Dos
créditos submetidos à recuperação judicial
Cumpre
observar que nem todos os créditos estão sujeitos ao juízo universal da recuperação judicial, eis que a Lei 11.101/2005
explicitamente excetuou algumas obrigações do devedor, mesmo porque não
poderiam se submeter ao crivo do juízo da recuperação.
Assim,
inicialmente o antiquado e autoritário Código Tributário Nacional, editado na
época da Ditadura Militar e que já deveria ter sido extinto há muito tempo, no
art. 187[1],
diz que o crédito fazendário não é sujeito a nenhum tipo de concurso, o que não
deixa de ser um absurdo, mesmo porque em países mais adiantados que o nosso, o
Estado não goza de privilégio nenhum, principalmente porque a sonegação de
impostos é punido com penas graves, ao passo que o Brasil é um paraíso de
delongas a favor dos devedores...
Os
créditos tributários seguem uma dinâmica própria, prevista na Lei 6.830/1980,
criada também na Ditadura Militar e que já deveria ter sido defenestrada de
nossa legislação há muito tempo, porque confere ao Estado o superpoder de
executar seus créditos tributários com mãos de ferro. Por isso, é excepcionado
na legislação empresarial atual, que coloca somente aqueles que efetivamente produzem no processo
recuperacional.
Também
não tomam parte no processo de recuperação aquelas obrigações que não podem ser
exigidas diretamente do devedor[2],
como as seguintes enumeradas:
a)
obrigações a título gratuito, desde
que não exista nenhum tipo de conluio entre o devedor e o credor e, ainda por
cima, que não exista contra o devedor nenhuma demanda capaz de reduzi-lo à
insolvência, tudo conforme se vê do art. 593 do Código de Processo Civil[3],
ou, ainda, quando não haja anuência de todos
os credores do devedor, existentes ao tempo da deliberação gratuita, incluídos
aí os credores trabalhistas, tributários, preferenciais, etc.
b)
também não se submetem ao juízo da recuperação as despesas que o credor fizer para tomar parte no processo onde se
fixa o juízo universal, mesmo porque é uma obrigação natural do credor para com
o devedor. Se o devedor tem a obrigação de apresentar a relação de credores,
sob pena de responder pelo falsum, é
claro que o credor que quiser se antecipar ou tomar parte sponte sua tem a obrigação de recolher as custas necessárias e não
poderá cobrá-las do devedor.
No
entanto, é mister que se frise, que eventual sucumbência não
está incluída na isenção legal, mesmo porque decorre a sucumbência do próprio
direito de demandar, sendo expressamente consignada no art. 5º, inciso II, da
Lei 11.101/2005 tal exceção.
As
chamadas dívida ilíquida da recuperanda não é objeto da
recuperação judicial, em tese, mesmo porque a própria devedora poderá apontar
um valor que entenda devido e o credor não concordar, sendo que nesse caso,
enquanto não solucionado o quantum
debeatur não é possível considerar o valor do credor como verdadeiro, sendo
que o valor apresentado pelo devedor é o que deve prevalecer, para todos os
efeitos, inclusive para tomar parte em eventual Assembleia Geral de Credores,
enquanto não julgado o crédito corretamente.
Quando
a controvérsia é sobre quem deve pagar (an
debeatur) com muito mais razão é que não se pode incluir tal crédito na
recuperação judicial de empresa, mesmo porque aqui é o caso de negação da
obrigação, diferentemente da anterior situação, eis que lá a devedora diz que
deve, mas considera o valor menor, enquanto que aqui nega peremptoriamente a
existência de obrigação de pagar. Portanto, deve ser solucionado no juízo
apropriado quem deve pagar (an debeatur).
De
outro lado, o lobby exercido pelos
maiores credores do país para a confecção de uma legislação que lhes fosse
benéfica, acabou por criar uma categoria de credores ultraprivilegiados e
inatingíveis, a fim de que seus créditos não fossem afetados pela recuperação
judicial de um devedor, em flagrante contraste com o próprio instituto da
recuperação.
Refiro-me
especificamente aos créditos dos titulares de garantias variadas, excetuados no
art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005, que o traslado simples do mesmo demonstra que
há uma gama considerável de personagens que não são atingidos pelo pedido de
recuperação, quais sejam:
§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de
proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de
proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos
contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em
incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva
de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e
prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições
contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo,
durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do
estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade
empresarial.
Por
força do dispositivo acima os detentores de créditos com garantias como o
credor fiduciário, o arrendador mercantil e aqueles que alienam com reservas de
domínio ficariam fora do processo de
recuperação. Ficariam, gize-se, porque é muito comum o credor especial fazer
contratos com o devedor sobre o estoque rotativo da empresa como sói
acontecer com empresas fornecedoras de materiais de construção, eletrodomésticos,
secos e molhados, etc. e em face do ajuizamento das ações de recuperação
judicial tentarem se livrar da recuperação judicial alegando seu crédito
especial.
Ora,
em várias situações me deparei com créditos constituídos sobre bens
fungíveis, que facilidade de troca é inerente à própria estrutura da
empresa. E o credor, no afã de constituir-se como credor com reserva de domínio,
fidúcia, ou arrendamento mercantil procura apreender quaisquer bens do devedor,
a fim de que, numa possível demanda recuperacional, pretenda se livrar do ônus
desse procedimento, simplesmente alegando sua preferência e fazendo-se firme no
art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005.
Entretanto,
a verdade é outra, pois se os bens são fungíveis e o penhor ou garantia se
prende a bens do estoque da empresa, cuja própria natureza do bem é consabido
que se não mais existirá no momento de possível execução, tal credor fica
apenas com o “título”, sem a garantia, que é o bem dado pelo devedor.
Por
isso, numa determinada ocasião escrevi em um procedimento recuperacional que o
bem fungível não possui certidão de nascimento, certidão de casamento, registro
no Detran ou no Cartório de Registro de Imóveis e o fato de o credor tido como
extrarecuperacional ter apenas o título, não lhe garantia o direito de excutir
separadamente os bens da empresa recuperanda, que, na época da fixação do
título, não se preocupou com a fixação da garantia em bens infungíveis ou de
maior valor, ou, o que é pior, não se preocupou sequer em conceder o crédito,
que depois se via próximo da exclusão do procedimento recuperacional.
Pelo
art. 49, § 4º da Lei 11.101/2005[4],
aqueles que fizeram adiantamentos de câmbio, também não são sujeitos aos
efeitos da recuperação, sendo que ficou bastante claro, como a luz solar, que
Lei de Recuperação de Empresas e Falências sofreu um grande ataque, na sua
confecção, dos banqueiros deste país, para evitar que seus “preciosos” créditos
não fossem incluídos na recuperação, eis que se trata de valor proveniente de
instituições financeiras, mesmo porque um empresário não pode comprar
diretamente um bem de um fabricante estrangeiro, sendo obrigado a se valer das
instituições financeiras para que o seu negócio possa fluir naturalmente[5].
Além
disso, ficou consignado que os créditos garantidos com penhores sobre títulos
de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários
poderiam ser substituídas ou outras garantias, ou ainda, renovadas até o valor
das garantias, mas, nesse caso, o recebimento de eventual garantia ficaria
depositado em uma determinada conta vinculada, dentro do período de suspensão
das ações e execuções do devedor (180 dias a contar da data do deferimento do
processamento da recuperação judicial), nos termos do art. 49, § 5º da Lei
11.101/2005[6].
Importante
observar que os credores do devedor não poderão, naqueles 180 dias da suspensão
das ações e execuções, movimentar os autos contra a empresa em recuperação, mas
isto não significa que não poderão mover (ou continuar a mover) as ações e
execuções contra os devedores solidários, os coobrigados das obrigações
assumidas pela recuperanda, tais como avalistas e fiadores da recuperanda,
assim como os obrigados de regresso, ou seja, contra aqueles que têm direitos e
deveres para com a recuperanda, tudo isso nos termos do art. 49, § 1º da Lei
11.101/2005[7].
Finalmente
uma última consideração deve ser feita, no que diz respeito aos valores a serem
considerados para o ajuizamento da recuperação judicial. É que os créditos se
compõem de uma série de encargos legais e/ou contratuais/convencionais, como
multas, juros, correção monetária, etc., principalmente porque cada credor
procura se prevenir de eventual moratória utilizando um expediente que lhe
cause os menores danos possíveis.
Daí
que a contratação dos juros, correção monetária e multas são devidas até a data
do ajuizamento da moratória, valendo para todos os efeitos do processo da
recuperação. Por tal razão, ficou expresso no art. 49, § 2º da Lei 11.101/2005
que as obrigações do devedor seguirão aquilo que foi convencionado
anteriormente. Se houver uma decisão em sentido contrário, aprovado pela
Assembleia Geral de Credores, ou no caso de não haver impugnação ao plano de
recuperação apresentado pelo devedor, seguirá a nova dinâmica, eis que haverá
uma novação da dívida anteriormente existente[8].
[1] Art.
187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de
credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata,
inventário ou arrolamento.
Parágrafo
único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de
direito público, na seguinte ordem:
I
- União;
II
- Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III
- Municípios, conjuntamente e pró rata.
I – as obrigações a título gratuito;
II – as despesas que os credores fizerem
para tomar parte na recuperação judicial ou na falência, salvo as custas
judiciais decorrentes de litígio com o devedor.
[3] Art. 593. Considera-se em fraude de execução
a alienação ou oneração de bens:
I
- quando sobre eles pender ação fundada em direito real;
II
- quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda
capaz de reduzi-lo à insolvência;
III
- nos demais casos expressos em lei.
[4] § 4o Não
se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere
o inciso II do art. 86 desta Lei.
II – da importância entregue ao devedor,
em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio
para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e 4o, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965,
desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não
exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;
[6] §
5o Tratando-se de crédito garantido por
penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras
ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias
liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas
ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias
permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o §
4o do art. 6o desta
Lei.
[7]
Art.
49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data
do pedido, ainda que não vencidos.
§
1o Os credores do devedor em recuperação
judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores
e obrigados de regresso.
[8]
Art. 49, § 2o As
obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições
originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito
aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de
recuperação judicial.
Boa noite.
ResponderExcluirPoderia, por gentileza, me tirar uma dúvida? Se na audiência ficou determinado o pagamento de multa de 50% caso a empresa não pagasse na data, a mesma entrou com recuperação judicial. Neste caso, ela não será obrigada a pagar a multa?? Se for isso mesmo, entendo que a justiça concedeu algo e logo depois voltou atrás...seria totalmente injusto concorda?