DOS
CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL:
Os crimes contra a contra a propriedade imaterial
encontravam-se inicialmente descritos no Título III do Código Penal brasileiro,
sendo que no Capítulo I se sustenta, ainda, os crimes contra a propriedade
intelectual, ao passo que o Capítulo II do Código Penal acabou por ser
totalmente derrogado pelo Código de Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 14 de
maio de 1996), que criou novos mecanismos legais e tipos penais específicos.
Assim, se pode dizer que atualmente os crimes contra a
propriedade imaterial se dividem em crimes contra a propriedade industrial (Lei
9.279/96) e crimes contra os direitos autorais, conforme previsto no artigo 184
do Código Penal.
Tal tipo de proteção encontra amparo na própria Constituição Federal, a qual estabeleceu
alguns princípios
constitucionais sobre a própria valorização da dignidade da pessoa humana (art.
1º, inc. III), defendendo seu livre arbítrio para criar e escrever, e, ainda, ao
dizer, no inciso IV que um dos fundamentos basilares da soberania
brasileira é a preservação dos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa. Se só isso não fosse o suficiente, ainda, em diversas passagens
do art. 5º da Constituição Federal, no que tange aos direitos e
garantias fundamentais, estabeleceu dezenas de situações permitindo a livre
iniciativa e a liberdade de criação e sua preservação (incisos I, II, IV, VIII,
IX, X, XI, XII, XIII, etc.).
Mais adiante, a Constituição Federal volta a preservar
a livre iniciativa e o direito de criação e sua conservação e utilização, ao
estabelecer novo pacto, agora no Título VII, quando trata da Ordem Econômica
e Financeira (arts. 170 a 181),
reafirmando, por exemplo, no próprio caput do art. 170 o seguinte:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames a justiça
social, observados os seguintes princípios” (grifos nosso).
Ora, o legislador constitucional estabeleceu os
critérios basilares de uma justiça social, calcando-se na livre iniciativa como
fator primordial do estabelecimento de liberdade de criar, agir, inventar,
preservando, assim a vontade de que as pessoas tenham o interesse em movimentar
toda a ordem econômica, valorizando o trabalho humano e, principalmente, a
liberdade de iniciativa privada.
E, os princípios constitucionais não param por aí,
pois nos incisos seguintes destacam-se os motivos pelos quais levou o
constituinte a continuar a preservar a liberdade de criação[1].
Merecem destaque, evidentemente por seu cunho constitucional os princípios da defesa da propriedade privada e o da livre concorrência, base para a
penalização das condutas descritas nas leis especiais, cominando penas para
esse desrespeito constitucional.
Desse sentir, o Brasil passou a valorizar o trabalho e
a liberdade de produzir, protegendo aqueles que se prestam a inventar no Brasil, no sentido de
manifestação do espírito da criação.
No entanto, é imperioso destacar que o ‘inventar’ é uma palavra equívoca e poder
ser tomada em diversos sentidos.
Em termos gerais, a invenção comporta três (3)
concepções distintas, pelo menos, envolvendo vários ramos do direito, sendo que
se destacam os pontos de contato para a caracterização da proteção brasileira:
Ø Direito Civil, genericamente considerada
Ø Direito de Programas de Computador
Ø Direito Industrial – Código de Propriedade Industrial
Ainda, outros diplomas legais passaram a cuidar da
proteção da invenção, as vezes por maneiras transversas, como se vê do Decreto
5.244, 14/10/2004, que criou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e
Delitos contra a Propriedade Intectual, e que veio a estabelecer exatamente o que
é pirataria, no seu art. 1º, parágrafo único do Decreto
5.244/2004, in verbis: “Entende-se
por pirataria a violação dos direitos autorais de que tratam as Leis
9.609 e 9.610, ambas de 19 de fevereiro de 1998.”
Porém, se deixou de lado a pirataria mais evidente que
é aquela que protege a propriedade industrial, mas que se encontra presente na Lei
9.279/96, intitulado de Código de Propriedade Industrial, que é uma norma penal
híbrida, envolvendo vários ramos do Direito, como o Direito Comercial (ou
Direito Empresarial), em face da propriedade industrial, o Direito Civil,
devido ao direito autoral, agora tomado em sentido mais aprimorado como o da
propriedade industrial e o próprio Direito Penal, que estabeleceu, na repressão
penal, norma penal em branco, cuja complementação depende da própria legislação
específica.
Porém, é mister se fazer a distinção entre Direito
Autoral (previsto nas duas leis específicas – 9.609/98 e 9.610/98) e
Propriedade Industrial.
Por Direito Autoral deve se considerar
como sendo as criações do intelecto, do espírito, que inicialmente só
existe na concepção do autor. Não há produção industrial. Ex.: obra de arte,
música, livro, etc. O direito autoral está protegido penalmente no art. 184 do
CP, com a redação da Lei 10.695/2003 – alteração para “obra intelectual,
interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa”.
De outro lado, Propriedade Industrial,
embora também sejam criações de um intelecto, podem ser produzidas em larga
escala mercantilista.
Feitas essas digressões necessárias vejamos cada um
dos crimes.
CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTECTUAL
Violação de
Direito Autoral – Art. 184 do Código Penal
O tipo penal é a violação
de direito do autor, que,
como visto anteriormente, trata-se de uma “norma penal em branco”, cuja complementação encontra-se descrita na
Lei 9.610, de 19/02/1998. Trata-se, em realidade
de violação do direito de personalidade
do Código Civil de 2002, estabelecido nos arts. 18 a 20. Vale notar que não
existe qualquer correspondência da
presente disposição em relação ao Código Civil anterior, tratando-se de norma
estabelecida a partir da correta intelecção do tema, por força da Lei 9.610/98.
Por
sinal, o próprio Código Civil de 2002 estabeleceu a exceção de empresário no art. 966, parágrafo único,
do Código Civil, dizendo que “não se
considerado empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza
científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de
empresa”.
Desse modo, deve se entender
que o direito autoral implica em duas situações díspares, mas que se convergem:
não é desempenhado por empresário, salvo se o fizer por meio dos elementos que
constituem uma empresa (1) e deve ser uma manifestação espontânea do criador,
caracterizado pelo ineditismo (2).
A
Lei 9.610/98 veio a estabelecer, ainda, o que se deve entender obras
intelectuais, que são protegidas pelo art.
7º, ou seja, “as criações do espírito,
expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou
intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.
Logo em seguida passa a descrever a enorme quantidade
de situações que permite a proteção especial do inventor, devendo ser
interpretada a legislação especial – e, por conseguinte, a repressiva – a favor
do inventor (ou autor intelectual), lembrando, de outro lado, que se trata de
norma generalista, não caracterizando numerus
clausus, mesmo porque se utiliza da expressão vaga “tais como” e em várias
passagens usa norma genérica para demonstrar a proteção legal, o que reforça a
tese da generalização.
A proteção abrange, pois:
“I – os
textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II – as
conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III – as
obras dramáticas e dramático-musicais;
IV – as obras
coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por
qualquer outra forma;
V – as
composições musicais, tenham ou não letra;
VI – as obras
audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII – as
obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da
fotografia;
VIII – as
obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cênica;
IX – as
ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X – os
projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia,
topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e cênica;
XI – as
adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas
como criação intelectual nova;
XII – os
programas de computador;
XIII – as
coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de
dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu
conteúdo, constituam uma criação uma criação intelectual.”
Importante asseverar que a referência aos programas de
computador foi acrescentada como um plus,
pois o § 1º do art. 7º faz referência à legislação especial sobre o assunto,
que no caso brasileiro é a Lei 9.609/98.
De outro lado, na própria legislação especial houve a
classificação das exceções da
proteção legal, no art. 8º, devendo ser bem esclarecida a grande quantidade de
situações que não são protegida, ou seja:
“I – as
ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos
matemáticos como tais;
II – os
esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
III – os
formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação,
científica ou não, e suas instruções;
IV – os
textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões
judiciais e demais atos oficiais;
V – as
informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;
VI – o
aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras”.
A Lei 9.610/98, ainda, estabeleceu pormenorizadamente
quem seja o protegido dos direitos intelectuais, dizendo quem é o autor, seu
direito de uso e gozo sobre a coisa criada, além da necessidade de registro e
proteção das obras intelectuais (arts. 11 a 21), os direitos patrimoniais do autor (arts. 29 a 45) e suas exceções (arts.
46 a 48), fixando, ainda, o prazo de duração do privilégio
da obra intelectual, que no Brasil é de setenta
(70) anos, a partir de
1º de janeiro do ano subsequente ao da divulgação, ou falecimento do autor
(arts. 41 a 45).
Além disso, a Lei 9.610/98 veio permitir a criação da Associação
de Titulares de Direitos de Autor (arts. 97 a 100), como forma de melhor
proteger os interesses dos seus associados, sendo que, posteriormente, houve
alteração do Código de Processo Penal para que fosse permitida que tais
associações tivessem legitimidade para funcionar como assistentes de acusação
em processos contra os autores dos crimes do artigo 184 do Código Penal,
conforme Lei 10.695, de 1º de julho de 2003, que acrescentou o artigo 530-H ao
código subjetivo.
Dito
isso, precisamos nos fixar que a simples violação prevista no caput do art. 184 prevê a pena de
detenção, 3 meses a 1 ano ou
multa, ao passo que o tipo penal prevê as formas de violação qualificada nos §§ 1º, 2º e 3º, cuja pena é
de reclusão, de 2 a 4 anos, e
multa. Ponto fundamental em todos os parágrafos é que deve existir o intuito de lucro. Não é mister
receber ou ter recebido. Basta o fim.
Nos parágrafos do art. 184 do Código Penal há reprodução
(§ 1º), comercialização (§ 2º) e distribuição (§ 3º), etc. não autorizadas,
sendo que tudo isso deve ser feito com o intuito de lucro. Vale lembrar que a
intenção é o lucro, pouco importando se foi recebido, ou não, mesmo porque, se
o foi, será mero exaurimento do crime. A forma ou a maneira como o lucro é
obtido também é dispensável.
No § 1º do art. 184 há o crime de reprodução, total ou
parcial, da obra intelectual, sem autorização expressa do autor,
artista intérprete ou executante, do produtor, ou de seu representante.
No § 2º do art. 184 a punição é por conta da
comercialização de obra intelectual ou fonograma reproduzido, tanto faz se a
comercialização é de original ou cópia, fazendo-o sem expressa autorização dos
titulares dos direitos ou de que os represente.
No § 3º do art. 184, há a punição pela forma como a
obra intelectual é distribuída, isto é, por meio de oferecimento ao público,
por meio de cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou, pela forma genérica: qualquer outro sistema que permita ao
usuário realizar a seleção da obra ou produção.
De outro lado, o próprio
artigo 184 prevê uma causa de inexistência
de crime (§ 4º). Quando o agente não tem intuito de lucro e o faz “em um
só exemplar, para uso pessoal e exclusivo”, exatamente como previsto no artigo 46, inciso II da Lei
9.610/98, que dispõe: “não constitui
ofensa aos direitos autorais: I - ...omissis... II – a reprodução, em um só
exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por
este, sem intuito de lucro”.
[1] II
– propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio (ambiente);
VII – redução das desigualdades regionais e
sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento diferenciado às micro e
pequenas empresas, etc.
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