RECUPERAÇÃO
JUDICIAL E OS PROBLEMAS RELACIONADOS À SUCESSÃO TRIBUTÁRIA E AO PARCELAMENTO DO
DÉBITO TRIBUTÁRIO, AMBOS CRIADOS PELA LEI 13.043⁄2014.
ARTHUR
MIGLIARI JÚNIOR
Promotor
de Justiça de Falências de São Paulo
Mestre em Direito Penal pela Universidade São Francisco.
Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Extensão
universitária em Recuperação de Empresas e Falências, pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas
(FGV-Law)
Doutorando
pela Universidade de Coimbra – Portugal na área de concentração: Direito Penal
Econômico-Empresarial
Professor
universitário e de cursos de pós-graduação lato sensu Coordenador Pedagógico do Instituto Phorte nas áreas
de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Internacional.
Co-Fundador
do Instituto Brasileiro de Recuperação de Empresas e Falências (IBR) – SPaulo
Co-Fundador do Tournaround Management Association of
Brazil – (TMA-Brazil) – SPaulo
Conselheiro
da Revista Jurídica Justitia do Ministério Público do Estado de São Paulo e
Associação Paulista do Ministério Público.
Diplomado
com o Mérito Internacional da Justiça, outorgado pelo Centro de Estudos do
Direito Europeu, Portugal.
Com
a edição da Lei 13.043⁄2014 surgiram dois grandes problemas no âmbito do
processo de recuperação de empresas, sendo que a primeira questão envolve a
sucessão tributária na aquisição dos bens das empresas em recuperação de
empresas e, ainda, o problema relativo à possibilidade de parcelamento dos
débitos tributários, previsto no artigo 57 da Lei de Recuperação de Empresas
(LRE – 11.101⁄2005), que pretendemos esmiuçar neste trabalho.
É
necessário relembrar que a questão tributária em recuperação de empresas não
foi tratada diretamente pela LRE, mas apenas an passant quando exigia a prova da existência dos débitos
tributários para a aprovação do plano de recuperação, antes da homologação
judicial (art. 57, LRE) e a venda de bens das empresas em recuperação judicial
e falências, dizendo a legislação recuperacional que não mais haveria sucessão
tributária, e nem trabalhista, nestas hipóteses.
Lembra
MANOEL JUSTINO BEZERRA FILHO que
havia um sério problema na legislação anterior que foi resolvido pela legislação
atual (11.101/2005), nesta passagem: "Um dos grandes temores de quem
arremata um bem em juízo é tornar-se sub-rogado nos ônus que pesam sobre o bem.
Assim, aquele que arremata um apartamento teme ser obrigado a pagar as despesas
de condomínio em atraso; aquele que arremata um parque industrial teme
responder pelas obrigações trabalhistas; todos temem responder pelas
obrigações tributárias. Como incentivo à existência de interessados na
compra, este parágrafo (artigo 60, parágrafo único) afasta o bem de quaisquer
ônus ou sucessão, criando o que o jargão jurídico-econômico convencionou chamar
de 'blindagem', ou seja, cercar o bem de todas as garantias de que não será
atingido por qualquer outro tipo de ônus, incluindo expressamente os de
natureza tributária".[1]
De
outro lado, GILBERTO GIANSANTE foi
claro em asseverar a inexistência de sucessão tributária, quando se encontrar
ínsita num plano de recuperação de empresas a alienação de unidade
produtiva isolada nesta passagem: "A Lei 11.101/2005, em seu
artigo 60, parágrafo único, foi taxativa ao estabelecer que as empresas
adquirentes de unidades produtoras das empresas submetidas ao regime de
recuperação judicial, estarão livres de quaisquer ônus e não haverá sucessão do
arrematante nas obrigações do devedor. Para isso, entretanto, desejável
que a alienação de filiais ou unidades produtivas isoladas esteja prevista no
plano de recuperação judicial aprovado pelos credores em assembleia geral, ou
de um aditivo ao plano que poderá ser posteriormente apresentado e também
aprovado em assembleia geral de credores. Desta forma, dá-se maior segurança
para o soerguimento de empresas em recuperação judicial por intermédio da venda
de ativos, porquanto o comprador não terá que arcar com a dívida fiscal
referente ao bem adquirido, a qual, por muitas vezes, inviabilizaria o
negócio."[2]
EDUARDO SECCHI MUNHOZ
também se sensibilizou com a grande mudança legislativa, aplaudindo a inserção
do atual parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005, aduzindo: "Sob
todos os aspectos, portanto, a eliminação da sucessão dos ônus e obrigações na
alienação de unidades produtivas isoladas do devedor deve ser havido como
positiva. Trata-se do tardio reconhecimento pela lei brasileira da distinção
entre empresa e empresário; os ônus e obrigações assumidos por este ao longo do
exercício da atividade empresarial devem permanecer sob a sua responsabilidade,
não sendo de se admitir que a sucessão destes comprometa a continuidade da
empresa sob o comando de terceiro."[3]
Tal
forma de pensar foi encampada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento da ADIN - Ação Direta de
Inconstitucionalidade, nº 3.934-2,
tendo como Relator o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI que fez a análise detida do
dispositivo, terminando por não acolher a demanda, reconhecendo, mesmo que apenas
de passagem, a superioridade dos argumentos de que a venda de unidade produtiva
isolada dentro de um plano de recuperação de empresas é superior ao ataque
executivo do Estado contra os empresários.
E
muitas recuperações judiciais ensejaram exatamente a possibilidade de venda de Unidade Produtiva Isolada (UPI) como
forma de se pagar os credores da empresa em dificuldades econômicas
momentâneas, proveniente de um plano de recuperação de empresas, aprovado em
assembleia geral de credores (AGC), nos termos do artigo 50 da LRE.
Nos
parecia um tanto estranho que, embora o Fisco não participasse da recuperação
judicial, devesse o devedor desde o início do processo de recuperação arrolar
todos os seus credores, inclusive os credores tributários e aqueles que não
participassem da recuperação[4],
tanto assim que o Fisco poderia prosseguir nas suas execuções fiscais
individuais movidas contra a empresa em recuperação[5],
segundo iterativa jurisprudência dominante, inclusive no Superior Tribunal de
Justiça, deveria ele, Fisco, atentar para a situação em que tentasse excutir
bens da empresa em recuperação, devendo se reportar ao juízo recuperacional.
Na
II Jornada de Direito Comercial promovida pelo Conselho da Justiça Federal,
restou estabelecido no Enunciado 78 do CJF que a empresa ou grupo econômico que
postula recuperação judicial é obrigada a relacionar todos os credores, inclusive os de natureza fiscal e aqueles
que, pela LRE, estão excluídos do processo recuperacional, conforme
inteligência do art. 51, inciso III da LRE.
Também
restou claro que o Fisco poderia prosseguir com o processo de execução fiscal
somente em parte, eis que eventual tentativa de excluir bens da empresa em
recuperação, no processo executivo, está vedado, não obstante os artigos 6º,
inciso VII, da LRE e 187 do Código Tributário Nacional, em face da necessidade
de submissão da vontade do Fisco ao juízo recuperacional, por força dos julgados
já mencionados do Superior Tribunal de Justiça.
Em
outra decisão do Superior Tribunal de Justiça, agora da relatoria da Ministra
Nancy Andrighi, quando do Ag.Reg. no CC. 116.036-SP, a 2ª. Seção do STJ decidiu
que caberia ao chamado “juízo universal
da recuperação” o prosseguimento dos atos de execução, sob pena de
inviabilizar a recuperação da sociedade. E, ainda, foi categórico o STJ no
sentido de que a competência para decidir sobre a sucessão dos ônus e
obrigações, nos casos de alienação de unidade produtiva isolada de sociedade em
recuperação, inclusive em caso de responsabilidade tributária da sociedade
adquirente. Este julgamento se deu em 12 de junho de 2013.
Destarte,
estabeleceu-se no STJ o chamado princípio da universalidade do juízo
recuperacional para a venda de unidades produtivas isoladas (UPIs) das empresas
em recuperação judicial, e, ainda, a impossibilidade de que os adquirentes
viessem a responder pelos débitos tributários decorrentes da venda.
Tal
maneira de decidir do STJ encontra em consonância com os artigos 60 e 142 da
LRE que não permitem a sucessão tributária e trabalhista no caso de venda de
unidades produtivas isoladas (UPIs) ou até mesmo da própria empresa em
recuperação ou outras situações que excluam diretamente bens penhorados nas
execuções fiscais e execuções individuais, a menos que se encontrem em situação
fraudulenta, prevista no art. 141, § 1º, da LRE[6]
ou, ainda, quando se tratar de fraude objetiva ou subjetiva, tratada nos
artigos nos artigos 129 e 130 da LRE.
A
discussão a respeito do chamado juízo
universal da recuperação judicial diante do aparente conflito com o juízo
das execuções fiscais chegou ao Superior Tribunal de Justiça, sendo que a
questão acabou por ser solucionada no Ag.Reg. CC 112.638-RJ, de relatoria do
Min. João Otavio de Noronha, julgado em 10 de agosto de 2011, publicado no DJe
de 19⁄8⁄2011, decidindo pela competência universal da recuperação ante o juízo
restrito do Fisco, na Vara Federal, que tenta se cobrar em execução fiscal.[7]
Tal
decisão tem a força inclusive de evitar que o Fisco promova a execução fiscal
ou a continuação da execução fiscal contra o adquirente de UPI ou qualquer
outro bem penhorado na execução fiscal, demonstrando a sensibilidade entre a
necessidade de manutenção da empresa ante a força açodada como age o Estado –
como um todo – com a famigerada Lei 6.830⁄1980, do tempo ditatorial, que sua
revogação pura e simples se impõe, a longa data, em face da total ineficiência
do Fisco em seu “poder” fiscalizatório e executório.
De
outro lado, o plano de recuperação judicial não é um ato jurídico imune a
qualquer reflexo, mas, assim como qualquer outro, está ele sujeito ao chamado “controle da legalidade”, como
costumeiramente vem decidindo os Tribunais, inclusive o Superior Tribunal de
Justiça e acabou por constar do Enunciado 44 do CJF que anteviu a necessidade
desse parâmetro de ajuste e fidelidade com os interesses do devedor e dos
credores em choque constante.
Na
verdade os planos de recuperação são negócios
jurídicos multilaterais, de natureza
novativa, pois vem a extinguir as obrigações anteriores, fazendo surgir novas
obrigações, decorrentes da sua aprovação, obrigando os vencidos à vontade dos
vencedores, nos termos do artigo 59, § 1º da LRE. Porém, em face da defeituosa
redação do artigo 61, da LRE, estamos diante de uma novação sui generis, genuinamente brasileira:
vale apenas em parte, ou vale enquanto durar a recuperação, mas não vale se a
empresa vier a falir! Coisas do Brasil.
Entretanto,
esses negócios jurídicos multilaterais
novativos da recuperação judicial tem uma característica singular: não
chama a se manifestar sobre o plano a Fazenda Pública, que se mantem afastada
do processo recuperacional, por força da sua possibilidade de continuar a
promover a execução fiscal.
No
entanto, se o plano de recuperação judicial vier a decidir sobre um bem dado em
garantia de execução fiscal ficaria a Fazenda Pública impedida de se manifestar
nos autos da recuperação judicial?
A
resposta negativa tem que ser óbvia, diante dos julgados do Superior Tribunal
de Justiça, pois dentre os meios de recuperação judicial previstos no artigo 50
da LRE podem ser embutidas as vendas dos bens constritos em execuções fiscais
individualmente perseguidas pela Fazenda Pública.
Chegamos
a um ponto interessante no contexto brasileiro: de um lado a LRE diz que alguns
tipos de credores estão fora do processo concursal, enquanto que a legislação
da execução fiscal (Lei 6.830-80) e o próprio Código Tributário Nacional
afirmam que o Fisco não se submete ao juízo
concursal. Entretanto, o STJ vem decidindo no sentido de que o Fisco não
pode continuar suas execuções individuais, assim como os credores trabalhistas,
devendo se curvar ao interesse da maioria.
Quanto
aos credores trabalhistas não há dúvida, pois estes estão arrolados na
recuperação judicial e possuem classe própria para decisão.
Quanto
aos créditos tributários, no entanto, diante da edição da Lei 13.043 é que a
situação se agrava e gera uma grande controvérsia. Porém, imaginamos haver
soluções possíveis de conciliação.
No
entanto, nunca é demais ressaltar que a presente Lei 13.043 possui uma
inconstitucionalidade concentrada logo na sua origem e devem os tribunais ser
questionados sobre essa constitucionalidade, e, a meu sentir, se posicionarão a
favor dessa inconstitucionalidade.
Primeiro
porque, quando da edição da LRE paralelamente ao tramitar do Projeto de Lei da
LRE (PL n.
4.376⁄93) houve uma alteração do Código Tributário nacional (Lei n.
5.172⁄66) pela Lei Complementar n.
118⁄2005 que criou expressamente o até então inexistente artigo 155-A, sendo que no § 3o
foi taxativo: “Lei específica disporá
sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em
recuperação judicial.”
Ora,
nem a Lei 10.522⁄2002 e muito menos a Lei 13.043⁄2014 se referem
especificamente e unicamente ao parcelamento de débitos tributários de empresas
em recuperação judicial. São duas leis próprias de uma cultura “carrinho de supermercado” do legislador
brasileiro, aonde vão sendo colocados todos os penduricalhos possíveis, tal
como num carrinho de supermercado, desde produtos de limpeza a víveres.
Então,
primeiramente ambas as legislações pecam pelo princípio básico do ordenamento
jurídico: falta de especificidade.
Notem
que não se trata de criar exigência onde não existe, mas, ao contrário, fazer
cumprir a Lei Complementar à Constituição Federal e, portanto, superior às leis
ordinárias editadas posteriormente, mas que não podem servir de revogação implícita
ou tácita, eis que incompatível com a norma complementar constitucional, que
exigiu que apenas se fizesse parcelamento de débitos tributários para devedores
em recuperação judicial dentro de uma legislação
específica. Logo, na ausência de uma lei específica para esse fim, qualquer
exigência fiscal é passível de questionamento judicial. E, seguramente, na
esfera judicial, seja por meio de um mandado de segurança seja por meio de ação
cautelar de conhecimento, o deferimento em favor do devedor é medida mais do
que justa.
Em
face da violação do princípio determinado pela alteração do Código Tributário Nacional
qualquer questão que se coloque no caminho, criando dificuldades para o devedor
em recuperação judicial, não passará do exame da inconstitucionalidade das
legislações 10.522 e sua alteração 13.043, ambas verdadeiras aberrações
jurídicas – como tantas outras que vicejam neste país.
Antes
da edição dessa legislação, nomeadamente a Lei 13.043, o Superior Tribunal de
Justiça já havia sistematizado que o parcelamento do débito tributário era uma
faculdade colocada à disposição do devedor em recuperação judicial, não sendo,
por isso, conditio sine qua non para
o deferimento da moratória, como se pode verificar do julgamento do Recurso
Especial nº 1.187.404-MT, (2010/0054048-4), tendo como Relator o Min. LUIS
FELIPE SALOMÃO, onde o parcelamento ou a comprovação da regularidade fiscal não
poderia ser óbice para a homologação do plano, já aprovação em assembleia geral
de credores[8].
Além
disso, não se pode esquecer que o parcelamento do débito da empresa é um
direito, chamado de direito público
subjetivo em favor do devedor em saldar seu débito e não uma faculdade dada
ao poder discricionário do Estado – Estado este, repito, sempre se mostrou
leniente com os devedores.
Debalde
a inconstitucionalidade latente da Lei 13.043, mister se faz demonstrar, ainda,
outras incoerências absurdas constantes da mesma, que alterou a Lei 10.522,
incluindo o taciturno artigo 10-A.
Vejamos.
Inicialmente
afirma o art. 10-A. que o “empresário ou a sociedade empresária” –
demonstrando que a intenção da Fazenda é distinguir entre o responsável pela
empresa e a empresa, fazendo uma separação não exigida pela lei. Prossegue: “que pleitear ou tiver deferido o
processamento da recuperação judicial” – que são situações díspares, pois
uma coisa é o início do procedimento recuperacional (pleitear) e a outra
situação é aquela que já foi consolidada e os credores estão concordes
(deferido). Continuando, “poderão parcelar
seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 parcelas mensais e consecutivas”. Frise-se, não há razão
alguma para que a Fazenda parcele os débitos tributários em, no máximo, 84
parcelas, eis que os REFIS permitem mais parcelas[9].
Mas, os termos colocados pelo legislador acrescenta
mais: “aplicados sobre o valor da dívida
consolidada” e, na sequência, coloca as percentagens de correção. No
entanto, o que nos salta aos olhos é a chamada dívida consolidada, que não vem explicada em qualquer parte da
legislação 13.043 ou da 10.522, ou, ainda, de outras legislações, mas se trata
de questão técnica colocada à margem de discussão na legislação, de maneira
totalmente ilícita, vez que se sabe que a consolidação
do débito engloba um sem-número de penduricalhos administrativos e
penitenciais, como as multas, ou os honorários advocatícios embutidos por meio
de decretos de credibilidade e origem muitas vezes de discutível legalidade e
discutidas em outras esferas.
Prosseguindo com as maldades próprias de estados
totalitários e ávidos por enriquecimento sem causa, prossegue a reforma com o §
1o da Lei 10.522, com
a redação a Lei 13.043, dizendo: “O
disposto neste artigo aplica-se à totalidade dos débitos do empresário
ou da sociedade empresária constituídos ou não, inscritos ou não
em Dívida Ativa da União, mesmo que discutidos judicialmente em ação
proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução fiscal já ajuizada, ressalvados
exclusivamente os débitos incluídos em parcelamentos regidos por outras leis.”
(grifos nossos).
A inconstitucionalidade deste dispositivo é de uma
clareza palmar, que faria corar até mesmo Maquiável! Então, a forma como a
União autoriza o parcelamento diz respeito a todo e qualquer débito, mesmo
aqueles que ainda não constam de débitos constituídos,
isto é, aqueles débitos que nem mesmo o devedor sabe de sua existência, ou
outros débitos não inscritos,
isto é, aqueles que, ainda que tenham sido constituídos pendem sobre os mesmos
prazos, objeções, discussões, questionamentos, e, ainda, aqueles que já
ultrapassaram a esfera do campo administrativo e já se encontra no Poder
Judiciário, exercendo o devedor o sagrado direito de defesa,
constitucionalmente assegurado, ou, ainda, em execução fiscal assegurada com
penhora realizada, e, finalmente, outros débitos decorrentes de outras
legislações anteriores ou posteriores a presente.
Colocado de outra forma, mesmo que os débitos
estejam sendo discutidos judicialmente ou aqueles que nem sequer o próprio
empresário tenha conhecimento de sua existência, poderiam ser incluídos no
absurdo processo de parcelamento.
Mas a caixa de maldades não para por aí, eis que o
legislador, no afã de superdotar o Erário do direito de exigir mais do que
pode, fez incluir o § 2o que
faria com Albert Pierrepoint se sentisse
o mais nobre dos homens, ao dispor que seria necessário que os devedores desistissem
de suas defesas administrativas e judiciais, mas, não apenas assim o fizessem,
mas, expressamente e cumulativamente, renunciassem às mesmas. Não só isso, de
forma irrevogável![10]
Ora, o Superior Tribunal de
Justiça já decidiu que em algumas matérias não se aplica a renúncia quando se
tratar de matéria de direito, como a prescrição, por exemplo, conforme julgado
no REsp. 1.191.336 - RN (2010/0077913-0), da 1ª Turma, Relator MINISTRO
SÉRGIO KUKINA, julgado em 23 de setembro de 2014[11].
Ademais,
a inconstitucionalidade da disposição é manifesta, bastando observar que
nenhuma, absolutamente nenhuma, lesão de direito pode ser subtraída de
apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal[12]).
Em outra desconsideração com o
instituto da recuperação judicial, a legislação permite, agora no § 3o [13] que o empresário possa desistir de um parcelamento para se
fincar neste, podendo parecer, à primeira vista, que se trata de uma benesse ao
devedor, mas, em realidade, vem a esconder um caráter perigoso de novação de
dívidas por parte do incauto devedor, pois os verbos desistir e solicitar bem
demonstram a real intenção estatal de submissão do devedor ao crivo da União,
que decidirá, pois haverá apenas uma “solicitação”
ou “pleito” em andamento e a desistência do primeiro financiamento
importa na adoção de uma série de medidas contra o devedor contumaz.
No § 4o ficou
estabelecido que fossem causas de rescisão do parcelamento a não
concessão da recuperação judicial – o que importa dizer que o pleito teria sido
feito concomitantemente, ou no curso da recuperação judicial, mas ao final foi
indeferida, ou não processada, ou até mesmo desistido pelo devedor, bem como a decretação
da falência.[14]
Entretanto, novamente se impõe uma colocação de
grande valia: não há interferência do processo recuperacional nas execuções
fiscais em andamento e muito menos nas questões fiscais no processo
recuperacional. São instâncias distintas e equidistantes, cada uma se regendo
por norma autônoma e separada. Se o Estado, dentro de seu poder discricionário
resolve submeter um devedor ao seu crivo, parcelando sua dívida não há
interferência nos demais casos em que este é devedor. Logo, haverá uma novação
de dívida estatal e esta não poderá ser objeto de rescisão em face da condição
inicial do devedor, caso contrário, estaríamos diante de uma nova fórmula de novação tupiniquim: vale, pero non mucho! Vale até saber o estado
da recuperação judicial. Se não vingou, também não vinga a reestruturação
financeira do Estado, composta de uma novação. Se novou e a empresa veio a
falir, também não vale a novação estatal! Outro dos absurdos do legislador
brasileiro, fadando-se o presente dispositivo à clara declaração de
inconstitucionalidade.
De outro lado, o § 5o trata de maneira distinta débitos de um mesmo
empresário ou de uma mesma sociedade empresária, pois afirma que somente
poderá possuir apenas um parcelamento
de dívidas para com a União, sejam eles que eles débitos constituídos, inscritos ou não em Dívida Ativa, mas todos
eles existentes somente até a data do pedido de parcelamento.[15] Para a presente lei draconiana como se
apresenta não importa se os débitos já existam regularmente, se já se cumpriu
todo o rigorismo da constituição do crédito, se ele esteja ou não em discussão,
judicial ou administrativamente, inscrito ou não na Dívida Ativa. O que importa
é que podem todos compor um único “pacote”, desde que o devedor abra mão de
todas as suas garantias constitucionais, até a data em que vier a fazer o
pedido de parcelamento.
Importante considerar
que vale é o pedido de parcelamento e não seu efetivo deferimento. Se o
devedor, ad exemplis, é devedor de
10.000 na data do pedido de parcelamento, mas se constata que na data do
deferimento do parcelamento ele tenha uma dívida de 100.000, não poderá
inclui-la no plano de parcelamento, e, ainda, não poderá parcelar essa outra
dívida, pois somente poderá ter um único parcelamento, pois a lei fala em “apenas um” demonstrando a total
insensibilidade do legislador de 2014, com a absurda e inconstitucional
legislação 13.043.
Por questão de
lógico falarei do § 6o logo após o § 7o que manda o devedor cumpriu uma série de
regras administrativas e cumprir uma série de exigências, de legalidade
duvidosa, mas, diante da inconstitucionalidade de todo o sistema, me parece que
não sobreviverá tal dispositivo, também.
É exatamente esse § 6o que advirá uma confrontação direta com os
processos de recuperação de empresas e gerará uma grande discussão acadêmica,
jurídica e doutrinária, a ser solucionada pelo Poder Judiciário, pois considera
que o parcelamento não produz novação e não libera os bens garantidores das
execuções fiscais dados nos respectivos processos, ao ser textual que a concessão
do parcelamento pela União – como se fosse um simples favor, não um direito
público subjetivo do devedor – não
implica a liberação dos bens e direitos do devedor ou de seus responsáveis que
tenham sido constituídos em garantia dos respectivos créditos.[16]
Ora,
primeiramente há que se colocar a questão da competência para apreciar e decidir
sobre os bens de empresa em recuperação judicial e sua eventual
disponibilidade. Nesse aspecto, já se encontra sacramentado pelo Superior
Tribunal de Justiça que a competência é do juízo
universal da recuperação, assim como no Enunciado 74 do CJF já se posicionou
no sentido de que, embora possa prosseguir a execução fiscal, a sua execução e
disposição tem que ser pedido no juízo universal
da recuperação.
A situação
que se vislumbra, então, diante da doutrina qualificada e da jurisprudência já
sedimentada é que o juízo universal da
recuperação passará a atrair para o seu conhecimento e julgamento questões que
estariam fora da sua esfera de discussão, como é o caso dos problemas
tributários, não apenas da União, previstos na Lei 10.522, com a reforma da Lei
13.043, debalde suas inconstitucionalidades latentes já expressadas
anteriormente.
Entretanto,
quando um bem estiver constrito no juízo da execução fiscal e houver
deliberação de sua alienação no juízo da recuperação judicial, colocado e
aprovado em um plano de recuperação judicial, nascerá a partir daí um conflito inexpugnável,
que deverá ser decidido pelo juízo
universal.
O bem,
geralmente unidade produtiva isolada (UPI) ou o estabelecimento comercial, como
um todo, é capaz, ele só, de quitar todos os débitos da empresa em crise
financeira, apta a recompô-la no campo da competitividade, ou, até mesmo,
quitar seus débitos e encerrar a empresa, sem dívidas.
Em
que pese até a boa fé latente da empresa em crise econômica, na maioria (ou
unanimidade) das vezes, o bem se acha constrito, garantindo uma (ou várias)
execução fiscal, compondo até mesmo a expectativa de que o Fisco venha a se
pagar no caso de uma alienação futura.
Porém,
estando o bem constrito na execução fiscal, poderá o empresário coloca-lo como
garantia do pagamento dos credores, ou, como sói acontecer, coloca-lo a venda
em hasta pública, de acordo com a LRE.
O
produto da venda do bem deverá ir para quem? Para a Fazenda Pública? O rateado
entre os demais credores?
Se
tomado o Enunciado 74 do CJF e as decisões do Superior Tribunal de Justiça ao
pé da letra quem decidirá é o juízo universal
da recuperação. Neste ponto não há dúvida alguma.
Agora
o produto da venda do bem deverá ser colocado no plano de recuperação judicial
e, neste aspecto, o juízo deverá observar se há cláusula nesse sentido, para
que o Erário também seja pago, mesmo que em valor não efetivo das suas
constrições judiciais, pois nesse caso, imagina-se, nada sobraria aos credores.
A
solução salomônica se impõe. De um lado o plano de recuperação é apreciado
pelos credores, mas também, passa pelo crivo do Ministério Público e do Poder
Judiciário, os quais devem estar atentos ao controle
de legalidade do plano, como iterativamente vem decidindo os tribunais,
inclusive o STJ.
No
controle de legalidade tanto o Ministério Público como o Poder Judiciário devem
observar se o bem dado à venda no plano de recuperação é alvo de constrições
fazendárias. Se houver resposta afirmativa, o plano não poderá ser homologado
se não existir uma fórmula de pagamento do Fisco, eis que, em regra, o juízo da
execução fiscal poderia ter vendido o bem naquele juízo e partilhado o produto
entre o Fisco e eventuais credores habilitados, prontos para receber as sobras.
De
outro lado, não constando do plano de recuperação nenhum pagamento à Fazenda,
dentro do controle da legalidade exercido
pelo Judiciário, não poderá o plano ser homologado, eis que afasta do juízo universal o crédito fazendário,
mesmo que este não tenha sido inicialmente consignado na LRE. Se não existir
uma fórmula de pagamento da Fazenda é porque o devedor tenta se livrar do bem
constrito em detrimento do crédito fazendário, repassando a terceiro, sem
quitar com suas obrigações tributárias. Destarte, trata-se de uma fórmula de fraude a credores inclusive previsto no
crime na fórmula genérica do artigo 168, caput,
da LRE, pois assim o devedor teria uma forma de vantagem econômica em prejuízo
de terceiros, no caso, a Fazenda Pública.
Pensando
exatamente na possibilidade de venda de unidade produtiva isolada, na
recuperação judicial, sem que isto venha a constituir uma fraude contra a
Fazenda Pública, a fórmula a ser seguida pelo devedor é no sentido de
constituir um pagamento à esta, não obstante não seja ela credora na
recuperação judicial, mas, por força das seguidas decisões judiciais e do
entendimento do Enunciado 74-CJF, terá o devedor que embutir no seu plano de
pagamento aos credores algo a favor do Erário.
Assim,
uma fórmula 90-10, 80-20, ou até mesmo 70-30, deve ser vista pelo Judiciário
como uma condição para que todos os credores sejam satisfeitos, lembrando que a
parcela maior deve ser dos credores que estão na recuperação judicial, ao passo
que a parcela menor é para o pagamento ao Erário, mesmo porque este não é
considerado credor dentro da recuperação, mas vem a ser chamado para dela
participar por força da constrição judicial.
Por
força dessa contemplação do crédito fazendário dentro do processo
recuperacional forçoso é concluir que a alienação do ativo na forma prevista na
LRE não poderá constituir uma fraude ao credor fazendário, livrando, também, de
qualquer tipo de constrição judicial, o arrematante do bem, fazendo com que
prevaleça o interesse dos possíveis licitantes no bem colocado em hasta
pública, mantendo o valor do bem em condições de compra por um valor muito
próximo ao de mercado, mesmo porque o valor real nem sempre é alcançado, em
face das condições do próprio bem colocado à venda.
Mantendo-se
o valor próximo do bem ao mercado, quando colocado à venda, mantem-se a
condição sine qua non para que os interessados
possam licitar, e, dada a experiência acumulada nestes últimos dez anos de vigência
da Lei de Recuperação de Empresas, o valor da venda sempre superou as expectativas
diante da impossibilidade de submeter os adquirentes ao crivo das evicções
trabalhistas e tributárias, ensejando uma maior disputa e mais interessados
nessa disputa, atraindo novos adquirentes.
Concluindo,
podemos asseverar que nos dez anos que se seguiram à edição da Lei de
Recuperação de Empresas e Falências (Lei 11.101, de 2005) houve uma modificação
da forma de pensar o problema relativo à empresa em crise econômico-financeira,
passageira por excelência, sendo que a busca incessante de meios de recuperar
tais empresas passou pela elaboração de planos econômico-financeiros. Esses
planos foram iniciados colocados fora da apreciação do Poder Judiciário, mas,
diante do abuso que eclodiu a intervenção judicial se mostrou necessária e a
prática tem demonstrado que o controle da
legalidade se mostrou viável. De outro lado, a jurisprudência e a doutrina
qualificada passaram a entregar ao juízo universal
da recuperação o controle dos destinos das empresas, impedindo que o Fisco
execute diretamente os bens que servirão de base para a recuperação da empresa,
exigindo que exista um pronunciamento deste juízo recuperacional. Dessa
maneira, dentro do controle da legalidade que já vem sendo exercido a edição da
Lei 13.043⁄2014, alterando a Lei 10.522⁄2002, com a inclusão de normas absurdas
e inconstitucionais vem na contramão do direito recuperacional ao suprimir
garantias constitucionais e duramente conquistadas ao longo de décadas de democracia
e respeito aos direitos, motivo pelo qual entendemos que a declaração da
inconstitucionalidade desse dispositivo se impõe. Finalmente, sendo ou não
declarada inconstitucional tal Lei 13.043⁄2014, que alterou a Lei 10.522⁄2002, o
fato marcante é quando houver a necessidade de inclusão nos planos de recuperação
de empresas normas explícitas de venda das UPIs (Unidades Produtivas Isoladas) com
constrições judiciais estatais, também, deverá existir formuladas de pagamento
do Fisco, de maneira proporcional, a fim de que todos os credores possam ser
aquinhoados, inclusive o Fisco, permitindo que os adquirentes dos bens em
hastas públicas não sejam surpreendidos com possíveis e inaceitáveis
responsabilizações tributárias, em decorrência dessas aquisições.
[1] BEZERRA FILHO, Manoel Justiça, Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada.
3ª. edição, São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 392⁄393. pp.
159-160.
[2] Riscos de Sucessão
Trabalhista e Fiscal na Alienação de Unidade Produtiva Isolada de empresa em
recuperação judicial e ativos na falência, Comentários à Lei de Recuperação
de Empresas e Falências. Alexandre Lazzarini, Tais Kodama (coordenadores). São
Paulo: Editora Quartier Latin, 2013, pp. 197-223
[3] Comentários à lei de recuperação de empresas e
falência: Lei 11.101/2005 - coordenação Francisco Satiro de Souza Júnior,
Antonio Sérgio A. de Moraes Pitombo, 2a. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, pp. 297-298.
[4] No
AgReg. No AREsp. 468.895-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, a 4ª Turma do STJ decidiu
que a lei manda que se relacione todos os créditos, inclusive os tributários e
aqueles não sujeitos aos efeitos da recuperação, como a propriedade fiduciária,
o arrendamento mercantil, o direito real de garantia, a compra e venda com
reserva de domínio, os contratos de ACCs (travas bancárias): julg. 06 de
novembro de 2014, DJe 14⁄11⁄2014.
[5] Nesse sentido: AgRg no CC 136130 / SP - AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA 2014/0245786-8: Relator ANTONIO CARLOS FERREIRA:
AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. EDIÇÃO DA LEI N. 13.043, DE 13.11.2014. PARCELAMENTO DE CRÉDITOS DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO. JURISPRUDÊNCIA MANTIDA.
1. O juízo onde se processa a recuperação judicial é o competente para
julgar as causas em que estejam envolvidos interesses e bens da empresa
recuperanda.
2. O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal,
mas os atos de constrição ou de alienação devem-se submeter ao juízo universal.
Jurisprudência.
3. A Lei n. 11.101/2005 visa à preservação da empresa, à função social
e ao estímulo à atividade econômica, a teor de seu art. 47.
4. No caso concreto, a edição da Lei n. 13.043/2014 – que acrescentou o
art. 10-A à Lei n. 10.522/2002 e disciplinou o parcelamento de débitos de
empresas em recuperação judicial – não descaracteriza o conflito de
competência.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
[6] Art. 141. Na
alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas
filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
I – todos os credores, observada a ordem de
preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da
realização do ativo;
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer
ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive
as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as
decorrentes de acidentes de trabalho.
§ 1o O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante
for:
I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada
pelo falido;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim,
do falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III – identificado como agente do falido com o
objetivo de fraudar a sucessão.
§ 2o Empregados do devedor contratados pelo
arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o
arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.
[7] PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DE DIREITO DE VARA EMPRESARIAL. JUÍZO FEDERAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ALÇADA DA SEGUNDA SEÇÃO. ART. 9º, § 2º, IX, DO RISTJ. NULIDADE DE DECISÃO DO RELATOR. ARGUIÇÃO IMPRÓPRIA E DESCABIDA. ALIENAÇÃO DE UNIDADE PRODUTIVA, VIA LEILÃO JUDICIAL, NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE SUCESSÃO DO ARREMATANTE. ARTS.
60 E 141 DA LEI N. 11.101/2005. CONSTITUCIONALIDADE PROCLAMADA PELO STF (ADI N. 3.934-2/DF). CONFLITO CONHECIDO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA VARA EMPRESARIAL.
1. Estabelecido com base no art. 115, I, do CPC conflito de competência entre Juízo de vara empresarial e Juízo federal, fundado em pronunciamentos conflitantes sobre a sucessão de arrematante, em alienação judicial, nas obrigações de empresas em procedimento de recuperação judicial, é nítida a alçada da Segunda Seção para apreciar o incidente processual, conforme a regra contida no art. 9º, § 2º, IX, do RISTJ.
2. É imprópria e descabida a arguição de nulidade de decisão do relator fundada nas mesmas razões de anteriores decisões em casos semelhantes, várias delas amparadas em parecer do Ministério Público Federal e objeto de julgamento e confirmação pela Segunda Seção na via recursal de embargos de declaração e de agravo regimental.
3. O juízo responsável pela recuperação judicial detém a competência para dirimir todas as questões relacionadas, direta ou indiretamente, com tal procedimento, inclusive aquelas que digam respeito à alienação judicial conjunta ou separada de ativos da empresa recuperanda, diante do que prescrevem os arts. 6º, caput e § 2º, 47, 59 e 60, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005.
4. Como consectário lógico e direto dos pressupostos e alcance da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 3.934-2/DF, proclamou a constitucionalidade dos arts. 60 e 141 da referida lei.
5. Decidido anteriormente pelo Juízo de Direito, nos autos da recuperação judicial, que o adquirente de unidade produtiva via alienação naquele processo não responderia pelas obrigações do devedor (art. 60, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005), tal deliberação sobrepõe-se a qualquer decisão sobre a matéria advinda de juízos diversos, sob pena de inibição do propósito tutelar e da operacionalidade do mencionado diploma legal.
6. Agravo regimental desprovido.
[8] EMENTA DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO
ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXIGÊNCIA DE QUE A EMPRESA RECUPERANDA COMPROVE
SUA REGULARIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 57 DA LEI N. 11.101/2005 (LRF) E ART. 191-A
DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS.
INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E
PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
1. O art. 47 serve como um
norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao
desígnio do instituto, que é "viabilizar a superação da situação de crise
econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à
atividade econômica".
2. O art. 57 da Lei n.
11.101/2005 e o art. 191-A do CTN devem ser interpretados à luz das novas
diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas,
notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em
benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade
do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do CTN.
3. O parcelamento tributário
é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de
regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art.
57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência
de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação
judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o
legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe
seja concedida a recuperação.
4. Recurso especial não
provido.
[9] Ad exemplis: RECURSO
ESPECIAL Nº 1.460.945 - SC (2014/0144687-9), RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL
MARQUES: PARCELAMENTO INSTITUÍDO PELA LEI N. LEI 11.941/2009. LIMITE DE ATÉ 180 MESES. LEGALIDADE DO ART.
3º, §4º, DA PORTARIA CONJUNTA PGFN//RFB nº 6, DE 22 DE JULHO DE 2009 FRENTE AO
ART. 1º, DA LEI N. 11.941/2009. Documento: 39005150, DJe: 23/09/2014.
[10] § 2o No
caso dos débitos que se encontrarem sob discussão administrativa ou judicial,
submetidos ou não à causa legal de suspensão de exigibilidade, o sujeito
passivo deverá comprovar que desistiu expressamente e de forma irrevogável da
impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente,
renunciou a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem a ação
judicial e o recurso administrativo.
[11] AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.191.336 - RN
(2010/0077913-0)
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ISSQN. CRÉDITOS PRESCRITOS.
PARCELAMENTO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. INOVAÇÃO DE
RAZÕES RECURSAIS EM SEDE DE AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O parcelamento do débito tributário após o
transcurso do prazo prescricional não implica renúncia da prescrição, conforme
a jurisprudência firmada no STJ.
2. A tese de que não operada a decadência para efetuar
o lançamento não foi oportunamente suscitada nas razões de recurso especial, o
que revela indevida inovação recursal.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v.u., RELATOR
: MINISTRO SÉRGIO KUKINA, julg. 23 de setembro de 2014(Data do Julgamento)
[12] Constituição
Federal: art. 5º, inciso XXXV - a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito
[13] § 3o O
empresário ou a sociedade empresária poderá, a seu critério, desistir dos
parcelamentos em curso, independentemente da modalidade, e solicitar que eles
sejam parcelados nos termos deste artigo.
[14] § 4o Além das hipóteses previstas no art. 14-B, é
causa de rescisão do parcelamento a não concessão da recuperação judicial de
que trata o art. 58 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, bem
como a decretação da falência da pessoa jurídica.
[15] § 5o O empresário ou a sociedade empresária
poderá ter apenas um parcelamento de que trata o caput, cujos débitos constituídos,
inscritos ou não em Dívida Ativa da União, poderão ser incluídos até a data do
pedido de parcelamento.
[16] § 6o A concessão do parcelamento não
implica a liberação dos bens e direitos do devedor ou de seus responsáveis que
tenham sido constituídos em garantia dos respectivos créditos.
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