a extensão da quebra a outras pessoas, físicas e jurídicas,
diretamente atreladas às práticas ruinosas; (b) a desconsideração, direta e
inversa, da personalidade jurídica, de forma que a falência atinja os
beneficiários das práticas fraudulentas; (c) a nulidade ou anulabilidade dos
atos inválidos ou viciados; (d) a revogação, mediante a declaração de
ineficácia, dos atos perpetrados em prejuízo dos credores (chamada de volta,
para a massa, dos bens alienados indevidamente pelo insolvente).”[8]
E o que
foi dito pelo nobre doutrinador realmente é vero e a nossa experiência
vivenciada por longos anos na Promotoria de Justiça, em especial a de Falências
de São Paulo reafirmam tais colocações.
No mais
das vezes a fraude é perpetrada muito tempo antes da ocorrência da quebra como,
por exemplo, a contratação de empréstimos em dinheiro junto às instituições
financeiras, com longos anos de pagamento de prestações que o empresário tem a
certeza de que não conseguirá honrar seus compromissos que compromete grande
parte de sua renda. E o pior, muitas vezes colhendo o bom nome de avalistas e
fiadores, para dar suporte à artimanha.
O artigo
129 da Lei 11.101, de 2005 prevê uma série de situações que faz tornar ineficaz
a alienação ou a criação de direitos a terceiros, que não produzem efeitos
quaisquer perante a massa falida. A LRE dispõe expressamente situações que o
Código de Processo Civil de 1973 previu genericamente no artigo 593 e seus
incisos. A ineficácia da lei não torna o negócio nulo entre as partes, porém,
garante ao administrador judicial buscar a declaração de sua total
insignificância perante a massa falida. Logo, o negócio jurídico não produz
efeitos perante a massa falida.
De outro
lado, no artigo 130 da LRE há necessidade de se provar que o negócio jurídico
existente entre o devedor e o terceiro decorre de um conluio fraudulento e que
exista um prejuízo efetivo para a massa falida, mas que existe, em resumo, uma
fraude bilateral, consentida e bem orquestrada pelos agentes.
No caso da situação do artigo 129 da LRE não
se perquire a intenção do contratante, ao passo que no artigo 130 e é este
elemento integrante da efetiva e dolosa ação fraudulenta.
A
diferença de situação é abissal, assim como o tratamento dispensado a um e a
outro contratante.
Evidentemente,
estando conluiados falido-contratante ambos devem ser penitenciados. Estando o
contratante de boa-fé, este deve ser considerado restituinte, não credor
quirografário da falência, com impossível condição de recebimento.
Dentre as
várias situações ocorridas na prática temos a situação da alienação fiduciária
de imóvel onde o devedor, como geralmente ocorre, deixa de pagar as prestações
a que se comprometeu, motivo pelo qual tem o credor fiduciário e proprietário o
direito de reaver o seu bem. A restituição pode ser promovida pelo adquirente
do imóvel, desde que não tenha residido no mesmo, como vinham decidindo alguns
tribunais brasileiros e mais recentemente decidiu o Superior Tribunal de
Justiça, quando do julgamento do REsp. 1211323, da 4ª Turma.
Uma
realidade cada vez maior é aquela que se opera nos seio de algumas grandes
empresas nacionais, onde os presidentes das sociedades anônimas ou
proprietários de grandes empresas, mantem contrato com administradores de
empresas profissionais e deles se utilizam, mercê de seus vastos conhecimentos
no mercado financeiro, para a obtenção de dividendos para as empresas. Neste
caso, muitas vezes os administradores profissionais de empresas utilizam todo o
prestígio e capacidade de convencimento adquiridos ao longo de anos de muito
trabalho para obterem dos agentes financeiros condições favoráveis para as
empresas.
Dentre as
situações que nos deparamos na Promotoria de Justiça de Falências de São Paulo
está aquela em são exigidos desses profissionais e de outros membros da
diretoria de grandes empresas que os empréstimos das instituições financeiras
sejam fornecidos mediante os avais
desses, ou, pelo menos, a condição de fiadores dos empréstimos bancários.
Como se
percebe e na visão de CORRÊA-LIMA, a forma clandestina de agir do devedor é
premeditada e muitas vezes antecipada com algum tempo, para somente depois de
certo tempo demonstrar que o golpe já
tinha sido arquitetado há muito tempo...
No mais
das vezes, os fiadores e avalistas estão na mais absoluta boa-fé negocial, ou,
como sói acontecer, sem a menor possibilidade de discutir as cláusulas
contratuais com seus empregadores, sendo exigido dos mesmos que aponham suas
assinaturas nos contratos, como garantes,
sob pena de medidas drásticas. Em outras oportunidades, são vários os contratos
pequenos que são entabulados, sendo
pagos normalmente, até o momento do grand
finale!
Voltemos
ao disposto no inciso III, do artigo 86, da Lei 11.101: é possível a
restituição dos valores entregues ao
devedor pelo contratante de boa-fé,
na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato.
Portanto,
são três situações que devem estar devidamente demonstradas e provadas:
1ª - que
houve valores entregues ao devedor: isto não quer dizer, naturalmente que os
valores sejam entregues diretamente
ao devedor, mas também, para pagar a instituição que com ele negociou, como no
caso de obrigações inadimplidas pelo devedor, levando de roldão a boa fama e a
moral do avalista e⁄ou fiador, que estava de boa-fé, imbuído do propósito de
auxiliar; o valor entregue não precisa ser necessariamente, destinado ao
devedor, mas, também, para o fim de quitar obrigações do devedor. Ao avalista e
fiador não resta grandes alternativas a não ser pagar, sob pena de perder bens
e direitos. Além disso, em caso de execução contra o avalista a única
alternativa é o retorno contra a massa falida, mesmo porque nada fez para
auxiliar na quebra.
2ª – que
o contratante que entrega dinheiro ao devedor esteja de boa-fé: eis que este é
o elemento preponderante da vontade de contratar daquele que entrega o dinheiro
ao devedor, ou para saldar as dívidas deste. Evidentemente, não se aplica à
hipótese que nos afigura a situação do próprio falido, pessoa física, afiançar
ou avalizar as dívidas contraídas pela pessoa jurídica, e, no caso de uma
execução alcançar os bens particulares buscar a restituição dos valores pagos
na falência. Isso é inadmissível, sob pena de inversão total do sentido de
boa-fé. A hipótese que levantamos é aquela em que o avalista ou fiador não
pertença à empresa, não tenha qualquer relação com o devedor, não seja membro
de sua família, não possua outra condição senão aquela de ser terceiro.
3ª – que
o contrato seja revogado ou declarado ineficaz. Embora as situações sejam
díspares, a presunção é de que um contrato pode ser declarado revogado pelos
vícios que nele contém tecnicamente observado, mas, também, declarado
judicialmente nulo. Também viceja a situação do contrato ser revogado pelo seu
inadimplemento, como é o caso da falta de pagamento das prestações ajustadas
anteriormente. Nessas condições, o devedor falido deixa de quitar as
prestações, sendo que o avalista ou fiador é chamado para o adimplemento das
obrigações, inclusive forçosamente, por meio de execução de seus bens particulares.
Desse modo, possui ele a obrigação decorrente do contrato de quitar as parcelas
ajustadas, sob pena de ver seus bens excutidos judicialmente.
Quanto à
declaração de ineficácia do contrato se vê claramente que se ajustam às hipóteses
do artigo 129 da LRE, oportunidade em que não se discute o animus do contratante, no
momento da declaração de ineficácia, mas, sim, deverá ser resolvido no
momento do pedido de restituição, observando todos os elementos de anulação e
revogação dos atos jurídicos, cujas provas são imprescindíveis.
Pelo parágrafo
único do citado artigo 86, da LRE: “As
restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas após o pagamento
previsto no art. 151 desta Lei”, que diz respeito aos credores “super-extra-concursais” como certa
ocasião se referiu o então Promotor de Falências, Alberto Camiña Moreira, em uma palestra na FIESP-CIESP, pois seriam
os credores trabalhistas que ficaram até os últimos tempos na empresa falida e,
portanto, com preferência sobre todos os créditos da falência.
Sobre os
aspectos práticos da restituição, dispõe o art. 87: “O pedido de restituição deverá ser fundamentado e descreverá a coisa
reclamada.” Ou seja, o pedido tem que ser certo, claro, de fácil cognição,
onde o restituinte deverá ser explícito no pedido, indicando pormenorizadamente
qual é o objeto, valor ou produto que pretende ver restituído.
Estando
em termos o pedido, nos termos do art. 87, § 1o “O juiz mandará autuar em separado o
requerimento com os documentos que o instruírem e determinará a intimação do falido,
do Comitê, dos credores e do administrador judicial para que, no prazo
sucessivo de 5 (cinco) dias, se manifestem, valendo como contestação a
manifestação contrária à restituição.”
De
clareza palmar que sendo contestado o pedido, nos termos do art. 87, § 2o
há que se abrir a possibilidade de produção de provas porventura requeridas, quando
então o juiz designará audiência de instrução e julgamento, se necessária. E,
pelo § 3o: “Não havendo
provas a realizar, os autos serão conclusos para sentença”.
Evidentemente,
deve ser colhida a manifestação do Ministério Público, antes da sentença, mesmo
porque tem ele a obrigação de atuar em todos os processos de interesse da massa
falida e, principalmente em caso como o de restituição, que poderá retirar da massa
falida quantia ou bem considerável.
Pelo
disposto no art. 88 da LRE se a “sentença
que reconhecer o direito do requerente determinará a entrega da coisa no prazo
de 48 (quarenta e oito) horas”. Pelo parágrafo único do mesmo artigo 88 da
LRE: “Caso não haja contestação, a massa
não será condenada ao pagamento de honorários advocatícios”.
A contrario sensu, em havendo contestação
ao direito do restituinte pela massa falida esta deverá ser condenada ao
pagamento de verba sucumbencial, mesmo porque, em face da pretensão resistida,
nasce o processo contraditório e, por decorrência natural dessa situação, a
verba de sucumbência é devida.
O art. 89
da LRE estabelece que no caso de o juiz negar a restituição, quando for o caso, poderá incluir o
requerente no quadro-geral de credores, na classificação que lhe couber, na
forma desta Lei.
A lei
deixou bem claro que é preciso que o requerente da restituição preencha todos
os requisitos legais de uma possível habilitação de crédito e, dessa maneira, é
obrigatório que demonstre todos os requisitos da habilitação de crédito,
previstos no artigo 9º da LRE, dentre os quais e, principalmente, a origem do crédito.
Qualquer
uma das partes, credores e o Ministério Público podem interpor apelação da
sentença que julgar o pedido de restituição, seja deferindo ou indeferindo o
pedido, na hipótese em que a apelação será recebida sem efeito suspensivo, na forma do artigo 90 da LRE.
Pelo parágrafo
único do artigo 90, da LRE: “o autor do
pedido de restituição que pretender receber o bem ou a quantia reclamada antes
do trânsito em julgado da sentença prestará caução”. Embora a lei não diga,
é óbvio e salutar que a caução seja prestada em bem ou valor compatível com
aquele que pretende restituir ou levantar, não sendo crível que não seja essa a
ideia do legislador.
Em não
prestando caução ou não tendo condições suficientes para isso, nos termos do art.
91 da LRE, o “pedido de restituição
suspende a disponibilidade da coisa até o trânsito em julgado”. A razão de
ser dessa disposição legal está no fato de que o bem ou valor objeto da
restituição encontra-se indisponível para qualquer outro credor ou para rateio,
não sendo possível dar aos mesmos destinação adequada, como a venda em leilão,
antes que se solva o problema primeiro: a titularidade do bem ou valor.
Em
havendo concurso de restituições, ou seja, comparecendo mais de
um restituinte e não existindo saldo suficiente para o pagamento integral de
todos os restituintes, devidamente corrigidos, não resta outra alternativa na
legislação falencial a não o de pagar os restituintes por meio de rateio, como
prevê o parágrafo único do artigo 91 da LRE: “Quando diversos requerentes houverem de ser satisfeitos em dinheiro e
não existir saldo suficiente para o pagamento integral, far-se-á rateio proporcional
entre eles”.
De outro
lado, pode acontecer (e deveras acontece) que a massa falida tenha que suportar
os ônus da manutenção do bem até solução final sobre a propriedade do bem
arrecadado. Se a massa falida foi obrigada a garantir a segurança do bem,
pagando despesas para sua preservação é óbvio que o restituinte fica obrigado a
ressarcir tais despesas, mesmo porque a massa cuidou da sua propriedade por um
determinado período de tempo. Assim, pelo art. 92 da LRE fica o restituinte “que tiver obtido êxito no seu pedido
ressarcirá a massa falida ou a quem tiver suportado as despesas de conservação
da coisa reclamada”.
Outra
questão que reclama bastante atenção dos doutrinadores e da jurisprudência é a
possibilidade de restituição de valores a favor dos órgãos públicos,
notadamente quando se trata de contribuição previdenciária ou impostos que o
devedor já tenha anteriormente descontado dos funcionários ou adquirentes de
bens e produtos e que deveriam ter
sido repassados para os cofres públicos, mas não o foram.
Sabidamente
a contribuição previdenciária pertence ao INSS e como tal é obrigação natural
do empregador descontar o valor do empregado e repassá-lo dentro do prazo legal
ao INSS. E seu crédito é muito mais que privilegiado, mas, sim, restituído
ao INSS, antes de qualquer outro pagamento na falência, sendo esta matéria densamente
decidida a favor da União – que atua como cobrador universal do INSS – não havendo
divergência sobre isso, inclusive alvo da Súmula 417 do Supremo Tribunal
Federal: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do
falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não
tivesse ele a disponibilidade”.
Entretanto,
mister que se faça uma decomposição da referida Súmula eis que está ela a
exigir algo mais do que a simples devolução: a exigência de dinheiro em poder do falido.
A questão
que mais atormenta dos processos falenciais é exatamente este. Havia dinheiro
em poder do falido no momento da quebra? Se sim, devolve-se imediatamente o quantum reclamado. Se não, não. É o caso
de improcedência da restituição, pois se não havia dinheiro para se devolver, não
se pode exigir o sacrifício de todos os credores com a venda dos bens da massa
falida para satisfazer primeiramente a União, a qual, gize-se, sempre possui a
desídia ao seu lado no momento de cobrar débitos tributários e se mostra com
apetite voraz no momento em que pleiteia a restituição.
Mais, ao
pleitear a restituição deve a União, obrigatoriamente, descrever exatamente esse
ponto nevrálgico da questão, pois exige a lei falencial a descrição
pormenorizadamente do que pretende ver-se restituído.
Assim,
julgamos totalmente necessário e indispensável, sob pena de indeferimento da
petição inicial da União, a descrição dos valores a ser restituídos e qual é a
origem dessa pretensão, pois a lei falencial exige, sempre e sempre, a descrição
da origem do crédito, nos termos do art. 9º, inciso II, da LRE.
Esse também
é o pensamento de SÉRGIO MOURÃO CORRÊA
LIMA ao afirmar: “...diversamente do
que ocorre no âmbito das execuções fiscais, os pedidos de restituição manejados
pelo INSS não podem ser instruídos apenas com certidão da dívida ativa,porque o
art. 87 da Lei de Falências, tal como o art. 77 do Decreto-Lei 7.661⁄45,
estabelece que o requerimento ‘será fundamentado e descreverá a coisa reclamada’.
Portanto, incumbe ao INSS no pedido de restituição apontar os valores que não lhe
foram repassados, identificar o montante pertinente a cada um dos empregados e
instruí-lo com prova documental adequada”.[9]
Destarte,
impossível que o INSS – como sói acontecer – faça apenas a prova de sua condição
de credor, com a Certidão de Dívida Ativa apenas, para que obtenha êxito em
pretensão muito mais severa que a habilitação de crédito, pois teria muito mais
preferência que qualquer outro credor, por muito mais privilegiado que o fosse,
eis que o INSS teria o direito a restituição.
Em se
tratando de falência de instituições financeiras e similares já se consagrou
tanto na doutrina como na jurisprudência que os depósitos dos correntistas, latu sensu, não pertence à mesma,
devendo ser objeto de restituição dos valores encontrados em poder das mesmas,
não se podendo afirmar que sejam valores exclusivos dos bancos.
A prova
dos depósitos bancários demonstra a boa-fé dos contratantes com a instituição
financeira, não podendo os correntistas ser penalizados pelas manobras dos
falidos, e, muito menos, ficarem à mercê das arrecadações dos valores que estão
em poder dos bancos por força de contratos.
Desse
modo, em sendo demonstrado o depósito bancário é de ser deferida a restituição
a favor do restituinte.
Da mesma
forma, quando se tratar de falência de agências de consórcio, mesmo porque consorciado
entrega valores às mesmas, a fim de receber um bem futuro, que também não
pertence à agência de consórcio, como costuma acontecer, mas a terceiro. A agência
de consórcio apenas administra os
recursos recebidos, mediante recebimento de uma taxa, formando grupos interessados no bem. Assim, os valores
encontrados em poder das agências de consórcio são de propriedade dos
consorciados e não daquelas, motivo pelo qual devem ser restituídos in integrum aos mesmos.
Acaso
algum consorciado já tenha recebido o bem objeto do consórcio é claro que o
mesmo será devedor da massa falida e não credor, nem muito menos restituinte.
Também se
dará a restituição do dinheiro que for arrecadado nas falências dos chamados fundos de investimentos e fundos de previdência complementar,
mesmo porque tais entidades, em realidade, existem apenas para gerir valores de
terceiros investidores ou poupadores, que preferem tais formas de assegurar uma
rentabilidade maior, ou mais segura, que as previdências governamentais ou
fundos tidos como normais.
Evidentemente,
o risco dos investidores é muito maior e a falência de tais entidades gera um
grave dano aqueles que pensam em resgatar os valores dentro de determinados períodos
de tempo previamente acordados.
A quebra
de tais entidades e a arrecadação dos valores neles encontrados à toda evidência
não lhes pertence, mas, sim, aos seus investidores, mesmo porque os fundos de
investimentos e os fundos de previdência privada trabalham diretamente com o
dinheiro alheio, recebendo-os para investimentos e, no momento da quebra, deverão
ser restituídos seus respectivos investidores.
A questão
dos créditos decorrentes de securitização
de créditos ou como costumeiramente são chamados operações financeiras de crédito possuem as mesmas características
dos contratos de alienação fiduciária, mas que são particularizados na Lei
9.138, de 1995, ficando os devedores com encargos diante da União, que assume a
condição de pagador dos débitos dos valores devidos por produtores rurais,
perante as instituições financeiras.
Logo, na
medida em que a União banca os débitos dos produtores rurais há a amortização destes
frente às instituições financeiras. Entretanto, é comum a cobrança dos valores
dos produtores rurais pelas instituições financeiras e seu repasse à União, que
é, em última análise, a titular dos direitos creditórios que foram adquiridos
em face da securitização.
No caso
de quebra destas cessa-se o repasse da União e os produtores rurais hão de
verificar suas condições pessoais diante da securitização dos créditos. Porém,
no caso de arrecadação dos valores das instituições financeiras devem ser restituídos
aos produtores rurais, que são os proprietários
desses valores, posto que deveriam ser repassados à União.
Uma observação
a ser feita na falência é aquela que o administrador judicial deve verificar exatamente
o quantum já foi pago pelo mutuário a
fim de tomar atitudes processuais e que importem em exoneração da massa falida
de débitos perante a União.
Finalmente,
não sendo o caso de restituição nas hipóteses específicas dos artigos 85 e 86
da LRE só resta ao interessado propor embargos
de terceiro, na forma prevista na legislação processual civil, conforme se
vê do art. 93 da LRE: “Nos casos em que
não couber pedido de restituição, fica resguardado o direito dos credores de
propor embargos de terceiros, observada a legislação processual civil”.
[1] Código
Civil:
Art. 79 – são bens imóveis o solo e tudo o quanto se lhe incorporar
natural ou artificialmente.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II – o direito à sucessão aberta.
[2] Código Civil:
Art. 81 – Não perdem o caráter de imóveis:
I – as edificações que, separadas do solo, mas conversando a sua
unidade, forem removidos para outro local;
II – os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se
reempregarem.
[3] Código Civil:
Art. 82 – são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de
remoção por força alheia, sem alteração da substancia ou da destinação
econômico-social.
Art. 83 – Consideram-se móveis para os efeitos legais:
I – as energias que tenham valor econômico;
II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;
III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
Art. 84 – Os materiais destinados
alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua
qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de
algum prédio.
[4]
Código Civil:
Art. 85 –
São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie,
qualidade e quantidade.
[5] Código Civil:
Art. 86 –
São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria
substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.
[6] Decreto-Lei 857⁄69: Art. 1º São nulos de pleno direito os
contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que
exequíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou,
por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do
cruzeiro”. N.A.: atualmente, real.
[7] BEZERRA
FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de
Recuperação e Falências comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
3ª ed., p. 221.
[8] CORREA-LIMA,
Osmar Brina e Sergio Mourão Corrêa Lima – Comentários
à nova lei de falência e recuperação de empresas. Rio de Janeiro: Forense,
2009, pp. 591-592.
[9] CORREA-LIMA, Osmar Brina e Sergio Mourão Corrêa Lima –
Comentários à nova lei de falência e
recuperação de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 600.
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