DOS
CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA
Conceito:
Sempre existiu uma preocupação dos povos com suas moedas, no sentido de se
preservar a própria existência de um Estado.
Dessa maneira, podemos concluir que o início do sistema arrecadatório
foi cercado pelo temor reverencial ao governante, ao imperador, ao rei, de uma
maneira geral, criando-se o sistema de pena infamante e eivada de necessidade
de repressão geral, posto que o próprio poder real corria perigo sério,
inclusive com a perda do governo. Isto exigia uma resposta imediata, séria e
grave por parte do ultrajado. Assim, nas Ordenações do Reino que vigoraram
efetivamente no Brasil colonial, através do Livro V, intitulado de Libre Terrible, ou como alguns preferem,
o chamado Código Filipino, em memória do Rei Filipe, há dezenas de situações
que permitiam ao julgador a aplicação de pena capital, em casos de crimes
contra o Erário. Assim, reconhecemos alguns crimes contra a Soberania Real,
intitulados de “lesa magestade”, verbi
gratia:
Título VI - Do crime de Lesa Magestade
Lesa
Magestade quer dizer traição commettida contra a pessoa do Rey, ou seu Real
Stado, que he tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto
estranharão, que o comparavão á lepra; porque assi como esta enfermidade enche
todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de
quem a tem, e aos qe com elle conversão, polo que apartado da communicação da
gente: assi o erro da traição condena o que a commete, a empece e infama os que
de sua linha descendem, pos-toque não tenhão culpa.
......
9.
E em todos estes casos, e cada hum delle he propriamente commetido crime de
Lesa Magestade, e havido por traidor o que os commeter.
E
sendo o commettedor convencido por hum delles, será condenado que morra morte
natural cruelmente; e todos os seus bens, que tiver ao tempo da condenação,
serão confiscados para a Corôa do Reino, postoque tenha filhos ou outros alguns
descendentes, ou ascendentes, havidos antes, ou depois de ter commetido, tal
malefício.
10.
E sendo o tal crime notório, serão seus bens confiscados por esse mesmo feito
sem outra alguma sentença.
11.
E se o culpado nos ditos casos fallecer, antes de ser preso, accusado, ou
infamado pola dita maldade, ainda depois de sua morte se póde inquirir contra
elle, para que, achando-se verdadeiramente culpado, seja sua memória danada e
seus bens confiscados para a Corôa do Reino.
E
sendo sem culpa, fique sua fama e memoria conservada em todo seu stado, e seus
bens e seus herdeiros.
......
Título LII - Dos que falsificão sinal, ou sêllo Del-Rey,
ou outros sinaes authenticos, ou sêllos
Toda
a pessoa de qualquer stado e condição, que per si, ou per outrem falsar nosso
sinal, ou sêllo, ou depois de nossa Carta, ou Alvará ser per Nós assinado,
accrescentar, mudar, ou mingoar algumas palavras, ou letras, per que se mude em
alguma parte a substancia, ou tenção da dita Carta, ou Alvará, morra por isso,
e perca seus bens para a Corôa de nossos Reinos, se descendentes ou ascendentes
legítimos não tiver.
......
Título LIII - Dos que fazem Scripturas
falsas, ou usão dellas
Os
Tabelliães, ou Scrivães, que fizerem scripturas, ou actos falsos, mandamos que
morrão morte natural, e percão todos seus bens para a Corôa de nossos Reinos.
........
Título LVI
Dos Ourives, que engastão pedras falsas,
ou contrafeitas, ou fazem falsidades em suas obras
Mandamos
que nenhum Ourives lavre ouro em obra sua, nem alheia, e menos quilates do que
se lavra na Moeda.
.......
Titulo LVII - Dos que falsificão
mercadorias
Se
alguma pessoa falsificar alguma mercadoria, assi como cera, ou outra qualquer,
se a falsidade, que nella fizer, valer um marco de prata, morra por isso. Porém
não contratando a dita mercadoria, a execução se não fará, sem nol-o fazerem
saber.
E
se fôr de valia de hum marco para baixo, seja degradado para sempre para o
Brazil.
Titulo LVIII- Dos que medem, ou pesão
com medidas, ou pezos falsos
Toda
pessoa, que medir, ou pesar com medidas, ou pezos falsos, se a falsidade, que
nisso fizer, valer um marco de prata, morra por isso.
E
se fôr de valia de menos do dito marco, seja degradado para sempre para o
Brazil.
Titulo CXIII - Que se não tire ouro, nem
dinheiro para fóra do Reino
Pessoa
alguma, de qualquer stado que seja, assi naural, como estrangeiro, não tire per
mar, nem per terra, nem leve, nem mande levar, nem tirar para fóra de nossos
Reinos e Senhorios prata, ouro amoedado, nem por amoedar, nem dê favor, nem
ajuda para se levar.
E
quem o contrario fizer, sendo nisso achado, ou sendo-lhe provado, morra morte
natural; e por esse mesmo feito perca todos seus bens e fazenda, ametade para
que o achar, ou descobrir, e a outra para nossa Camera.
Estes são apenas alguns exemplos (há outros, que reputo menos importante para o debate) de como o
Poder Real cuidava dos seus bens, protegendo tanto o Estado como o próprio rei,
não permitindo que se desviassem bens e haveres do Reino.
Com a Declaração da Independência surgiu a necessidade
de se criar um novo mecanismo jurídico para o Brasil, tendo D. Pedro I –
Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil – outorgado a primeira
Constituição do Brasil, por meio da “Carta da Lei” de 25 de março de 1824.
Curiosamente, é a carta constitucional que teve maior vigência no Brasil até
hoje, tendo apenas uma emenda constitucional. Tal carta perdurou até o ano de
1889, com a proclamação da República.
No entanto, há que se ressalvar que a primeira
Constituinte foi sumariamente dissolvida pelo príncipe regente, eis que não
seguia suas diretrizes.[1]
Havia uma tendência natural de D. Pedro I para o constitucionalismo inglês, com
o reconhecimento explícito dos direitos e garantias constitucionais, em razão
das idéias abolicionistas da época.
Entretanto, foi criado no Título 7º da Carta
Constitucional a chamada “Administração e Economia das Províncias”, sendo que
nos artigos 165 e 166 a nomeação era direta do Imperador, estabelecendo nos
artigos 170 a 172 a chamada Fazenda Nacional, que seria “encarregada a um Tribunal, debaixo do nome de ´Tesouro Nacional´”, com a criação da Dívida Pública e o
processo de arrecadação e cobrança de tributos.[2]
A Constituição de 1891, por influência direta de Rui
Barbosa, foi entregue em 24 de fevereiro de 1891, composta de 91 artigos e 8
disposições transitórias, estabeleceu a dicotomia entre governo federal e
estadual para a cobrança de tributos (arts. 7º e 9º), a divisão dos Estados,
bastando aprovação nas respectivas assembléias legislativas (art. 4º).
O ponto alto da Constituição de 1891 foi a criação dos
crimes de responsabilidade do Presidente
da República no art. 54, dentre os quais estavam os crimes contra a:
“...6º probidade da administração.
7º A guarda e
emprego constitucional dos dinheiros
públicos.
8º As leis
orçamentárias votadas pelo Congresso.
§ 1º Esses delitos serão definidos em lei especial.
A idéia era a de não se permitir o fortalecimento do
poder nas mãos do Presidente da República, tudo isso baseado no Direito
Norte-Americano, do qual Rui Barbosa era indelével seguidor, aficionado e o
verdadeiro porta-voz do constitucionalismo yankee,
desejoso por aplicar aqui as mesmas normas jurídicas de lá, dentre as quais a
dicotomia da justiça, em federal e estadual, que hoje se sabe, muito mais males
causam, dada as constantes batalhas jurídicas de fixação de competência. Porém,
o futuro mostrou seus erros.
A lei de crimes de responsabilidade do Presidente
somente foi aprovada pelo Congresso em 1891, tendo sido baixado o Decreto nº
30, de 08 de janeiro de 1892, foi Floriano Peixoto, após a revolução.[3]
Na Constituição de 1934 se estabeleceu um capítulo
sobre “Da Ordem Econômica e Social”, nos
artigos 113 a 128, autorizando a criação do crime de usura, por meio de lei
(art. 117), estabelecendo a prescrição das dívidas, inclusive as fiscais (art.
119), além de criar as enormes proteções aos trabalhadores urbanos e rurais,
tendo sido criados os epítetos a Getúlio Vargas de “O Pai dos Pobres”, ou “O Pai
do Povo”... A nova Constituição criou, ainda, a Justiça Eleitoral, a fim de
evitar fraudes nas eleições, instituiu o voto secreto, dando ares de
democracia.[4]
No dia 10 de novembro de 1937 Getúlio Vargas, após o
seu golpe, outorgou nova Constituição à Nação, redigida por Francisco
Campos com base na Constituição autoritária da Polônia, abolindo os
partidos políticos, fechando o Congresso Nacional e dando poderes amplos e
irrestritos a Getulio Vargas, que governou sob a áurea da “Constituição
Polaca”. Tal constituição outorgada continha um capítulo sob a “Ordem
Econômica”, contendo 21 artigos (arts. 135 a 155), criando a possibilidade de
se instituir crimes contra a economia popular (art. 141).
Em fevereiro de 1946 é instalada a Assembléia Nacional
Constituinte, cuja carta política foi entregue em 18 de setembro de 1946,
contendo o Título V o tema “Da Ordem
Econômica e Social”, nos artigos 145 a 162, com autorização para a
intervenção no domínio econômico (146), a punição da usura (154), além dos
direitos trabalhistas e da previdência social amplamente relacionados (157) e o
direito à greve, nos termos da lei (158).[5]
Após o Golpe Militar de 31 de março de 1964, visando
afastar o espectro do comunismo, derrubando o presidente João Goulart, tomando
posse o General Humberto Castello Branco, por meio do Ato Institucional nº 1,
(AI) e, mais tarde, em 27 de outubro de 1965 baixou o Ato Institucional nº 2
(AI-2) suspendendo a Constituição e mergulhando o país de fato e de direito
numa autêntica ditadura militar. Os principais destaques, sob o aspecto econômico,
foram a manutenção de um extenso capítulo sobre o “Sistema Econômico” (arts. 18
a 26) e outro sobre a “Ordem Econômica e Social” (arts. 160 a 173).
Com a Emenda Constitucional nº 1, os Ministros da
Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica, após decretarem o “recesso” do
Congresso Nacional, resolveram editar as reformas constitucionais que julgaram
necessárias, mantendo o Capítulo da Ordem Econômica e Social, apenas alterando
as disposições (arts. 160 a 174).
Com a Constituição Federal de 05 de outubro de 1988,
por parte dos civis, criou-se, em
realidade, um verdadeiro código de direitos e obrigações, contendo expressões
absolutamente supérfluas, desnecessárias, descendo a minúcias que não deveriam
constar de normas constitucionais, mas, sim, melhor estariam estabelecidas nas
leis complementares e leis ordinárias que deveriam se seguir.
Assim, no art. 21, da
Constituição Federal, há dezenas de situações envolvendo a União, dentre as
quais se destacam (a emissão de moeda, inc. VII), a administração de reservas
cambiais e fiscalização das operações de natureza financeira (inc. VIII),
elaboração de planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômico e
social (inc. IX), etc.
Disto decorre a necessidade
de repressão das medidas que são contrárias à União e aos Estados, quando
autorizados constitucionalmente, cujas condutas ainda se encontram no vetusto
Código Penal de 1940. Genericamente se fala em fé pública que nada mais é do que a confiança que se deposita
automaticamente nos documentos emitidos pela administração pública, onde as
pessoas não necessitam de esclarecimentos sobre a veracidade dos documentos.
Daí a punição daqueles que
falsificam papéis, títulos e a própria moeda de curso no país, entre outros
delitos.
[1] LEAL,
Aurelino de Araújo. História
Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: 1915, p. 90
[2]
NOGUEIRA, Octaviano. Constituições
Brasileira: 1824. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e
Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, pp. 101/102.
[3]
BALEEIRO, Aliomar. Constituições
Brasileira: 1891. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e
Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 37.
[4] POLETTI,
Ronaldo. Constituições Brasileira: 1934.
Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de
Estudos Estratégicos, 2001, pp.115/167.
[5]
BALEEIRO, Aliomar et Barbosa Lima
Sobrinho. Constituições Brasileira: 1946.
Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de
Estudos Estratégicos, 2001, pp. 103/107.
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