EMPRESÁRIO, ECONOMIA, PANDEMIA, ANOMIA, E ELES, OS JUÍZES
Nestes dias de confinamento
obrigatório para todos os brasileiros, por conta da pandemia do coronavírus (ou
Covid-19) – que já era conhecido dos meios científicos, mas, nos parece, sofreu
mutação e transformou-se rapidamente nessa capacidade destrutiva, jamais vista
no cenário mundial – tenho recebido muitos e-mails, mensagens, ligações de empresários, contadores,
empregados de empresas, todos desesperados com a situação econômica e a perguntam-me
sobre as perspectivas futuras, para todas avassaladoras.
Destas consultas que
pululam diariamente, praticamente, surgem especulações de todos os vieses e
natureza, desde conspirações de criações dos vírus em laboratórios e aleatoriamente
dissipados no mundo, até as mais remotas organizações criminosas dispostas a
acabar com o mundo.
Enfim, o momento é
de total terror e qualquer coisa que se fale a respeito, por ora, é mera
especulação, sem provas, mesmo porque a colheita destas, neste momento de
exceção, é muito difícil, ou praticamente impossível.
Vale apenas o
registro, nada mais.
D´outra banda, o que
assusta a todos, sem exceções, é a economia brasileira, fragilizada há muito
tempo, não importando aqui estudar os motivos e os autores, mas apenas as
consequências de tão nefasta situação a que estamos submetidos.
Em realidade, a
economia brasileira sempre foi sujeita a solavancos e jamais resistiu a
qualquer intempérie alienígena, seja por conta do petróleo, seja por guerras,
que nós, brasileiros, não a lutamos, seja pelos desconfortos de ataques
terroristas, de secas ou enchentes nos mais longes recônditos do planeta.
A economia nacional
sempre se pautou pelos juros altos e total falta de seriedade com a coisa pública,
onde apenas os governantes do Executivo e seus asseclas dos Legislativo, sempre
foram os únicos beneficiados, além de muitos membros do Judiciário, ávidos em
perpetuar seus nomes na memória forense, com construções faraônicas e
modificações integrais de determinadas maneiras de agir, sempre gastaram muito
mais do que podiam.
A situação era de simples
equação, pois juros elevados sempre atraíram capitais estrangeiros, depositados
nos bancos privados, com taxas magnânimas para os de fora, enquanto corroíam as
economias nacionais com os juros extorsivos à indústria nacional e aos incautos
tomadores de dinheiro, alienados dos problemas reais.
Aliado a isso, forte
propaganda para que o brasileiro deixasse o dinheiro na caderneta, como forma
de contenção de dinheiro, para os ‘programas sociais’, que deveriam ser
realizados. Junte-se a isso os prêmios fantásticos para um ou outro,
proveniente de jogos de azar – que incoerentemente o país se nega a legalizar –
enquanto os demais países da América latina o tem abertamente.
No entanto, gastou-se
ao longo de sempre muito mais que conseguiam guardar os diversos governos populescos,
não apenas os de agora, mas os militares também, com construções faraônicas e propagandas
histriônicas, pegando o dinheiro de qualquer lugar, fazendo obras que nunca
foram terminadas...
Quando da elaboração
da Constituição Federal a demagogia reinou ao seu bel prazer, criando direitos aqueles
que jamais constituíram um único centil para a economia, permitido aos mesmos
tirar fatias do bolo, sem nunca ter colocado um só ingrediente.
Afora as benesses com
assalariados, funcionários públicos das três esferas de Poder, sendo o
pagamento de férias com um terço a mais nos rendimentos uma das maiores fantasias
do Planeta.
E tudo
sobrecarregando aqueles que trabalhavam e acreditavam em um país melhor: o
empresário.
Qualquer benefício
criado a mais, para manter os milhares de empregos decorrentes das ideias mais
absurdas do mundo imaginário seriam acrescidos nas folhas de pagamentos. São
milhares, mas apenas para exemplificar: sistema “S”, sindicatos, PIS-Cofins,
FGTS, fora os impostos normais das três esferas de governo.
De todas as especiais
criações mirabolantes, ainda, teve a CPMF sobre os cheques, nítida tributação
em dobro, debalde honrosas opiniões em contrário.
Ora, um Brasil com
tantos tributos poderia ser, sinceramente, um país melhor. Porém, outro mal que
sempre assolou o país foram os assaltos aos cofres públicos.
E, também, dos
bolsos privados. Não nos esqueçamos!
Não me refiro à
Lavajato, de tempos atuais, mas das histórias tidas como, digamos, pitorescas,
como aquela frase imortal: “é imoral, mas é legal” de centenas de profissionais,
públicos e privados; do “rouba, mas faz”, da secretária do médico que
pergunta, sem qualquer constrangimento: “com recibo ou sem recibo?”
entre outras que o leitor fatalmente saberá declinar de cor e salteado. Alie-se
a isso o famoso “jeitinho brasileiro” para demonstrar a situação de
penúria moral de um povo mal educado e corrupto por natureza!
A pandemia chega
neste país pós-Copa e pós-Olimpíadas, que se revelaram fontes de muitas
riquezas para alguns, em detrimento de milhões!
A economia em
frangalhos, pessoas desesperadas com o que acontecerá amanhã, o que fazer hoje,
dentro de suas casas, assombradas com o futuro e, principalmente, se amanhã haverá
dinheiro para pagar a conta corrente do dia a dia, dos boletos que estão
chegando, da impossibilidade de socorro imediato.
A dura realidade é
que poucos têm esperanças para o day after do fim da pandemia, diante de
um processo tenebroso pelo qual o país está vivendo, onde falta saneamento
básico, falta o mínimo necessário para a grande maioria das pessoas, que imaginamos,
por não ter para onde correr e se socorrer, estarão aptos à anomia como
uma forma de suprir seus desejos primários, sendo iscas fáceis a se aliarem ao
ilícito e incorreto.
Ao contrário do
Estado, que é extremamente lento em tomar decisões, o crime organizado é célere
e a resposta é imediata, no mais puro padrão das Leis de Talião, ou até mais
severas.
Fora das leis do
Estado a anomia se sustenta por uma lei, não escrita, que poderíamos
chamar de dever de lealdade ao sistema, demonstrando com isso que as
regras não precisam ser discutidas e analisadas, bastando a cabeça de alguns
para o comando dos demais. É aceitar ou aceitar! Sem meio-termo.
No meio de tudo isso
está o empresário, ainda convicto de que conseguirá sair de mais uma
crise, até a chegada da próxima. E, poderíamos dizer um lugar comum: o
empresário, no Brasil, é um forte, pois sofre ataques de todos os lados –
legais e ilegais, gizem-se – sejam dos cofres públicos, sejam dos funcionários
públicos corruptos, sejam seus próprios colaboradores, sejam de todas as
maneiras possíveis e inimagináveis, correndo riscos diariamente.
Destacamos mais
uma crise posto que, desde quando o Brasil é Brasil sempre e
sempre vivenciou crises das mais diferentes colorações e graduações, sendo que
os governantes brasileiros sempre estiveram no centro dessas crises, muitas
vezes pelas suas próprias palavras e ações pouco inteligentes.
Agora vivemos a
crise pandêmica. Os empresários estão em polvorosa sobre o que farão, eis que
são obrigados a fechar seus estabelecimentos por conta do contágio. Isto gera a
não circulação de riquezas, e, por consequência, o não recebimento de valores,
com inúmeras contas para pagar, algumas já roladas de tempos anteriores.
A situação é
extremamente crítica. Muitos já nos aventaram as hipóteses de proposituras de
recuperação judicial e recuperação extrajudicial. Consultas várias!
Aí, caímos no último
personagens deste artigo: eles, os juízes.
Tirante alguns bem
preparados para as recuperações judiciais, infelizmente, desde 2005 temos visto
que, a enorme maioria, não tem preparo suficiente para suportar procedimentos
recuperatórios, por uma série de situações.
Primeiro, porque não
existe uma especialização da matéria nos bancos escolares, que é literalmente
ministrada no meio de outras matérias de Direito Empresarial – o qual
lecionei por várias décadas – mas sem tempo adequado, eis que as faculdades
têm pressa de mostrar tudo aos alunos, mesmo que sejam de an passam.
Os concursos
públicos são telegráficos nessa matéria, sendo raros os especialistas na matéria quando dos exames.
Alie-se a isso tudo o fato de que os juízes não possuem especialização nesta
matéria nem mesmo nas Escolas Superiores das Magistraturas, onde são preparados
para a judicatura.
Está formada uma tríade de verdadeira ojeriza com a matéria sumamente
importante para a economia nacional, sendo que o procedimento, no interior do
país, se dissipa em questiúnculas de somenos, com a falta de preparo daqueles
que deveriam conduzir os processos mais importantes que possuem em mãos. E a
falta de preparo aqui, deixe-se claro, não podemos dizer apenas jurídica, mas,
infelizmente, também, falta de cultura geral, da equidistância dos problemas
sociais e mundiais.
Assim, este magistrado que passou num concurso público com todas as
loas, porém, não é um sujeito preparado para o difícil mister de entender o caráter
social da questão empresarial.
Este é o perfil do magistrado que é lançado nas comarcas pequenas, onde
o magistrado é juiz faz-tudo, desde problemas de infância e adolescência
até homicídios, passando pelas brigas de casal, ambientais, criminais,
possessórias, eleitorais, até questões tributárias. Não se familiariza com a
recuperação judicial por excesso de trabalho.
Nas comarcas maiores, alguns juízes, que jamais trabalharam com
processos de enorme repercussão social simplesmente mantém concepções equivocadas
de que os empresários são pessoas do mal querendo dar golpes.
A experiência da cidade de São Paulo de remeter todas as falências
antigas para uma única Vara na Capital foi um desastre! O que era ruim ficou
péssimo. Os processos que não andavam, pararam de vez. Um despacho leva meses
para ser proferido. Até o simples “digam” se eterniza nos pacotes de
papéis velhos.
E a regionalização dos processos será um transtorno ainda maior do que
aquele vivenciado no Estado do Espírito Santo, com a famigerada “Vara do PIB”,
que se mostrou muito pior com a concentração de poderes nas mãos de um só juiz,
por questões lógicas dessa situação anômala.
Tudo isso, diga-se
de passagem, sem contar com a indiscutível quebra do princípio constitucional
do juiz natural do feito, eis que, segundo regra secular, a
distribuição a um juiz deve seguir até o final do processo.
“Vivemos esses
tempos difíceis”, frase comum, mas sempre atual.
E os empresários
vivem um tempo extremamente muito mais difícil, mesmo porque terão que suportar
todos os inconvenientes da economia depauperada, da anomia social de seus
funcionários, da falta de dinheiro na praça, das contas atrasadas, e, ao buscar
socorro do Judiciário, infelizmente, encontrará magistrados despreparados,
extremamente distantes da realidade dos empresários, culturamente fracos e previamente
absortos em pensamentos contrários aos empresários.
Porém, nos parece
bastante claro que o caminho da recuperação judicial é o único previsto para
este momento crucial da economia nacional, mesmo porque o prazo do stay
period do ajuizamento da recuperação judicial fará com que o empresário
tenha o fôlego necessário para equilibrar suas contas.
Outros empresários
estarão na mesma situação e deverão seguir o mesmo caminho, sendo certo que
poucos sobreviverão a esta crise mundial sem o auxílio do Poder Judiciário.
O grande entrave,
nos parece, é a preconcepção tosca e totalmente alienada do meio empresarial
atual, no sentido de que os empresários são, por natureza, inconfiáveis, mesmo
porque podemos afiançar que a sua esmagadora maioria tem a noção exata de sua
responsabilidade social e seu prestígio no seio da sociedade, buscando, sempre,
o caminho do melhor para a comunidade em que vive.
A concepção dos
juízes sobre os empresários deveria ser exatamente o contrário. Aquele que bate
às portas do Judiciário o faz somente na última barricada de defesa social,
quando outros meios não se tornaram suportáveis e capazes de erodir os problemas
que estão ao seu derredor, mesmo porque a morosidade e letargia judicial são
uma marca indelével do “custo-Brasil”.
Felizmente,
entretanto, para os juízes pouco qualificados encontramos uma segunda instância,
principalmente no Estado de São Paulo, qualificada e consciente dos problemas
que afligem o país, antes mesmo da pandemia, sempre encontrando eco nos
percalços pelos que passam os empresários, dispostos a minimizar os dilemas
empresariais.
A realidade hoje
vivida no país é de uma segunda instância estável, não obstante a rotatividade
de cargos, sempre atuando com compreensão dos problemas empresariais, mostrando
que o homem magistrado deve estar conectado com os problemas sociais de sua
época, conciliando os inúmeros desarranjos sociais, aplicando o Direito dentro
das regras de pacificação de problemas.
Oxalá tenhamos
demonstrado neste momento que passamos e pensamos focar em várias áreas
sanitárias que a economia será irremediavelmente abalada e precisaremos
encontrar um Judiciário focado na solução de problemas, deixando pequenas
mazelas de lado, buscando a melhor saída para o social, sendo que o emprego é
um dos melhores remédios para o bem comum.
Arthur Migliari Júnior
Advogado – OAB-SP n. 397.349
Promotor de Justiça de Falências de São
Paulo aposentado
Mestre pelas Universidade
São Francisco e PUC-São Paulo.
Pós-graduado pela Escola de
Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Law).
Doutorando pela
Universidade de Coimbra – Portugal.
Professor universitário
e de pós-graduação
Integrante da Comissão Jurídica do
Ministério Público do Estado de São Paulo, para analisar, discutir e apresentar
sugestões ao Projeto de Lei nº 4376/93, da Câmara dos Deputados – atual Lei de
Recuperação de Empresas e Falências.
co-Fundador do Instituto Nacional de
Recuperação de Empresas (INRE)
co-Fundador do Instituto Brasileiro de
Estudos de Recuperação de Empresas (IBR)
co-Fundador do
Tournaround Management Association of Brazil – (TMA-Brazil)
co-Fundador da Revista Eletrônica de
Direito Recuperacional e Falências.
Conselheiro da Revista Jurídica Justitia, revista jurídica e acadêmica
do Ministério Público do Estado de São Paulo e Associação Paulista do
Ministério Público (2014-2016 e 2017-2019).
Membro da Comissão de Falências e
Recuperações de Empresas do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo.
Membro do Insol Internacional especializado em recuperação de empresas e
falências.
Jurista premiado com o
Mérito Internacional da Justiça, outorgado pelo Centro de Estudos do
Direito Europeu.
Jurista premiado com a Excelência
Jurídica Internacional, outorgado pela Rede Internacional de Advocacia de
Excelência.
Autor da obra “Curso de Direito Empresarial” em 3 volumes: volume I - Direito
Empresarial. Conceitos e Sociedades Empresariais; volume II - Contratos
Mercantis e Contratos Internacionais; volume III - Títulos de Crédito. Editora
Malheiros – 2018)